Perguntas e respostas de mais um caso de
polícia na política brasileira. Em que ponto está o inquérito às acusações de
Moro contra o presidente, quais as provas, os crimes eventualmente cometidos,
os eventuais desfechos e quem é o homem que vai decidir tudo.
Depois do impeachment de Dilma Rousseff em 2016 e de duas
denúncias contra Michel Temer em 2017, a política brasileira volta a ser caso
de polícia em 2020. Literalmente. Por causa de uma acusação, durante o discurso
de demissão do ministro da justiça Sérgio Moro, de interferência no comando da
polícia federal, supostamente para benefício próprio e da família, Jair
Bolsonaro pode vir a ser alvo de uma denúncia, como Temer, ou até de um
impeachment, como Dilma.
Os investigadores da política federal já recolhem
depoimentos, analisam provas e preparam relatórios para Augusto Aras, o
Procurador-Geral da República nomeado em setembro de 2019 por Bolsonaro que é
peça chave no processo.
De onde partiu a acusação?
A origem é o discurso de demissão de Sergio Moro do
ministério da justiça e da segurança pública, a 24 de abril. Logo após as suas
declarações, o Procurador-Geral da República, Augusto Aras, resolveu abrir
inquérito.
O que disse Moro que pode ser considerado
crime de Bolsonaro
Logo naquele discurso, Moro acusou o presidente de o
pressionar a mudar o diretor geral da polícia federal - no mesmo dia
apresentaria no telejornal da TV Globo, o Jornal Nacional, conversa de Whatsapp
para o comprovar. Mais tarde, em depoimento à polícia no dia 2 de maio,
acrescentou que Bolsonaro tinha sobretudo interesse no comando da polícia do
Rio de Janeiro, citando uma conversa em que o presidente lhe dissera "você
tem 27 superintendências, eu quero apenas a do Rio". Nesse depoimento,
Moro citou como prova do que dizia uma reunião de ministros, gravada em vídeo,
em que teria sido pressionado por Bolsonaro.
O que consta desse vídeo?
O vídeo dessa reunião de quatro horas não é público mas,
segundo relatos dos investigadores à imprensa, Bolsonaro vinculou a troca de
comando da polícia no Rio à proteção a familiares seus. Disse que caso
contrário mudaria o chefe nacional das corporação e até o ministro.
Qual o interesse de Bolsonaro no Rio?
A propósito, o próprio só se justificou dizendo "o
Rio é o meu estado". Mas presume-se que tenha interesse em saber o
andamento das investigações sobre o seu filho mais velho, Flávio, acusado de
corrupção e organização criminosa num esquema de desvio do salário dos
assessores, sobre o segundo filho, Carlos, considerado líder de uma rede de
fake news, e sobre a execução de Marielle Franco. Apesar de ninguém da família
ser citado no processo, Bolsonaro teme que Wilson Witzel, governador do Rio,
queira usar citações indiretas no caso contra si.
Que crimes pode ter cometido Bolsonaro?
Segundo Aras, seis: falsidade ideológica, coação no curso
do processo, advocacia administrativa, obstrução de justiça, corrupção passiva
privilegiada e prevaricação.
E Moro, também pode ser acusado de cometer
crimes?
Sim. Ainda segundo o PGR, de três: prevaricação (por não
ter denunciado, logo pactuado, com as supostas pressões presidenciais),
denunciação caluniosa e crime contra a honra.
Além do discurso de demissão, do depoimento
à polícia de Moro e do visionamento do vídeo que outras diligências realizaram
os investigadores da polícia?
Entre outros, ouviram em depoimento Maurício Valeixo, o
diretor da polícia federal que Bolsonaro queria demitir, Alexandre Ramagem, o
nome que o presidente queria no lugar e que é amigo da família, e três
ministros generais presentes naquela reunião gravada em vídeo.
Quem vai decidir se há ou não crimes de um,
de outro ou dos dois?
Os investigadores da polícia federal, logo que terminem o
inquérito apresentarão as suas conclusões a Aras, que pode ou não corroborar
essas conclusões.
Há prazo?
Segundo o código penal brasileiro os inquéritos devem
durar 30 dias.
O que pode acontecer a Bolsonaro?
Pode ser denunciado por Aras. Caso essa denúncia seja
aceite por dois terços dos deputados da Câmara dos Deputados, Bolsonaro será
afastado do cargo por 180 dias, período em que se saberá se será condenado ou
não, e substituído pelo vice-presidente Hamilton Mourão. Caso mais de um terço
dos deputados vote a favor do presidente, o processo só volta a correr depois
de terminado o seu mandato.
Já aconteceu situação semelhante?
Sim, Michel Temer, antecessor de Bolsonaro, por exemplo,
teve duas denúncias contra si barradas pela Câmara dos Deputados ao longo seu
mandato de dois anos.
Denúncia é então diferente de processo de
impeachment?
Sim. Mas, segundo juristas, alguns dos chamados
"crimes comuns" em que Bolsonaro incorre neste processo podem ser
enquadrados na categoria de "crimes de responsabilidade", o que pode
gerar um impeachment, nos trâmites em que foi julgada Dilma Rousseff, em 2016,
ou Collor de Mello, em 1990.
E quem é então Aras, o magistrado que vai
decidir tudo?
Procurador Geral desde setembro de 2019, foi uma escolha
pessoal de Bolsonaro, que ignorou, pela primeira vez desde 2003, a lista de
três sugestões do Ministério Público para o cargo. Nos bastidores, diz-se que o
presidente reserva ao magistrado de 61 anos de Salvador, Bahia, um lugar no Supremo
Tribunal Federal - mas tudo dependeria de como se comportar neste caso.
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