"Liberdade
somente para os apoiantes do governo, somente para membros de um partido - não
importa quão grande a sua adesão possa ser - não é liberdade nenhuma. Liberdade
é sempre a liberdade para o homem e mulher que pensam de forma diferente."
(Rosa Luxemburgo, uma das mais destacadas líderes marxistas do movimento operário
internacional dos princípios do século XX).
Completam-se,
hoje (1 SET), 4 anos do julgamento da crítica ao Guebuzismo, em que foram réus
o Fernando Mbanze e eu. Para recordar, na época fui acusado pela PGR de prática
de crimes contra a segurança do Estado por ter publicado um post no Facebook
severamente crítico do Guebuzismo, e Mbanze foi acusado, pela mesma PGR, do
crime de abuso da liberdade de informação ao publicar o meu post no jornal de
que é editor. Daqui a 16 dias, 16 de Setembro, completam-se 4 anos da sentença
histórica que nos ilibou dos crimes e expandiu o sentido de liberdade de
expressão e crítica política. Entretanto, a PGR interpôs um recurso contra a
sentença, em finais de Setembro de 2015, sobre o qual ainda não há resposta.
Quatro anos depois!!!!!
O
que aconteceu, entretanto, nestes 4 anos, em matéria relacionada com os
assuntos discutidos naquele post no Facebook e no julgamento?
Primeiro,
cada um dos assuntos tratados no post foi confirmado pela vida real: o
endividamento descontrolado, a privatização e a financeirização do Estado, a
mercadorização da soberania nacional, o desprezo pela vida dos cidadãos, o
tornar o futuro refém de ambições extremas de um punhado oligárquico, a alta
corrupção intelectual, social e material, o uso e abuso do símbolo PR para
promoção de enriquecimento ilícito, a repressão da diferença e das vozes não
alinhadas, até a violência armada no norte do país. A vida se encarregou de
mostrar que o post não era difamatório. Se pecou por faltar à verdade foi por
defeito - o que se passava era pior que o descrito - e não por excesso.
Segundo,
os poderes legislativos decretaram, por revisão da lei, a redução do espaço de
crítica política, em direcção oposta à lógica histórica - os detentores de
altos cargos políticos públicos estão hoje mais protegidos que o cidadão comum
contra a crítica política.
Terceiro,
a PGR foi forçada, contra vontade e apesar de enorme resistência do regime, a
investigar parte dos crimes denunciados no meu post de 2013 e, na sequência da
investigação, há duas dezenas de cidadãos detidos, a maioria deles directamente
ligados à figura do presidente Guebuza, entre familiares e assessores pessoais.
APESAR disto, a PGR mantém o seu recurso contra a sentença que nos ilibou de
crimes contra a segurança do Estado e de abuso da liberdade de
informação.
Portanto,
estamos num imbróglio interessante. A PGR considerou, em 2013, que a
denúncia de crimes de lesa pátria, porque envolvendo a figura do PR, deveria
ser tratada como crime contra a segurança do Estado. Entretanto, a mesma PGR
está hoje a investigar parte dos crimes que na época denunciámos e já deteve
uma vintena de personalidades ligadas à figura do então PR. A sentença do
Tribunal, em 2015, ilibou-nos dos crimes e expandiu o sentido de liberdade de
expressão e o campo de crítica política. Posteriormente, o poder legislativo
legislou a restrição dessa crítica, contra o sentido lógico da história. A PGR
mantém o recurso contra a sentença que nos ilibou, significando que mantém a
sua acusação de termos praticado crimes contra a segurança do Estado por termos
denunciado, em 2013, um modo de governação que está hoje a ser investigado pela
própria PGR.
Em
conclusão, segundo esta lógica da PGR, a denúncia dos crimes que a PGR hoje
está a investigar é, segundo a PGR, uma ameaça à segurança do Estado. A PGR não
nega que os crimes denunciados sejam crimes, mas parece considerar o acto
cidadão da denúncia como um atentado ao poder, e um crime ainda maior que os
crimes denunciados.
Quer
dizer, o exercício da cidadania é crime.
Aliás,
outros exemplos confirmam esta conclusão. Vejamos dois. O Conselho
Constitucional decretou ilícitas e sem sentido jurídico as dívidas ilícitas,
resultando daí ser ilícito o Estado assumir responsabilidade sobre tais
dívidas. O governo não quis saber desta decisão e continua a tentar fazer com
que sejam os cidadãos a pagar essa dívida de sangue. A PGR está a investigar a
dívida e já deteve uma vintena de suspeitos de vários crimes associados a ela.
Entretanto, cidadãos que publicam declarações de repúdio a essa dívida e de
apoio à rejeição de ser o Estado a paga-la são perseguidos, reprimidos,
ostracizados. Então, qual é o crime, a dívida ilícita ou a denúncia da dívida
ilícita? Ambos. A denúncia da dívida ilícita é considerada crime contra a
segurança do Estado, enquanto ilicitamente defraudar o Estado num valor
equivalente a 15% do PIB é tratado como "corrupção". Portanto,
cidadania é crime.
Todos
conhecemos o contencioso sobre o recenseamento em Gaza: as estatísticas
oficiais indicam que os dados do recenseamento eleitoral em Gaza são
impossíveis. Há mais de 300 mil eleitores a mais registados, o que, no limite,
dará 9 deputados mais ao partido no poder nas próximas eleições. A lógica
aponta para a necessidade de uma auditoria ao recenseamento eleitoral nesta
província. O que foi feito? O INE foi humilhado publicamente pelo PR, o seu
presidente foi demitido, a auditoria foi rejeitada e o partido no poder começa
o processo eleitoral com 3,5% de votos em vantagem antes de alguém ter
votado.
Portanto,
cidadania, integridade e profissionalismo são crimes contra a segurança do
poder instituído.
Quando,
perante os órgãos judiciários, a denúncia do crime e a defesa do Estado são
criminalizados, então podemos concluir que o crime organizado está no poder.
A
história nos absolverá.
A
luta continua!
(Carlos Castel-Branco/economista)
0 comments:
Enviar um comentário