Antes de mais,
adverte-se que a intenção da abordagem desta sensível temática, prende-se com o
facto de se afigurar uma necessária (e inevitável) reflexão em torno de um
fenómeno que, de forma alastradora, ganha contorcionismos assustadores no nosso
quotidiano vivencial. Mais avisa-se que o que aqui se debruça não consiste numa insinuação (muito
menos acusação), todavia, traduz-se numa imperiosidade (moral e social) de
apreciação, análise e debate, em face da crescente onda de relatos e narracções
verificadas por parte de pacientes (e seus familiares), bem como algumas “fugas
de informação” por parte de pessoal privilegiadamente posicionado em lugares e
funções que permitem (ob)ter o acesso a uma panóplia de informações e
revelações que inquietam e alarmam a consciência pública.
O título acima é elucidativo e esclarecedor: paira uma atmosfera de suspeição
sobre os médicos das clínicas privadas, que aponta para o sentido destes
adiarem (o máximo que puderem) o estado de baixa do paciente a seu cargo,
movidos por motivos de captação de vantagens financeiras (para si e para a
unidade hospitalar), pois quanto maior for o tempo em que o paciente perpetuar
na clínica, maior será, também, o encaixe pecuniário para as “algibeiras” da
instituição. Aliás (e estou a vontade para dizê-lo), as mesmas suspeições
sobrevoam em torno da actividade profissional dos advogados que, amiúde, são
alvos dos mais asquerosos juízos de desconfiança, assumindo-se que,
propositadamente, protelam os processos judiciais (requerimentos prolixos,
recursos dilatórios, moção de incidentes e acções judiciais inúteis),
unicamente com o objectivo de “vampirar o sangue” dos clientes, cobrando-lhes
eternos honorários advocatícios. O assunto é de extremosa complexidade pelas
mais variadíssimas razões:
se, no que concerne aos advogados, existe sempre a
possibilidade do processo findar na mesa de um juiz (independente) e, mais a
mais, os interesses em causa são diametralmente opostos no que toca ao grau de
importância, visto que, normalmente, num caso (medicina) é a vida de uma pessoa
que está em causa e, noutro (processo judicial), com a excepção da privação da
liberdade (prisão), são questões de natureza patrimonial ou indemnizatória que
mais se suscitam. Na esfera da medicina não existe um “médico de recurso”
que sirva de árbitro para, no instante em que a prescrição médica é
estabelecida, o decretamento da baixa é efectuado, as infindáveis análises
(nenhuma delas gratuitas e que depois se mostram absolutamente desnecessárias)
são realizadas, os exames são “insistentemente repetidos” (a contrapartida
financeira sempre existente, obviamente), para sancionar, julgar, aquela
decisão que se parte do princípio que é idónea e reveste carácter peculiarmente
científico.
Dito doutro modo: em bom rigor, nenhum cidadão responsável por mais que se
sinta convicto de que se encontra recuperado, irá desobedecer a um médico que o
diz que tem de baixar, pois o resultado das análises (que o médico, entretanto,
possui atravessado entre as mãos e faz o favor de mostrar ao paciente, como se
este fosse entender o que quer que fosse daqueles gráficos que, naquele
instante, só lhe causam vertigens…), aconselham que o repouso (na clínica e não
em casa) é imprescindível.
A maioria das pessoas [ainda] tem medo de perder a vida e a “opinião” de um
médico é das poucas “opiniões” que reveste carácter de “ordem”…
Existirá, sempre, o problema da prova: o paciente dificilmente poderá provar
que o médico agiu livre, deliberada e conscientemente para usar a sua estadia
no hospital como mecanismo sofisticadamente brutal para
angariação de vantagens
patrimoniais (para si e para a instituição), bem como, no caso de uma
«inspecção», o médico, admitindo o erro, poderá sempre jurar que ao tomar uma
determinada decisão, fê-lo convicto de que era, aquela decisão, que se mostrava
adequada sob o ponto de vista científico, para debelar a maleita do paciente,
ou que cada paciente reage de forma “suis generis” perante a administração de
idênticos medicamentos, que o tempo de convalescença conhece distintas
variações consoante o desenvolvimento imunológico ou imunitário do paciente, ou
ainda que se operou um milagre divino…
E porque não sigo a “cultura do avestruz” (de penetrar a cabeça no primeiro
buraco que esteja ao seu alcance para se distanciar dos problemas que se lhe
colocam), creio estarmos em face de um assunto que merece reflexão aprofundada,
por mais indignação que despolete no seio da «classe da bata branca». Uma
reflexão analítica que terá, forçosamente, que estreitar mecanismos de
prevenção, combate e repressão perante medidas abusivas como as que se detém o
presente texto, sempre conscientes do carácter dificílimo de identificar,
provar e neutralizar “extorsões sofisticadas” que, sob mera hipótese, aqui
avançadas, na medida em que a refinada especialidade dos domínios da medicina
obstruem que um olho vulgar (não científico) possa arrogar-se a captar, com
nitidez, práticas tão subtis e engenhosas…
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