Hoje (24), na AR, o deputado da Renamo, António Muchanga,
voltou a “brilhar”. Mas ele só faz sua passeata acutilante porque a Frelimo se
demitiu de fiscalizar o Governo e se abalou do prato da balança dos contrapesos
necessários ao peso do executivo e do judiciário. No parlamento, a bancada da
Frelimo é uma nulidade circense. Um grupo actuando completamente desfasado das
aspirações da sociedade. O discurso do grupo parlamentar da Frelimo sobre as
“dívidas ocultas” não tem pensamento nem ideologia. É politiquice de mau gosto,
a táctica da avestruz, como mostrou o penoso discurso do deputado Francisco
Mucanheia. Tiros no pé que certamente sairão caros em ano eleitoral.
Mas o grupo parlamentar da Frelimo é apenas a imagem mais
penosa de um partido que deixou de discutir o país para se preocupar apenas com
a discussão de tachos entre pares e o comércio de influências entre suas
famílias mais notáveis em busca da impunidade e da protecção recíproca.
A presença de Beatriz Buchili hoje na AR era uma oportunidade
para a Frelimo mostrar que está disposta a sacudir a poeira de muitos anos
mergulhado na complacência com a corrupção e com um sector de justiça amorfo,
cujo estado é tão lastimável que nem os esforços mais recentes chegam para nos
atiçar a chama da esperança. A actual reação penal contra a roubalheira deve
ser aplaudida mas ela ainda não provou nada. Só com condenações transitadas em
julgado poderemos lograr cantar hossanas. Mas até aqui, nada feito!
Ao longo dos últimos anos a inércia foi tanta que, agora, com
este súbito despertar, há novos temores no firmamento: uma percepção de que
essa mesma inércia sedimentou e escondeu doses enormes de incompetência. E o
risco subsequente, cada vez mais perceptível, é o de termos hoje uma justiça
que se quer impor fazendo tábua rasa das liberdades e garantias constitucionais
dos cidadãos. Eis o risco, repito, o risco de anos sem fim de desinvestimento
num sector essencial para o nosso progresso colectivo – e esse desinvestimento
teve como objectivo último garantir a im(p)unidade das franjas de rapina da
Frelimo, mergulhadas numa cultura de tráfico de influências nos negócios do
Estado e repartição de comissões ilegais como modo de vida.
Nem o pesadelo das “dívidas ocultas” muda a política da
Frelimo. Seus deputados e militantes não percebem que já deviam ter abandonado
a cegueira política e barricarem-se em defesa da sociedade. E defender a
sociedade é tudo o que se pode fazer para granjear as simpatias dessa mesma
sociedade, que hoje, como trágica alternativa, se acoita no demagogo deputado
da Renamo, António Muchanga (que
recentemente perdeu as eleições municipais na Matola por um voto e remeteu-se a um silêncio estranho) para ser o
veículo derradeiro das suas demandas.
Ou seja, a sociedade decidiu canalizar para o deputado
Muchanga todas as suas mágoas; é ele quem as transporta na AR, tornando-se a
voz da transparência e da boa governação, ele que nem tem créditos firmados
nessas matérias; é apenas um vozeirão cacofónico que apela às massas. Tal como
Julius Malema na África do Sul, que vezes sem conta é usado por militantes do
ANC para criticar políticas do ANC, em Moçambique é Muchanga quem faz o
expediente de muitos militantes da Frelimo que não se reveem no registo insosso
da sua bancada no parlamento e na deriva do governo do dia.
Por outras palavras, boa parte das demandas que Muchanga faz
não são genuinamente do seu campo político. São as agendas do progresso, que a
Frelimo abandonou. No parlamento, Muchanga capturou partes relevantes do
discurso e da agenda que a Frelimo finge ter mas navega nos antípodas. E isto é
uma grande tragédia para um partido que continua alimentando a passeata
solitária do deputado.
Esta é a grande tristeza que vivemos hoje em Moçambique: a
Frelimo abandonou completamente o discurso crítico construtivo dando lugar ao
triunfo do populismo do bota-abaixo destrutivo encarnado pelo senhor Muchanga.
E, numa sociedade sem diversão, as picardias de Muchanga contra o novo-riquismo
torpe da Frelimo assente no roubo ao Estado fazem um número pleno. Todo mundo
exulta...e exalta! Nas redes sociais a farra é de arromba. A política, essa
passa ao lado. Ninguém está interessado em construir uma sociedade sã. É o
descalabro em que vivemos. Dum lado, a avestruz embrenhada em seu refúgio;
doutro um vozeirão destrutivo. E uma plateia aplaudindo! Comédia ou tragédia? (Carta)
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