Numa
radiográfica sobre a actualidade económica do País, o académico João Mosca analisa os indicadores económicos que apontam para uma ligeira recuperação.
Nos
últimos três meses, os indicadores económicos aparentam estarem a
voltar à normalidade... com isso é possível ter um olhar optimista sobre a
economia do país a curto ou médio prazo?
Pode
haver alguns indicadores que possam estar em recuperacao, mas com muita pequena
recuperacao. A taxa de cambio e que se destaca nesta recuperacao, mas devemos ter
cuidado e perguntar se isso e resultado de uma accao do governo ou se e
resultado de um contexto internacional. Nao podemos dizer que a economia esta
em recuperação quando e resultado de todos aqueles fenomenos pontuais, embora
sejam importantes. Agora o fim definitivo do conflito armado, pode trazer
alguns benefícios ja que as pessoas e as mercadorias comecam a circular e os
transportes ficam mais baratos. As mercadorias fluem nas provincias com muita
rapidez e as pessoas tambem. Isso cria um clima positivo. Fala-se que a
inflacao vai diminuir, e possivel sim devido a taxa de cambio, uma vez que a
nossa economia funciona muito na base de produtos importados. Entao, se a taxa
de cambio reduz, automaticamente o preco interno pode reduzir tambem. Mas temos
que ver o efeito disso nas pessoas. No ano passado, chegou a 40 por cento nos
bens alimentares e neste ano as organizacoes financeiras falam de previsao de
15 por cento, mas o certo e que o salario vai subir de 5 a 7 por cento, entao,
significa que o aumento de custo de vida e muito mais alto do que o aumento do
rendimento das pessoas. Significa que as dificuldades de sobrevivencia vao
aumentar ainda mais. Nao so pelas diferencas de inflacao com os salarios como
tambem, pelas diferencas entre as formas de rendimento que as pessoas tem. Se a
inflacao sobe mais do que o rendimento das pessoas, ou via pequenos negocios,
ou salarios, automaticamente, o custo de vida vai aumentar, o sacrificio vai
aumentar e a populacao vai sofrer mais. Isso e a realidade.
Mas
estes pequenos sinais não são suficientes para atrair grandes investimentos
externos? O investimento nao esta em recuperacao. A taxa de
juro continua alta e o ambiente de negocios continua sendo negativo,
portanto, nao existe, por enquanto, condicoes para que no mercado exista
uma recuperação de investimentos. Se nao há recuperacao de investimento,
não se pode prever que a medio prazo exista a recuperacao da posição
real da economia. Por outro lado, vimos que as três empresas continuam a nao
pagar a sua divida externa. Continuarao a nao pagar porque nao tem recursos
para isso. Portanto, isso e um sinal muito mau que se transmite internacionalmente e
estimula o investimento externo e agrava ainda mais a posicao de Mocambique nas
agencias de rating. Com esses aspectos posso concordar que alguns elementos
estao a melhorar, mas no essencial a economia real este ano nao vai recuperar,
vai piorar. Naturalmente, que o Banco de Mocambique (BM) e o Fundo Monetario Internacional
(FMI) tem interesses em fazer discursos que poe espectativas mas os
empresarios, investidores e academicos sabem que esse discurso optimista nao e
completamente verdadeiro. Se falarmos do gas e um caso particular. Nao podemos
afirmar que a economia esta a recuperar atraves
do gas e nem de carvao porque e uma coisa pontual. Pontual porque eimportante
mas nao se reflecte ao nivel da economia nacional de uma forma global, mas
reflete-se de uma forma parcial. Pode haver mais receitas de divisas, os
transportes ferroviários e portos podem aumentar as suas actividades, mas sao
sectores que nao abrangem a grande maioria da populacao. Se nao haver
calamidades naturais e guerras a producao agrícola tambem pode melhorar e as condições
de trabalho no campo tambem podem melhorar, estes são aspec tos
positivos.
Sao esses elementos que fazem o Governo, o BM e outros sectores dizer que ha
espectativas futuras, mas e preciso que haja outros aspectos e a populacao nao
sente isso.
E o
pior já passou?
