Era uma vez, nas longínquas terras africanas, existia um reino para lá
do comum. Algumas pessoas chamavam-no “Pérola do Índico” e outras simplesmente
“Pátria de Heróis”. Mas havia uns que preferiam designá-lo “Guebuzistão”.
Pouco importa o nome, bem poderia ser “Pátria Amada” ou “Pátria Qualquer
Coisa”, mas tinha de ter um Rei.
O Soberano, de nome desconhecido, tinha quatro paixões (só não se sabe
se é nesta ordem), designadamente helicóptero, piripiri, cachimbo e ampliar o
seu património (financeiro) pessoal para lá de insuportável, adquirindo
participações nas poucas empresas que movimentavam a economia daquele reino.
Mas há quem fala de uma quinta paixão: adorava ser bajulado.
Como todo o Rei, ele tinha os seus funcionários – verdadeiros mestres em
reproduzir o discurso da sua majestade – que fingiam estar preocupados com o
bem-estar do povo, quando, na verdade, acomodavam a corrupção e o nepotismo.
Diga-se, o reino parecia um covil de abutres com as unhas cravadas na
garganta dos súbditos que eram forçados a viver à intempérie, sem transporte,
um sistema de saúde condigno e uma educação decente.
Apesar de as estatísticas mostrarem, vezes sem conta, o crescimento da
economia local, os súbditos continuavam a morrer de fome, miséria (i) merecida
e doenças curáveis. Mas o Rei cinicamente continuava a repetir até à náusea –
qual um robô programado – qualquer coisa como :
“Estamos no bom caminho, rumo à prosperidade”.
“Estamos no bom caminho, rumo à prosperidade”.
Quando o povo pedia pão e água, o Rei e os seus sequazes serviam
excessivamente NADA, quando não eram overdoses de promessas e discursos cheios
de nada e de nenhuma coisa.
Nas suas habituais brincadeiras e com o apoio dos seus títeres, começou por
falar de “Revolução Verde” que morreu antes de nascer, inventou a história de
“Jatropha” que continua sem pernas para andar e, mais tarde, forjou uma tal de
“Cesta Básica” que ninguém chegou a ver.
Aliás, para entreter e domesticar o povo, compôs uma canção intitulada
“Auto-estima” e decidiu dividir o reino em três gerações. Engendrou ainda uma
guerra que denominou “Combate à Pobreza Absoluta” e, até então, ninguém sabe em
que estágio se encontra a luta. Mas uma coisa é certa: ninguém deu o primeiro tiro,
até porque os soldados de ontem não têm motivos para lutar, uma vez que levam
uma vida abastada.
Cansado de receber o atestado de estupidez que era passado a todos os
súbditos daquele reino, um jovem desconhecido decidiu rebelar-se. Sem escudo,
apenas com uma azagaia, dispôs-se a fazer frente à monarquia e todos os meios
de repressão modernos ao seu dispor.
Chamaram o rapaz à razão, mas ele fez orelhas moucas. Inebriado pelo
apoio que recebia do povo, o jovem seguia, sem escudo (apenas com azagaia),
desferindo violentos golpes ao regime.
Num certo dia, quando se preparava para arremessar mais uma lança, caiu
nas mãos dos carrascos. Foi encarcerado. Motivo: levava consigo uma erva que
naquele reino era proibida. Paradoxalmente, prenderam-no por transportar apenas
quatro gramas de uma planta proibida, mas ninguém prende os guardiões do Rei
que exportam impune e sistematicamente FLORESTAS DE MADEIRA PROIBIDA para o
reino de Bruce Lee.
Contudo, há quem acredite que foi mesmo por causa do instrumento de
combate. Dois dias depois, o rapaz foi liberto, mas não se sabe se ele viverá
feliz para sempre.
*PS: Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência.
*Mia Couto
*Mia Couto
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