Há dois
anos, uma página do Facebook de "orgulho branco" – seja lá o que isso
for – ostenta um mapa-múndi com a percentagem de pessoas brancas em cada país
na linha do tempo. Nos comentários, os seguidores lamentam a "queda"
no percentual da população branca no mundo. "Portugal está até bem",
conforma-se um. "O número de brancos está diminuindo
Depois
da denúncia de um leitor, encontrei pelo menos cinco páginas do tipo na rede
social, que somam cerca 30 mil de seguidores. Escondidas sob a denominação do
orgulho – "branco", "eurodescendente" ou
"caucasiano" –, elas proliferam conteúdo supremacista, racista e
xenofóbico feito sob medida para ser tolerado pelo Facebook. Não divulgaremos
os nomes, os links das páginas e nem prints para evitar que o conteúdo se
espalhe ainda mais.
A
página mais antiga que encontrei existe desde 2013. Apesar de já ter tido
alguns posts removidos pelo Facebook, continua funcionando normalmente. O
objetivo dela é defender e exaltar a "raça branca", expondo o suposto
"racismo reverso" das outras raças e criticando a miscigenação.
Nas
páginas, posts relativizando a escravidão são comuns. Também proliferam
notícias sobre crimes cometidos somente por pessoas negras – não preciso nem
comentar o teor dos comentários que esses posts despertam. Fingindo que não são
brasileiros e, portanto, latinos, os criadores das páginas exaltam a Polônia de
hoje e os feitos da Alemanha do passado – onde provavelmente seriam vítimas da
supremacia xenofóbica que pregam – e as cidades de colonização europeia do sul
do país.
Nem
todos os brancos são motivo de orgulho: o presidente da França, Emmanuel
Macron, é muito criticado pela abertura que seu país dá para imigrantes não
brancos. A França tem a terceira maior população de refugiados da Europa, atrás
apenas da Turquia e da Alemanha, segundo um relatório publicado em junho pela
Agência da ONU para Refugiados.
Os posts
em geral são irônicos, sutis e evitam ataques diretos – uma maneira de seus
donos se protegerem de eventuais derrubadas do Facebook. É nos comentários que
a intolerância desenfreada acontece: chancelados pelos donos da página e por
outros comentaristas, os racistas ficam à vontade para publicar o que quiserem.
"Se esses imigrantes fossem pessoas boas o país deles seria um bom
país", diz um comentário, no ar há dois meses. "Escondo até carteira
e celular", diz outro, em uma foto com uma mulher negra segurando um
cartaz.
Em seus
padrões de comunidade, o Facebook define "discurso de ódio" como um
"ataque direto a pessoas" de acordo com sua raça, etnia,
nacionalidade, filiação religiosa, orientação sexual, casta, sexo, gênero,
identidade de gênero e doença ou deficiência grave. A empresa diz que discursos
degradantes (como comparar pessoas a vermes, excrementos ou criminosos) são
proibidos – mas, pelo jeito, comentários xenofóbicos não são encarados desse
jeito pela rede social.
Perguntei
ao Facebook por que essas páginas continuam no ar. Simples: a rede social não
acha que elas violaram seus termos de uso – ou que, pelo menos, não há
"evidência clara" de que essas páginas incitam o ódio.
"Removemos conteúdos quando temos evidências claras disso, bem como Perfis
ou Páginas que publiquem tais conteúdos repetidamente", defendeu-se a rede
social. "Vale ressaltar que, neste trabalho de revisão de conteúdo,
buscamos encontrar um equilíbrio entre manter as pessoas seguras e dar voz a
elas.” De fato, a questão é simples: para o Facebook, não há racismo em
comentários racistas.
Em
setembro de 2018, o Counter Extremism Project, projeto que monitora e propõe
políticas para combater o extremismo online, identificou 40 páginas de lojas
virtuais que vendiam roupas, músicas e acessórios com temática supremacista
branca. Todas foram denunciadas – mas o Facebook só derrubou cinco delas. As
que sobraram? Cresceram em audiência. "Claramente, o processo do Facebook
de revisar e remover esse conteúdo – que viola seus termos de uso – é
inadequado", avalia o projeto.
Em
março, a empresa anunciou mudanças na forma como lida com nacionalistas e
separatistas brancos. O anúncio foi feito 12 dias depois de um desses
supremacistas matar 50 pessoas em uma mesquita na Nova Zelândia, em um massacre
transmitido ao vivo pela rede social.
O
Facebook disse que já bania expressões racistas. A diferença era que, a partir
de então, o nacionalismo branco (que defende que brancos têm uma identidade que
está ameaçada) e o separatismo branco (que defende que brancos sejam apartados
das outras raças por conta de sua superioridade fantasiosa) passaram a ser
considerados violações. Antes, o Facebook considerava que manifestações
nacionalistas e separatistas eram legítimas. "Embora as pessoas ainda possam
demonstrar orgulho por sua herança étnica, não toleraremos enaltecimentos ou
apoio ao nacionalismo e separatismo branco", disse a rede social no
anúncio das mudanças.
As
páginas supremacistas já sabem que operam no limite da tolerância no Facebook.
Além das contas extras que mantêm caso as principais sejam derrubadas, elas
evocam, nas suas descrições, o artigo 5º, inciso quatro, da Constituição – o
que garante a liberdade de expressão. Na balança do Facebook, "dar
voz" a essas páginas tem sido mais importante do que proteger as vítimas –
por vezes fatais, como no caso da Nova Zelândia – desse discurso intolerante.
Não custa lembrar que a mesma Constituição, alguns artigos antes, assegura a
todas as pessoas a dignidade e repudia o racismo – mesmo que travestido de
"orgulho".
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