Numa altura em que o Presidente da República, Filipe
Nyusi, regressa de em Washington
onde participou na cimeira bienal EUA-África, o líder da
Renamo, Afonso Dhlakama, voltou a acusar o Governo de lentidão nas negociações
de paz e de resistência no abandono do cerco à serra da Gorongosa e alertou aos
“camaradas” para um tratamento sério do assunto, para a mudança da imagem de
Moçambique, garantido que não vai recuar enquanto não democratizar Moçambique e
que um acordo será alcançado ainda este ano. No dia em que o Presidente Nyusi
se reuniu com o secretário do Estado norte-americano, Rex Tillerson, o
líder do maior partido da oposição reconheceu o mal-estar dos moçambicanos
causado pela demora nas negociações de paz, afiançando que está a usar golpes de
mestria para o alcance de um acordo, face às experiências amargas do passado, e
assegurou que não vai “acobardar e decepcionar” na luta pela democracia.
Após considerar lentas as negociações, abordou o
Presidente da República Filipe Nyusi? E
como está a andar oprocesso agora?
Até agora não há nenhuma mudança. Tudo é lento, mas a
promessa é que talvez já na próximan semana as coisas possam avançar já um
pouco com pressa, quer na descentralização, assim como nos assuntos militares.
Mesmo o assunto da retirada aqui no cerco da Gorongosa. É claro que ainda não
esgotamos o prazo, que foi marcado, até finais do primeiro semestre, isto é,
até dia 30 deste mês de Junho, todas as posições militares das forças governamentais
teriam de sair da serra da Gorongosa. Mas podemos dizer que há um atraso,
porque este assunto foi tratado em Abril, e a retirada começaria a partir da
primeira semana de Maio e até aqui ninguém saiu. Os que tentaram sair, umas
três posições, de Mapanga-panga, de Siua, assim como uma posição chamada
Mazembe, não se retiraram para Mapundo ou onde haviam saído, retiraram-se aí, para
mostrar que saíram, mas estão a uns 5 ou 10 quilómetros, na mesma área. O prazo
combinado, de 30 de Junho, ainda não chegou. Posso crer e acreditar que, se
calhar, até o dia 30 todos sairão mesmo, mas há morosidade.
A não retirada dos militares poderia se traduzir numa
desobediência ao comando do PR Nyusi?
É difícil eu responder com precisão ou taxativamente, mas
eu sou um general. Sou político, líder e general. Dirigi a luta desde 1977 até
hoje. Desde os 23 anos a crescer nesta revolução, sei o que é um militar
desobedecer ordens. Não é possível alguém das forças armadas, governamentais,
rejeitar ordens do Comandante-em-chefe, constitucionalmente, que é (Filipe)
Nyusi. Portanto, ele sabe das demoras, ele sabe das lacunas, da falta de
coordenação entre ministérios, porque isto é um componente misturado, temos
forças da FIR, da Intervenção Rápida, que pertencem ao Ministério do Interior,
usando o fardamento das “fademos”, e temos mesmo as “fademos” que pertencem ao
Ministério da Defesa, e depois é uma confusão, não há coordenação entre
ministérios, e ele (Filipe Nyusi) é novo no poder. ( Joaquim) Chissano e
(Armando) Guebuza foram presidentes, não é fácil, mas eu não quero achar que ele
esteja isento, que haja indisciplina, ele tem conhecimento, a isto chamaríamos
de uma desorganização organizada. Mas acabarão por se retirar, porque não foi
uma conversa particular entre Dhlakama e Nyusi, em que as pessoas poderiam condenar-me,
dizendo que Dhlakama é que disse, não, ele, o próprio Presidente da República, na
presença do grupo de contacto, disse que se estavam a retirar, portanto, se não
se cumprir, quem fica manchado? E toda a gente fica a acreditar que aquilo que
ele está a tratar com Dhlakama não será implementado, será igual àquilo que eu
fiz com Chissano e Guebuza, ele é que ficará a dever ao público. Mas quero
ainda acreditar que se vão retirar porque o prazo combinado ainda não terminou.
Ocorreram incidentes desde a declaração da trégua
indeterminada?
