Nesta
semana ouvi muita coisa sem sentido por causa da atuação da Polícia de
Segurança Pública portuguesa sobre cidadãos angolanos no bairro da Jamaica, no
distrito de Setúbal. Vi o vídeo e pensei em desacatos, apesar de o direito à
indignação ser um inalienável quando os nossos direitos são violados. E reagir
à pedrada contra a polícia? Não me parece correto.
Entretanto,
por cá, em Angola, começaram a correr vídeos e áudios de pseudorreportagens
feitas por angolanos (alguns jornalistas e apresentadores angolanos
coincidentemente estavam por Lisboa), quase todas mais interessadas em
denunciar um suposto ato racista da PSP do que em narrar os factos. E houve
portugueses também que se alinharam. Normal, depois do fracasso das
manifestações dos coletes amarelos portugueses. Há gente a precisar
desesperadamente de uma razão para sair à rua e incendiar contentores, carros e
partir montras.
Voltei
a ouvir alguns áudios e percebi que tudo tinha tido início em cuecas que não
gostam de ficar no lugar, caem, com homens ou com mulheres já comprometidos, e,
obviamente, isto às vezes dá em confusão. Então passou-se de um assunto de
cuecas, de meninas acusadas de andarem a colher em ceara alheia, e
transformou-se num caso de racismo com apelos à retaliação angolana e a uma
tomada de posição firme por parte do Estado angolano.
"Vivi
em Lisboa muitos anos, sei bem como os tugas reagem ao negro, sobretudo ao mais
desfavorecido, e sei bem como o negro reage a quase tudo o que não o favorece
na relação com o outro: é racismo."
Liguei
a um membro do governo angolano para confirmar se tinha havido mesmo uma carta
de protesto como até a imprensa oficial (do Estado) tinha noticiado. Bem,
alguns colegas agiram emocionados, como se diz por cá. O alto responsável
limitou-se a dizer que "a maka não é nossa, e muito menos os desacatos que
estão sendo feitos, nem sabemos se são mesmo angolanos os que agora andam a fazer
confusão".
Posição
acertada, a do Estado angolano, não é necessário arranjar mais makas numa
relação tipo amor à italiana nos filmes de Ettore Scola. Há demasiada
adrenalina.
A
coisa é simples: Portugal ainda não conseguiu uma forma de inserção social das
comunidades das ex-colónias. Há aqui algum "irritante racista"?
Talvez sim. Digamos que uma "falta de vontade racista sem querer",
sobretudo para os mais pobres, porque os abastados, pelo menos de frente,
"não são assim tão negros". Talvez até seja mais uma questão de
cultura, de encontro de hábitos e de costumes, porque ainda persiste a lógica
do assimilacionismo em ambas as partes. É coisa muito forte. Aliás, entre
negros em Angola este é um problema enorme que cria uma barreira que não se
quer discutir. E em Portugal há também portugueses por assimilar.
Vivi
em Lisboa muitos anos, sei bem como os tugas reagem ao negro, sobretudo ao mais
desfavorecido, e sei bem como o negro reage a quase tudo o que não o favorece
na relação com o outro: é racismo. Esta fórmula tem sempre um efeito
psicológico importante, vantajoso. Quase que me atreveria a dizer que se tem em
Portugal algumas pessoas racistas, num Estado que não quer ser racista, e
pessoas que precisam de sofrer racismo para se fazerem ouvir. E todos, ao mesmo
tempo, sabem que nada disso lhes resolve a vida.
(José kaliengue, Diretor do jornal angolano O País)
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