A
cada dia que passa, chega até nós um conjunto incrível de alegações sobre
outras negociatas onde Manuel Chang, como Ministro da Finanças, esteve
envolvido ou deixou que acontecesse sob seu olhar impávido e cúmplice. O caso
Odebrecht, em que terá recebido "luvas" para sobrefacturar o valor da
obra do "elefante branco" do Aeroporto Internacional de Nacala,
através de uma dívida contraída ao banco BNDS do Brasil, não é único.
[A contratação de dívida com valores altamente inflacionadas
tornara-se um mecanismo de acumulação primária de renda no consulado de Armando
Guebuza; grosso modo, todas a obras públicas realizadas tiveram como
"leitmotiv" um apetite de enriquecimento ilícito: o aeroporto de
Mavalane estava orçado em 50 milhões de USD, mas um assessor de Armando
Guebuza, cujo nome omitimos, impôs ao Ministério das Finanças que fossem
acrescentados 20 milhões de USD – que foram para bolsos privados mas aumentando
a dívida pública da obra].
Durante
10 anos Ministro das Finanças do Presidente Armando Guebuza, Chang viu passar
na sua mesa várias negociatas orquestradas por elementos da elite política.
Adjudicações corruptivas, sobrefacturação de obras públicas em massa e
duvidosos negócios imobiliários envolvendo o tesouro público. Nalguns negócios,
ele terá participado como sócio fantasma. Noutros foi obrigado a fazer vista
grossa, como naquela apropriação massiva de uma linha de crédito concessional
de Portugal, que acabou beneficiando privados através de uma mentirosa parceria
público-privada (a Ponte de Kassuende, em Tete, com portagem, onde o privado
apenas investiu sua capacidade de tráfico de influências, ganhando milhões, e o
Estado e seus contribuintes carregam o fardo pesado de um endividamento
caloteiro.
É
óbvio, então, que Manuel Chang esteja na posse de muita informação sobre a
sujeira da corrupção que temos vindo a viver em Moçambique nos últimos anos.
Ele sabe de mais, dos esquemas urdidos e dos seus principais beneficiários que,
se for extraditado para os EUA e der com a boca no trombone, muita gente
altamente posicionada na nossa elite endinheirada vai ser exposta como estando
envolvida no roubo e no enriquecimento ilícito. Não é apenas a rede
criminosa directamente beneficiária da dívida oculta que anda em pulgas com a
perspectiva de uma delação de Chang. É toda uma súcia elitista que vive de
negociatas com fundos públicos, também usados para financiar a manutenção da
Frelimo no poder. Por isso, o alarido à volta da extradição de Chang para os
EUA. E a intervenção da PGR para que o deputado seja julgado em Moçambique.
Oficialmente
tida como no único e puro interesse da justiça, com o intuito de acautelar o
confisco local de bens, a extradição de Manuel Chang é percebida na opinião
pública como uma estratégia do poder político para evitar os danos eventuais de
uma delação de Chang nos EUA, que exporia o profundo carácter improbo do nosso
Estado.
Trata-se,
portanto, de um cálculo político. Mas um cálculo político feito a todo o custo,
inclusive ante a possibilidade de convulsões sociais e até uma severa punição
da Frelimo nas urnas em ano de eleições. A mera perspectiva de Chang regressar
a Moçambique já está a causar uma ira profunda na sociedade, habituada a ver
uma classe política corrupta se passeando na impunidade e temendo agora
que Chang tenha a mesma sorte.
Os
moçambicanos gostariam de ver este caso como um novo começo. Um Estado
energicamente comprometido em deixar que a justiça corra o seus tramites
normais, mesmo que percamos de uma vez por boa parte dos bens roubados. Não
seria a primeira vez. Deixar Chang ir para os EUA, independentemente do seu
estatuto político, seria um golpe profundo sobre aqueles que continuam vivendo
atolados no enriquecimento ilícito. Seria a demonstração de uma vontade
política contra a impunidade.
Mas
a Frelimo faz os cálculos que faz. Para proteger uns poucos, o partido investe
contra a sua popularidade já nas ruas da amargura. O cálculo parece
completamente errado. Em ano de eleições, não se compra uma guerra política com
os EUA. Recordem-se: eles já têm consigo toda planilha de subornos na
Privinvest. Todos os movimentos dos dólares corruptos da dívida. Se Chang
for trazido para cá, é claro que essa informação vai ser vazada, para que a
opinião pública saiba, em ano eleitoral, quem recebeu o dinheiro do
calote. A Frelimo ficará a perder em toda a linha. E o próprio Chang
também. Voltar a Moçambique para quê? Para acabar sucumbindo ao tédio ou a uma
bala perdida de fogo amigo? (M.Mosse)
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