No passado dia 8 de Maio
corrente, a África do Sul foi às urnas para eleger os 400 deputados para a
Assembleia Nacional (AN) e membros das assembleias provinciais (AP) para as
nove províncias do país, nomeadamente pela sexta vez desde a libertação do
carismático Nelson Mandela. Diferentemente de Moçambique, na África do Sul não
há eleição directa do Presidente da República: este é eleito pela Assembleia
Nacional, de entre os 400 deputados. Geralmente, o presidente é eleito do
partido com maioria parlamentar, sendo, comumente, seu líder e/ou cabeça de
lista.
Um total de 48 partidos
políticos estiveram na corrida para a AN. O número de partidos concorrentes
para as AP varia de província em província, assim como o número de membros da
AP, que varia de acordo com o tamanho da população de cada província, sendo a
mais pequena AP composta por 30 e a maior por 90 membros. Há alguma semelhança com
Moçambique em relação a como os deputados da AN são eleitos: o uso do sistema
proporcional de lista fechada, com as províncias formando os círculos
eleitorais. O sistema eleitoral é também o mesmo para a eleição dos membros das
assembleias provinciais. Portanto, na África do Sul cada eleitor recebe dois
boletins de voto: um para a escolha do partido para a AN e outro para o partido
para a AP.
Foram 17.671.616 de
eleitores que se fizeram às urnas, dos 26.779.025 recenseados, o que
correspondente a 65.99% de participação, representando uma descida, quando
comparado com os níveis de participação (73.48%) nas eleições gerais de 2014.
Até às eleições de 2014, a África do Sul apresentava níveis altos de
participação na região da SADC; por isso, esta descida deve constituir
preocupação regional e um alerta a países como Moçambique, Malawi e Botswana
para tudo fazerem para maior mobilização do eleitorado. Dentre estes países que
irão às urnas antes do final de 2019, Moçambique está em melhor posição em
relação às facilidades de, potencialmente, fazê-lo, , uma vez que está na fase
de recenseamento dos eleitores. Uma maior mobilização do eleitorado para se
recensear, principalmente em zonas afectadas pelas calamidades naturais
(ciclones, Idai e Kenneth, em particular), pode ser um passo significativo para
o aumento dos níveis de participação.
Não há nenhuma surpresa
significativa. O partido libertador, o Congresso Nacional Africano (ANC),
recebeu 57.50 % do total dos votos, a nível nacional, o que lhe confere uma
maioria parlamentar, com 230 deputados. Este resultado não é muito celebrado
entre os comrades[1], porque revela o agudizar da descida de popularidade do
seu partido, descida essa que começou nas eleições de 2009 quando o ANC baixou
dos 69.69% que tivera nas eleições de 2004, para 65.90%.
Nas eleições de 2014 a
sua popularidade nas urnas veio a baixar ainda mais, nomeadamente para 62.15%. Existem várias possíveis
explicações para a descida de popularidade deste partido histórico, desde os
conflitos internos que dividem os membros próximos do antigo presidente Jacob
Zuma dos do presidente Cyril Ramaphosa, muito facilmente visíveis mesmo no
Congresso de 2017, quando Ramaphosa derrotou Nkosazana Zuma e ficou com a
presidência do ANC. Segundo, a percepção de que o ANC, na pessoa de Zuma, abriu
espaço para a captura do Estado, associados às denúncias de corrupção de alto
nível, certamente terá contribuído de alguma forma. Terceiro, há também uma
visível frustração dentre os apoiantes tradicionais do ANC, os mais
desfavorecidos, que acham que o ANC se esqueceu deles. A campanha eleitoral
para estas eleições foi caracterizada por múltiplas manifestações populares de
rua, exigindo melhoria da prestação dos serviços públicos.
Certamente que o ANC
estava ciente de que a colheita eleitoral de 2019 não seria das abundantes, a
olhar para os resultados obtidos nas autárquicas de 2016, onde chegou a perder
o controlo de grandes cidades metropolitanas como Joaneburgo, Tswane (Pretória)
e Nelson Mandela Bay. Se o ANC fez uma reflexão e operou alguma mudança para
corrigir a percepção negativa depois das eleições locais, então não foi
suficiente para recuperar a sua imagem eleitoral.
