sexta-feira, janeiro 25, 2019

Capitalismo,ameaça mortal !


Sobre dívida, capital internacional e acumulação de capital fictício - porque é que a questão da dívida pública é, e com razão, um campo de batalha política de classes?
Vou re-publicar uma série de entrevistas e artigos, feitas/publicados nos últimos anos, em que a questão da dívida pública, como parte da estratégia de acumulação privada de capital - que inclui a formação de oligarquias capitalistas nacionais em estreita aliança com, e na dependência de, grande capital multinacional - é problematizada.
O argumento de base, assente em bases empíricas e teóricas fundamentadas historicamente, é que o endividamento público massivo é uma fase avançada de expropriação e financeirização tanto do Estado como da economia e da sociedade como um todo, que inclui a mercadorização acelerada de todas as esferas da actividade social, que tem por consequência o predomínio da acumulação de capital fictício, a concentração e centralização do capital, do excedente e da riqueza, o aumento da desigualdade, o predomínio do emprego precário e a pobreza.
Na essência, e em palavras mais simples, o neoliberalismo (incluindo as suas vertentes nacioanalistas fascizantes) e a financeirização que o define são dinâmicas predatórias que extraem mais valia de todas as outras formas de acumulação de capital, destruindo a base produtiva, expropriam o Estado e os cidadãos e enfraquecem a cidadania, promovem formas extremas de corrupção e tornam o capitalismo mais improdutivo, mais especulativo, mais desigual e injusto, faz com que as suas crises fiquem mais profundas, extensas e frequentes.
Os fenómenos que hoje excitam Moçambique - as dívidas ilícitas e os crimes a elas associados - já emergiram em outras partes do mundo sob muitas formas diferentes, desde a crise (financeira, de preços dos bens alimentares e dos preços de combustíveis) de 2007-presente até à massiva expropriação dos Estados capitalistas e destruição dos Estados sociais para resgatar os autores da crise (o sistema financeiro internacional), desde as sucessivas guerras no médio oriente e a protecção do Estado fascista de Israel em troca do controlo de reservas e rotas do petróleo, etc.. Um dos melhores exemplos do carácter extremamente predador do capitalismo moderno é a incapacidade de acordar e implementar acções estratégicas para travar as mudanças climáticas extremas de que o planeta já se ressente gravemente e que põem em causa a vida - não só os lucros do capital, mas a viabilidade de vida no planeta.
Resultado de imagem para nuno castel brancoO capitalismo, na sua forma mais predadora, é uma ameça mortal para si próprio. No extremo da crise, o capital oligopolista e o Estado podem unir-se usando nacionalismo fascista como desfibrilador do capitalismo. Este nacionalismo fascizante, do moçambicano ao americano ou chinês, não é alternativa ao capitalismo financeirista global, mas é parte da articulação das suas expressões, tensões, conflitos e dinâmicas locais e internacionais.
As dívidas ilícitas em Moçambique, as crises, tensões e lutas que provocam, bem como a reacção crescentemente repressiva das autoridades policiais e do aparelho propagandístico e ilusionista do regime, não são excepção a esta tendência global do capitalismo.
O movimento "eu não pago dívidas ocultas" é uma expressão de cidadania contra a injustiça e a hipocrisia de obrigar um Estado, um país e um povo a pagarem pelas consequências extremas do predadorismo capitalista doméstico e internacional. Eu apoio este acto de cidadania sem quaisquer reservas. O ataque cerrado que o aparelho propagandístico ilusionista e o aparelho de repressão policial do regime exercem contra este movimento - o primeiro, para desactivar qualquer acção que inclua organização e movimento social para além da limpeza da praia, e para desviar a atenção de um assunto fulcral, não se engjando com ele mas com a "técnica" de discussão, o segundo para reprimir a acção se o primeiro instrumento não tiver o efeito desejado - são evidência de que esta expressão de cidadania é importante e que de algum modo afecta o regime. Como manter, expandir, aprofundar, tornar mais rigoroso e sustentável esta forma de cidadania é um desafio enormíssimo mas que vale a pena enfrentar.
Antes de entrar na re-publicação dos materiais, gostaria de colocar os seguintes dados, mas sem apresentar ainda nenhuma interpretação, que fazem parte da lógica de recusar pagar a expropriação do Estado e da economia pelo capitalismo especulativo.
Um, entre 2010 e 2016, a fracção do financiamento bancário nacional alocado ao sector produtivo e ao comércio reduziu 20% e 31%, respectivamente, mas a fracção do financiamento bancário para consumo de bens duráveis (casas, viaturas, etc.) e para compra de títulos de dívida pública aumentou 29% e 35%, respectivamente.
Dois, a alocação da dívida comercial assumida pelo Estado no período 2008-2014, que corresponde a cerca de 90% da dívida comercial, foi a seguinte: 39% para garantias a dívida privada (onde também se incluem os empréstimos ilícitos); 31% para infraestruturas (90% do qual gasto em infraestruturas para a economia extractiva) e 30% para pagar dívida (a fracção dminante desta parte é o endividamento doméstico do Estado).
Três, de todo o investimento privado feito em Moçambique entre 2005-2015, 75% foi aplicado no núcleo da economia extractiva e 20% nas infraestruturas e serviços a ela associados, sobrando 5% para o resto da economia - incluindo para a produção de alimentos para o mercado interno.
Estes três conjuntos de dados, que neste post não analiso nem interpreto, são vitais para entender a actual economia de Moçambique, incluindo a sua dimensão ilícita. Gradualmente, iremos analisar e discutir esta informação. Mas, seri interessante ir fazendo esta discussão entre todos nós - o que significam e como se relacionam esses dados num quadro analítico mais amplo e complexo, mas que serve para descrever e analisar a situação e pensar em opções de acção?
O conjunto de materias que vou re-publicar são contribuições feitas ao longo dos anos sobre a problemática da dívida pública e da expropriação do Estado, dos cidadãos e de todas as formas de capital não especulativo como modo de acumulação de capital fictício na era da fianceirizaçao global. A re-publicação destes materias tem, também, o papel de nos lembrar que estes assuntos estão sendo discutidos há anos, e que leva muito tempo, e às vezes é preciso um escândalo, como o dos empréstimos ilícitos, para que a discussão se converta em acção e movimento social progressista, contundente e transfromativo.
Vou começar esta série de re-ublicações com uma entrevista conduzida pelo Professor Issa Shivji (Tanzania), em Dezembro de 2016, em Dar-es-Salaam, em que problematizamos a questão do endividamento público como parte de processos de acumulação privada de capital em Moçambique, na Tanzania e no capitalismo moderno.

Ah, esqueci-me de dizer (ou, se já disse, não custa dizer de novo): Eu não pago empréstimos ilícitos que geram dívida a ser ilicitamente financiada pela expropriação do Estado e da sociedade e pela mercadorização da soberania nacional!
(Por Carlos Nuno Castel – Branco in facebook)

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