Bom, não de disparos. Posso dizer que é um grande
sucesso, isso eu posso falar com todo o orgulho, porque quando dei a trégua sem
prazo, era de facto suicídio, sem controlo, sem monitoria, num país tão grande,
com todas as províncias com as forças armadas do Governo e da Renamo. Não tem
havido incidentes de disparos uns contra outros, mas há um problema da
indisciplina porparte das “fademos”. Usam e violam a trégua, usam fardamentos, levam
armas, vão às barracas, isto é, nos mercados informais, bebem fardados, mas os
militares não podem beber fardados, pedem dinheiro e, às vezes, arrancam bens. Isto
tem acontecido, na Zambézia, sobretudo, em Manica. Em Tete houve um bocadinho de
violação, e os polícias a dizerem que os da Renamo não podem içar bandeiras, sobretudo,
naquelas bandas de Tsangano. Mas os deputados da Renamo têm estado a falar com
o próprio comandante provincial e são essas coisinhas que acontecem, porque
também porque, para quem conhece o exército da Frelimo, são indisciplinados.
Não sei se é problema de formação, por causa da ética profissional, nunca foram
militares assim e obedecer o regulamento militar.
Há um crescente mal-estar de que o líder da Renamo estaria
a ser enganado pelo PR Nyusi e a Frelimo, porque não estão a acontecer as
principais coisas que deviam acontecer. Que leitura faz deste mal-estar?
Há sim, há reclamações! Até porque essas coisas, esses
comentários começaram quando dei entrevistas a jornais e falei numa das
teleconferências, dizendo que as coisas estavam a andar lentamente e, de facto,
as pessoas começaram a comentar. Eu ainda não posso dizer que o Presidente
Nyusi me tenha enganado, porque sempre é um processo, eu reconheço que é um processo.
Não comecei a dialogar com o Nyusi, já trabalhei com o ex-Presidente Joaquim
Chissano, assinei um acordo com ele, as coisas não foram cumpridas, já
trabalhei também com o ex-Presidente, Armando Guebuza, assinei aquele acordo de
5 de Setembro de 2014, o acordo de cessação das hostilidades militares, também
não foi implementado e, por isso, esse é o terceiro líder da Frelimo, pode ser a
cultura dos dirigentes da Frelimo. Mas agora quero acreditar que a situação
pode ser outra, porque há muita vigilância, mesmo ao nível de análise, dos
quadros moçambicanos, não digo quadros da Renamo ou da Frelimo, quadros, técnicos,
jornalistas. Estamos a exigir a descentralização e enquadramento dos comandos
da Renamo no exército, como forma de despartidarizar
o exército. Não são coisas do outro mundo, são coisas visíveis. A paz, o desenvolvimento,
a descentralização, aproximar o poder às populações, é um assunto que interessa
a todos. Europeus, americanos já estão a pressionar para que haja um
entendimento entre o Governo e a oposição, e a oposição referida é a Renamo,
acredito que as coisas vão andar.
Duas coisas estão na mesa, a descentralização e a
desmilitarização. Qual das duas seria prioritária para a Renamo? As duas coisas. As duas coisas são prioritárias e são
diferentes em especialização. É claro que podemos dar a descentralização
como prioritária, porque tem de ser aprovada na Assembleia da República,
enquanto que questões militares têm a ver com a implementação daquilo que devia
ter sido feito no passado, é um assunto pendente. Agora, em termos de correr
atrás dos prazos, prioritária é a descentralização, porque é preciso que, até
finais deste ano, o processo entre na Assembleia da República, seja discutido e
aprovado, ainda dentro deste ano ou finais deste ano, para permitir que o
Presidente da República, constitucionalmente, anuncie a data das eleições gerais
de 2019, com 18 meses de antecedência, e 18 meses antes das eleições de 2019
vai calhar nos meados de Abril do próximo ano. Por isso é bom que o tratamento
do assunto da descentralização seja finalizado ainda antes do fim deste ano. É
esta prioridade que podemos dar, mas em termos de peso e de importância, também
é muito importante que o assunto de enquadramento dos comandos da Renamo, ao
nível da chefia nas “fademos”, seja tratado com muita seriedade, que seja
terminado este ano, como forma de garantir que, doravante, teremos as forças
armadas apartidárias, técnico-profissionais e não como instrumentos de opressão
do partido Frelimo, como agora está a acontecer.
Face a este cenário todo, ainda se pode pensar numa paz
num curto prazo?