O descontentamento dos
membros do ANC com o desempenho do Governo do ANC terá também contribuído para
a subida da abstenção. Em teoria, eleitores insatisfeitos com o desempenho do governo
tendem a punir o partido governante votando para partidos da oposição. Mas um
estudo feito na África do Sul mostra que os apoiantes do ANC preferem mostrar
sua insatisfação ficando em casa, do que dar o seu voto a outros partidos.
Os conflitos internos no
partido da Aliança Democrática (DA), que culminaram, de resto, com a saída de
Patricia de Lille, quadro sénior do partido e antiga Presidente do Município da
Cidade do Cabo entre 2011 e 2018, terão afectado negativamente o desempenho
eleitoral do DA, a nível nacional. Um membro sénior do DA, Solly Msimanga,
antigo Presidente do Município de Tswane, reconheceu que a maneira como o DA
lidou com a ‘Questão De Lille’ terá penalizado o partido nas urnas. De Lille
formou um novo partido, o Good, um dos debutantes, mas que conseguiu assegurar
dois assentos na AN. DA desceu dos 22.23% conquistados nas eleições de 2014
para 20.77%. A olhar-se para os números e para as características dos partidos,
o mais provável é que os cerca de 1.5% de eleitores que o DA perdeu se tenham
distribuído entre o Partido Good e o VF-PLUS. Este último é um dos partidos que
pode cantar victória, ao ter conseguido uma subida dos 0.9% em 2014 para 2.38%.
O partido de Julius
Malema, o Economic Freedom Fighters (EFF), foi o terceiro mais votado.
EFF conseguiu a mais alta subida de todos os partidos, dos 6.35% de 2014 para
10.79%. Contudo, a expectativa que se havia levantado sobre o desempenho do EFF
faz com que este resultado não seja euforicamente celebrado. Em campanha
eleitoral, com recurso ao uso agressivo dos media sociais, o EFF fez passar aos
cidadãos sul-africanos a mensagem de que era desta vez que destronava o
histórico ANC.
A questão da expropriação
da terra e sua devolução aos seus “legítimos proprietários”, os negros, para
corrigir os erros históricos, foi sempre o pendão discursivo do EFF. Contudo,
um pouco mais de um de um ano antes das eleições, o ANC afogou o protagonismo
do EFF, mormente quando puxou para si, a nível do parlamento, o debate sobre a
questão da necessidade da correcção dos erros do passado, com a devolução da
terra. Esta viragem do ANC terá, sobremaneira, influenciado os resultados do
EFF.
O partido de Mangosuthu
Buthelezi, o Inkatha Freedom Party (IFP), também conheceu uma ligeira subida de
cerca de um porcento (de 2.40% em 2014 para 3.38% em 2019). Este é um partido
predominantemente regional, de KwaZulu Natal, terra natal do presidente Zuma.
Curiosamente, nesta província o IFP evoluiu dos 10.86% para 16.34 % e o ANC
regrediu cerca de 10%, dos 64.52% para 54.22%. O mais provável é que alguns
membros do ANC, a nível de KwaZulu Natal, que não tenham gostado da forma como
os dossiers Zuma, Nkandla e Guptas foram tratados, tenham preferido apoiar o
IFP.
Nenhuma democracia terá
jamais uma eleição perfeita. O processo eleitoral ora terminado no país vizinho
também teve alguns desafios, desde acusações de fraca qualidade da tinta
indelével, um elemento importante para a garantia da integridade do processo, o
que resultou em tentativas de múltipla votação. Há evidencias de que algumas
urnas foram encontradas em lugares indevidos. Algumas assembleias de voto
abriram tarde e poucas não abriram, em resultado de bloqueio pelos
protestantes. Por causa destes e outros problemas, um número significativo de
pequenos partidos juntou a sua voz para exigir a anulação total do escrutínio,
enquanto outros pediam a realização de uma auditoria aos resultados. No
entanto, o nosso enfoque aqui é para o que correu bem e que pode servir de
lição para Moçambique.
A primeira lição a copiar
é a estratégia usada pela comissão eleitoral (IEC) para mobilizar os jovens.
