A onda de violência
que vem a desenvolver-se na zona costeira de Cabo Delgado, no norte de
Moçambique, está associada ao extremismo religioso islâmico e começou há quase
duas décadas, recordou hoje o investigador Fernando Jorge Cardoso.
Esta situação, que
ganhou uma dimensão de maior escala em outubro de 2017, com os primeiros ataques
violentos, "nada tem que ver com a exploração de gás na região",
afirmou à Lusa o coordenador de Estudos Estratégicos e do Desenvolvimento do
Instituto Marquês de Valle Flôr e investigador do Centro de Estudos
Internacionais do ISCTE/IUL."O que está a
acontecer na zona costeira a norte de Cabo Delgado não começou, contrariamente
às informações, em 2017. Em 2017, começaram alguns atos de decapitação, que
tiveram uma repercussão bastante forte em termos mediáticos, porque neste
momento falamos de grandes investimentos de gás na mesma zona", sublinha. Fernando Jorge
Cardos atribui a autoria da situação a uma "seita de dentro do
Islão", que vem a atuar na região desde há cerca de duas décadas.
"Em Moçambique
existem três organizações islâmicas. Uma delas é apoiada financeiramente pela
Arábia Saudita, às claras", explica o investigador.
"O que
aconteceu neste Conselho Islâmico, que tem a supervisão do wahabismo, da
corrente wahabita em Moçambique, foi que numa parte do conselho,
particularmente representada por elementos mais jovens que tinham sido mandados
estudar em madrassas [escolas religiosas islâmicas] da Arábia Saudita e de
outros países islâmicos, houve uma cisão. Isto aconteceu em 2000", afirma.
Esta
"cisão", segundo Fernando Jorge Cardoso, levou à edificação no norte
de Cabo Delgado de um conjunto de mesquitas, onde começou a ser pregada uma
abordagem radical do Corão e da 'sharia', a lei islâmica."Seis mesquitas
começaram a pregar um islão muito mais radical e houve uma primeira sublevação,
em 2010, por parte da população, que queimou uma dessas mesquitas, considerando
que eram demasiado radicais", explica o investigador.
Por isso, sublinhou
o investigador, "o Conselho Islâmico de Moçambique, o tal ramo mais
wahabita, incentivou e continua a incentivar uma intervenção militar do Governo
na zona".
A radicalização, por
outro lado, levou a que aquela fação militante moçambicana se aproximasse de
elementos com a mesma visão radical do Islão no outro lado da fronteira norte
do país, na Tanzânia, segundo Fernando Jorge Cardoso."Esta seita
mais fundamentalista do wahabismo estende-se por uma região que ultrapassa o
rio Rovuma, que passa para o lado da Tanzânia, e manifesta-se através de uma
interpretação religiosa do Corão em que as pessoas deverão rezar descalças,
deverão rezar com um punhal -- no caso, o punhal é substituído pela catana -,
não deverão frequentar as escolas ocidentais - e daí dizer-se que estão ligados
à questão do Boko Haram ou do Al-Shabaab, que é como a população local os
chama", explica o investigador.
"Os objetos da
violência, das decapitações e de todos estes atos são a população da área.
Portanto, isto não é uma insurgência de natureza étnica ou social contra o
Estado ou contra as companhias petrolíferas", diz.
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