Sim. Sim senhor, porque eu estou a ver as coisas, embora
continue aqui nas matas da Gorongosa, vejo
a compreensão e o crescimento dos moçambicanos,
sobretudo, na camada intelectual. Os jovens já conseguem se expressar, já
querem um verdadeiro desenvolvimento, já querem andar à vontade sem guerras,
condenam os esquadrões da morte e sequestros, já são pessoas que estão a
crescer, o que não acontecia há 10 anos. As pessoas ficavam assim escondidas,
agora, abertamente, há pressão sobre a Renamo, há pressão sobre o Governo,
sobretudo, o Governo, porque as pessoas sabem que o Governo é que provoca, é
que ataca a Renamo. A Renamo está apenas a autodefender-se para não ser
liquidada. Voltando à sua pergunta se podemos alcançar um acordo a curto prazo,
sim senhor, porque há interesse, mesmo do povo moçambicano, de andar
tranquilamente, sem disparos e sem nada, produzirem bem, para que haja o
desenvolvimento económico, também há pressão
internacional. Geograficamente, Moçambique é um ponto estratégico através dos
seus corredores, mesmo a África do Sul que é um país muito rico, muitas das suas
exportações passam via porto de Maputo, Suazilândia, Malawi, Zimbabwe, Zâmbia,
dependem dos portos da Beira e Nacala-porto, esses interesses económicos, nestes
países vizinhos, não são só as empresas dos zimbabweanos, de zambianos e de
malawinos, até empresas europeias estão nestes países vizinhos, e querem que as
suas mercadorias passem tranquilamente pelos corredores de Moçambique. E nisto
tudo, há pressão para que, de facto, as partes, quer a Renamo, quer a Frelimo,
saibam que Moçambique pode recuperar a sua imagem, política, governação, justiça,
desenvolvimento económico e paz efectiva. Se levarmos as coisas seriamente, eu
não sou pessimista, estou a acreditar embora com experiência amarga do passado
com Chissano e com Guebuza, vamos experimentar esse Nyusi para ver como as
coisas vão, eu quero acreditar. Quero garantir ao povo de Moçambique uma
mensagem da paz. Nós queremos uma paz efectiva, a paz verdadeira e não a paz do
calar das armas, como essa da trégua sem prazo, mas a paz verdadeira que irá atingir
os corações, sobretudo, dos jovens, olhando o futuro com desenvolvimento, o futuro
com boa governação, constituições democráticas a funcionarem a favor das
populações de Moçambique, e ver de facto o desenvolvimento equilibrado, para
melhorar a vida das famílias. Veja que o salário dos funcionários públicos
desvalorizou 50 por cento, com a inflação, as famílias que faziam estudar os
seus filhos nas escolas privadas, estão a trocar porque já não aguentam pagar
as propinas, e nesta situação em Moçambique, tudo está parado.
Toda a produção
nacional vai para acomodar o partido Frelimo, através da corrupção, das dívidas
absurdas, e tudo isto pode ser resolvido não com bazucas, não com helicópteros,
nem com canhão, por via do diálogo, com a alternância governativa em
Moçambique. Eu não estou emocionado, já sou uma pessoa com mais de 60, e
comecei a lutar pela democracia aos 23 anos, já passei por fases difíceis, de
escapar à morte e tudo, porém, nunca recuei
porque no dia em que recuar serei cobarde, depois de ter dado a esperança aos
moçambicanos sem temer a morte. É para tranquilizar os moçambicanos de que
teremos os melhores dias, teremos um estado de direito, teremos a economia
equilibrada, o desenvolvimento. Temos mar, temos boas terras para agricultura, ouro
carvão, essas coisas minerais, tudo, e mesmo o turismo, por isso não é um país
pobre, se Moçambique é pobre, foi empobrecido por causa das políticas
sectoriais do governo da Frelimo. Quero acreditar que, nos próximos anos,
teremos um estado de direito, e até europeus virão pedir empréstimos ao governo
moçambicano, com os empresários ricos em Moçambique. Tenho esta perspectiva, a
minha mensagem é que o povo não esteja decepcionado, sem esperança, estamos a
trabalhar para o povo.
A Frelimo tem lhe acusado de falta cultura democrática,
pela sempre recusa dos resultados eleitorais, mesmo chanceladas por observadores internacionais. Desta vez,
após estas negociações, vai aceitar os resultados?
Bom, isto toda a gente sabe, nunca tivemos eleições
democráticas neste país. É o mesmo que acontece
em Angola, ou aqui no país vizinho, no Zimbabwe, e nos
outros países africanos, posso lhe dizer, com toda a clareza, que nunca tivemos
eleições livres e transparentes. Desde que iniciamos com as eleições em 1994, a
Frelimo nunca ganhou, nem Chissano, nem Guebuza, nem ele Nyusi, isto não é dito
por mim como Dhlakama, porque não sou o dono do país, eu sou um dos líderes
políticos, é dito pelo povo moçambicano. Os próprios interessados em ver
dirigentes democraticamente eleitos nunca tiveram dirigentes eleitos democraticamente.
