Em
vez de convidar os ricos para uma pose inaugural da Ponte paga em leilão, a
Maputo-sul podia ter arregimentado os batalhões de pobres urbanos produzidos
também pela decisão errática de se construir um monstro sobre-facturado como
aquele quando havia mais alternativas e podia ter sido feito barato. A
Maputo-sul podia ir buscar as crianças deserdadas da Dom Orion ou essa moldura
de nossas velhas e velhos andando pelas ruas da cidade, catando esmolas a uma
sociedade cada vez mais incapaz de partilhar.
Podia
ter ido buscar as milhares de crianças nas escolas suburbanas da grande Maputo,
dando-lhes uma flor, um balão e um lanche, e elas abençoavam a ponte na
espontaneidade de cada sorriso, insuflando seus sonhos com um futuro onde elas,
também elas, um dia, poderiam calcorrear aqueles atalhos de betão e metal
suspensos por cima do mar. Podia ter organizado os chapeiros numa romaria de
ida e volta, carregando a vastidão dos pobres que habitam nas duas margens,
naquela que seria, talvez, a sua única experiência de uma transição para a
Catembe através de uma ponte que, afinal, não tem nada de social mas é, afinal,
um projecto para as famílias endinheiradas da cidade. A ponte para a Catembe,
percebe-se agora, foi um projecto de uma elite que se agarrou nos recursos do Estado
e fez dele propriedade particular. Agora estão ávidos de curtir esse proveito.
Projectaram
uma ponte apenas para viaturas para que os pobres estivessem longe dela. A
ponte é para eles! Para nossa elite de rapina! Por isso vão competir para a
pose do carro inaugural. E, veremos nós, o dono do carro que vencer o leilão
pagará milhões. No meio da crise, que elas próprias causaram, há quem se dispõe
a um laivo de ostentação. E esse carro da pose histórica da ponte, um insosso
expediente de status, não vai ser um qualquer Avensis de classe média nem uma
dessas geringoças de papel, importadas em segunda mão do Japão. Não! Vai ser um
Lexus 4x4 ou um Porche Cayenne. A ponte foi feita para eles. Eles é que vão
brilhar!
Não
é o pobre, não! Esses estão já arredados da fanfarra. Nem agora nem nunca. Por
isso, a Maputo-sul já calculou preços altos da travessia, alegando que é
tudo para a manutenção. Essa manutenção ainda não foi contratada. O
concurso foi lançado apenas na semana passada. Mas já tem preço para pagar a
manutenção. Só esperamos que o futuro “manutendor” não aumente esse preço
quando fizer, ele próprio, os cálculos relevantes.
A
inauguração da ponte devia ser um motivo de festa e orgulho para os
moçambicanos. Mas parece que vai calcar ainda mais o sentimento de um povo cada
vez mais destinado à miséria. Um povo que, no dia em que o Estado
“desconseguir” de pagar a dívida da ponte e ela se tornar propriedade da China,
vai ter que pagar o seu encargo. Sim, quem vai pagar com seu suor e privações é
o moçambicano comum. Não é o tipo do Porche. Esse nunca pagou nada. Nunca vai
pagar nada! Porque tudo o que ele tem não lhe pertence. Incluindo os dinheiros
da compra da fotografia inaugural. E o coitado do Porche! (M.M.)
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