O
pior esta a passar. Estamos dentro do processo de melhorar porque pode haver,
sim, melhorias. No meio rural se houver condições climaticas, sem calamidades e
se a paz estiver (que e o que esperamos) e possivel que as condicoes melhorem. Mas
nao ao ponto de sair para uma situacao boa, voltamos a situacao critica porque
a pobreza, desigualdades sociais e subnutrição resistem.
Até
dois anos atrás, conhecíamos um crescimento económico bastante invejável em
termos de números (que chegava aos 7 porcento), mas estes númerosnão se
refletiam na qualidade de vida da população... Porquê essa divergência?
Nas
cidades, esse crescimento se refletiu de forma positiva, porque as pessoas
tiveram um maior rendimento. O Metical estava baixo e facilitava as importacoes
e isso melhorou o nivel de vida na cidade. O nivel de pobreza nas cidades e inferior
ao nivel de pobreza que existe no meio rural. Nas cidades a pobreza continua
mas melhorou alguma coisa e a situacao piorou a partir dos meados do ano 2016. E
verdade que grande parte desse crescimento economico beneficiou apenas um grupo
reduzido, dai que existem as desigualdades de rendimento. E isso significa que
a riqueza esta cada vez mais concentrada em grupos sociais mais reduzidos, mas grande
parte desse Produto Interno Bruto (PIB) e de producao de bens e servicos, e nao
no mercado interno, sao recursos naturais, sao produtos agricolas que
contribuiram fortemente no aumento do PIB e alguns servicos financeiros
privados. E verdade que tem outras actividades internas que cresceram como o caso
dos transportes privados e comunicacoes. Mas no essencial o PIB nao se
reflectiu no mercado interno, grande parte foram produtos de exportacao.
Neste
aparente equilíbrio, o acesso aos serviços básicos; energia, água, luz, saúde e
pão tendem a se tornar escassos e quem
encontra reclama qualidade desses serviços. Qual é a explicação?
Nao
e novidade nenhuma que os servicos do Estado nao tem melhorado. Os servicos do
Estado prestados ao cidadao, principalmente saude e educacao, aumentaram mas a
qualidade e a capacidade de resposta nao aumentou tanto quanto a procura desses
servicos. Sabemos dos problemas que existem nos hospitais. Ha falta de
comprimidos e outros materiais essenciais, se junta a demora no atendimento,
isto preocupa as pessoas porque afecta directamente a vida delas. Na educacao,
o numero de escolas nos ultimos 20/15 anos aumentou muito, mas a qualidade nao
foi correspondida. E verdade que ha tambem surgimento de muitas escolas e
clinicas privadas, mas quem vai para estas escolas sao pessoas que tem
rendimento solido. E o Estado nao esta a conseguir competir com o sector privado
em termos de qualidade de prestacao de servicos.
Quais
são as consequências disso?
Tem
consequencias porque o Estado acaba tendo uma relacao má com o cidadao, porque
nao consegue oferecer esses servicos nem em quantidade e nem em qualidade. E portanto
reduz a credibilidade e a legitimidade do proprio Estado.
O
que temos visto é que de facto as pessoas não estão satisfeitas, mas não
encontram ou não recorrem aos fóruns próprios para pressionar o
Governo a tomar medidas que lhes identificam...
Forum?
Porque e que os enfermeiros nao se manifestam? Nao fazem reunião com o
ministerio? Os médicos fizeram greve ha tres anos o que lhes aconteceu? Outros
foram despedidos, outros foram mandados para as provincias, outros para
reformas, os estudantes foram chumbados e as pessoas quando poderiam reclamar mais
ainda calaram.
Os sindicatos
estao absorvidos pelo poder, estao capturados e a sociedade civil precisa criar
alternativas e ter a capacidade e o direito de reivindicar aquilo que pensa ter
direito. Naturalmente que tudo isso deve ser feito dentro do quadro da lei. Não
estou aqui a propor assaltos ou lojas queimadas. Estou a falar de greves, manifestacoes, encontros de plataforma de
dialogos com instituições publicas e privadas competentes para em conjunto
melhorar os problemas e haver entendimento para as pessoas saberem o que de facto
esta passar. E não se responder esse tipo de preocupacoes com autoritarismo
como acontece em muitas ocasioes.
Já
agora, quais devem ser as medidas prioritárias?