Falta da democracia por parte da Frelimo. Isto revela-se com as próprias
instituições. Veja como é possível que o Conselho Constitucional, num processo
cheio de fraude, que nem uma criança de três anos vê que é fraude, por uma
questão partidária, porque tudo é Frelimo, Comité Central, valida as eleições.
Nyusi diz aquilo que também o Guebuza disse, e aquilo que o Chissano sempre
disse, os três nunca ganharam as eleições, o que nós pretendemos agora é que
haja Moçambique, e Moçambique tem de mudar, não podemos continuar
a chamar “sua excelência”, pessoas que perdem, mas usam a força, militares, polícias,
subornos. A luta que a Renamo iniciou em 1977, pela democracia multipartidária,
até hoje o povo está a exigir. Agora, quando me pergunta o que vai acontecer,
nas eleições autárquicas, e nas eleições presidenciais de 2019, não sei, mas
como líder político, não posso ficar com as mãos cruzadas, porque a Frelimo rouba
votos e tudo, é o problema africano, não é só Moçambique, muitos países
africanos não sabem o que é cultura democrática, acham que ser chamado
presidente a roubar voto é assim. África não pode continuar nas mãos de
ditadores. Ninguém reconheu as eleições, em termos éticos, em Moçambique. Os
europeus, os americanos, como os outros, não têm culpa. O que interessa aos
estrangeiros é um terreno livre, desde que consigam as concessões, tudo fazer e
tirar os lucros, não estão preocupados com ditadores africanos. Se de facto
houvesse em Moçambique uma norma própria, segundo a qual aquele que rouba voto não
pode governar, Chissano não teria governado dois mandatos, Guebuza não teria
governado doismandatos, nem este Filipe teria, porque ninguém ganha as
eleições. Mas como a comunidade internacional não está interessada em olhar para
o sofrimento dos africanos, há interesses económicos, eu sei muito bem, cada
país quer priorizar o desenvolvimento de cada país, pronto. Agora cabe a
Dhlakama, com os moçambicanos, lutar pela paz e democracia, para fazermos com
que as eleições, as próximas eleições, tragam alternância governativa, constituições
fortes, a trabalhar a favor das populações, não aquilo que está a acontecer em
Moçambique, em que os tribunais e outros sectores é tudo Frelimo, algo tem que
mudar no país.
O PR Filipe Nyusi encontrou-se quarta-feira, 14, com o
secretário de Estado norte-americano, RexTillerson. Isto se enquadra também no processo das
negociações de paz?
Eu acho que a visita dele e o encontro pode ser para
tratar de outros assuntos, de interesse também do país, que não posso
especificar, mas eu conheço a situação. É que os americanos sempre disseram que,
havendo boa vontade das partes, Governo e a Renamo, de demonstrar o fim do
conflito militar e criar condições para a paz efectiva, estariam disponíveis para
ajudar o processo, e isto o embaixador americano tem afirmado. É por isso, para
o seu conhecimento, que os americanos no grupo de contacto, que tem como
responsabilidade observar o processo, puxam para os dois lados, e América está
no segundo lugar como adjunto, e a Suécia está com a presidência do grupo de
contacto, e estão também os europeus, neste âmbito. Portanto, ele como
Presidente da República a visitar os Estados Unidos, é possível também que se
encontre com chefes importantes e falar da paz e se calhar falar também dos interesses
económicos. Sabe que os americanos consideram Moçambique. Há a questão de
petróleo e gás de Palma, na bacia do Rovuma, e estão também interessados, mas
que eles querem garantias por parte de Moçambique, que haja coisas sérias. Que o
Governo acorde com a oposição, Renamo, para que de facto haja condições para eles
iniciarem com as actividades ou exploração, dos combustíveis em Rovuma e, por
isso, acho que pode haver duas coisas ao mesmo tempo, relações diplomáticas
entre Estados Unidos e Moçambique e os interesses económicos.
Já que tocou no gás do Rovuma, gostou de saber que a Eni
vai começar a explorar o gás? Eu ouvi na semana passada coisas que ainda não tem,
digamos, muita confirmação, porque não são só americanos que exigem condições da paz, e muitas outras
empresas estrangeiras, não só que estãoligadas à questão de gás, mesmo para agricultura, para
construção, todos pensam que a condição chave de incentivar os nacionais e estrangeiros a investirem
com tranquilidade é o fim do conflito, um acordo que ponha fim ao conflito político-militar. (SAVANA)
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