Apesar da subida dos níveis de abstenção a nível nacional, e embora não haja
ainda dados desagregados por idade, existe a percepção de que a estratégia do
IEC e dos partidos para a mobilização de eleitores que iriam votar pela
primeira vez e os jovens nascidos depois do fim da era do apartheid (os born
free) foi um sucesso. A campanha de educação cívica lançada em Janeiro, o X SÊ,
foi muito bem elaborada e abrangente. Há muito a aprender deste sucesso,
assumindo que os abstencionistas são a camada jovem.
Segundo, uma experiência
que mostra resultados positivos na prevenção e gestão de conflitos é a
existência do Party Liaison Committe[1] (PLC). O PLC junta todos os partidos
políticos a todos os níveis. Se um conflito eclodir a nível do distrito, o PLC
reúne-se e em conjunto com o IEC a esse nível delibera e resolve o conflito. O
mesmo acontece a nível provincial e nacional. Os encontros regulares para
discussão de várias questões e partilha de informação, funcionam como elemento
importante na prevenção de conflitos. A CNE tem efeito esforço importante para
realizar encontros regulares com as partes interessadas, mas a existência deste
órgão seria uma mais valia para a credibilidade dos processos eleitorais.
Pode-se perceber que o modelo já existe em Moçambique, uma vez que os órgãos de
gestão eleitoral são compostos de membros de partidos, mas a exclusão de
partidos extraparlamentares e os mecanismos de funcionamento são diferentes.
Terceiro, a África do Sul
registou apenas 235;472 votos nulos, cerca de 1.3% do total dos votantes. Este
não é resultado do acaso. O boletim para a eleição da AP tinha 48 partidos, uns
com nomes, cores e símbolos próximos dos outros. Para além dos níveis
satisfatórios de educação do eleitorado sul-africano, há que reconhecer o papel
do IEC e dos partidos políticos na educação do seu eleitorado, um exemplo a
seguir.
Quarto, depois de uma
campanha eleitoral violenta, com protestos e conflitos intra e
inter-partidários, o dia de votação e todo o processo de contagem e transmissão
de resultados foram, no geral, calmos e pacíficos. É preciso procurar saber o
que ditou esta paz. Não restam dúvidas de que houve uma grande colaboração
entre todos os stakeholders, com enfoque para as forças de segurança, que, duma
forma imparcial, trabalharam a todos os níveis. A polícia nunca deve, pois,
trabalhar em favor de um determinado partido, como tem acontecido em
Moçambique.
Quinto, há que reconhecer
a celeridade na transmissão dos resultados. As urnas abrem das 7horas da manhã
até às 21horas, e a contagem começa imediatamente. Até à meia noite do dia de
votação os resultados já começavam a chegar ao centro de operações nacional
(ROC) depois de ter passado pelos ROC provinciais. Isto permitiu que os
resultados fossem anunciados três dias depois da votação. No modelo moçambicano
os resultados estariam ainda a ser agregados a nível do distrito. Em África, é
a demora que leva, em grande medida, à eclosão de violência eleitoral, porque
os eleitores perdem a confianca no processo.Há que pensarmos numa possível
revisão da legislação eleitoral para nos aproximarmos aos patamares do gigante
eleitoral que é a África do Sul.
Por último, a África do
Sul conduziu o processo eleitoral com uma transparência invejável, com recurso
ao uso de Tecnologias de Informação e Comunicação, facilitado pela pujança de
infraestruturas físicas, electrónicas e recursos financeiros. Os painéis
electrónicos gigantes montados no ROC central faziam a actualização dos
resultados a cada 10 minutos, fazendo-se o mesmo na página web do IEC.
Moçambique está longe de fazer algo próximo do que vimos na RSA, mas é de
encorajar a CNE e o STAE para consolidar a iniciativa iniciada e interrompida
no meio nas eleições autárquicas de 2018, para que os eleitores, os partidos
concorrentes e todas as pessoas interessadas possam acompanhar os resultados. O
benefício disto é que se evitam desconfianças e torna-se o processo mais
transparente e credível.
(Por: Zefanias Matsimbe pesquisador do Eisa-Moçambique.)
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