O
Governo precisa gastar menos, deve dizer a verdade ao cidadao, deve ser menos
autoritario e mais democrata e encontrar plataformas de dialogo com a
sociedade, deve ratificar muitos aspectos da economia como reformar
profundamente as empresas publicas,nao o que estao a fazer. As empresas
publicas estao totalmente falidas e prestam péssimos servicos ao cidadao. O
ambiente de negocios deve melhorar para que os empresarios possam investir de forma
mais livre e sem pressao e politizacao dos seus negocios. O Governo deve
diferenciar as politicas dos negocios e nao sempre os politicos estarem
permanentemente metidos em negocios e obter rendas sem qualquer contribuicao. O
Estado deve dar prioridade a agricultura o que nao tem feito e muito mais
outras coisas. Mas, agora precisamos saber se o Governo tem capacidade
para fazer isso, mas o que vimos e que nao tem. Porque esta metido em negocios,
esta metido em interesses. O próprio Estado esta infiltrado de pessoas completamente
corrompidas, então vamos mudar o que? A unica coisa possivel e mudar o sistema
politico, mudar o regime. Quando falo de mudar o regime nao estou a falar de
mudar o partido, nada disso. Em Mocambique ja houve mudanca de regime após independencia,
havia um regime com tendencias socialistas, passaram para economia do mercado e
era o mesmo partido. Quando falo de mudancas do regime e a mudança de sistema
politico, economico e independentemente de quem são os partidos. Este sistema
politico nao funciona, esta podre, tem que ser profundamente alterado. Nao
estou a falar de partidos politicos. Estou a falar do regime e governacao. O
regime economico nao serve. Tudo esta metido em negociatas, em lobismo, em
corrupcao. O sistema do poder esta capturado por esse tipo de pessoas, nao e
possivel, e preciso mudar o regime.
A corrupção
configura-se, no caso de Moçambique, como o principal impedimento para atração
de investimentos e expansão de negócios. É um problema ético ou é reflexo da
ineficácia do sector judicial?
E tudo.
E uma questao das pessoas quererem obter rendimento sem trabalharem, sem
produzir, sem ter capacidade e espirito empresarial. Sem espirito capitalista,
mas de obtenção de renda. E a vinda de empresários estrangeiros que tambem
corrompe internamente. Um sector judiciário totalmente capturado pelo poder politico.
E uma policia que nao actua e quando actua e quando prende ladroes de galinhas.
E o Gabinete Central de Combate a Corrupcao (GCCC) que nao faz nada e nem tem recursos
para isso. E uma policia de investigacao criminal que nao tem eficiencia e com “N”
casos nao esclarecidos. Quando falo de mudança de regime e acabar com isto
tudo. Mas nao e possivel mudar isso com as pessoas que la estao.
Se
formos a refletir sobre a corrupção, veremos que prevalece a cultura de
impunidade... Tem a ver com os meios?
Nao
funciona porque nao pode ir atacar e nem pode ir averiguar e por na barra do
tribunal os políticos que dominam o sector judicial e que foram nomeados por
sistema politico e que se calhar também estao metidos em negocios. Entao vais
julgar o que? Tem exemplo que voce pune mas a mesma pessoa e reconduzida para o
mesmo sitio como assessor. O que voce concluiu com isso? Se ha pessoas de alto escalão
e que sao excluidos dos seus cargos mas continuam a receber salarios.
O
julgamento do ex-ministro não nos remete a nenhuma reflexão positiva sobre o
funcionalmente do sector judicial?
Tudo
remete a reflexao. Desde o que disse o Governador do Banco, o que Vaquina disse
sobre a compra de votos, as eleicoes da CTA, as dividas ocultas. Voce quanto
mais ignorante melhor e. O nosso sistema político nao esta para pessoas serias,
quem e serio, competente, etico e que não se mete em negocios, nao tem
cabimento no sistema politico actual. Entao, e preciso mudar o regime. Nao sei
se e dentro ou nao da Frelimo. Ou deve ser uma reformulação interna da Frelimo,
porque também tem gente muito seria, tem gente competente, tem pessoas eticas e
onde estao? Nao estao hoje no poder, estao marginalizadas desde o tempo de
Guebuza, porque não prestavam para eles.
(N. Mucandze)
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