Um pouco por todo o país, os serviços de Registo Civil
tem estado a registar um movimento desusado de cidadãos que solicitam a mudança
de nome. Uns porque acham que a sua vida anda às avessas devido ao nome que
receberam e que dá azar. Outros porque descobriram que o nome é feminino,
enquanto são rapazes. E ainda há quem faz a troca porque o seu nome, numa outra
língua, é um autêntico palavrão.Só na cidade de Maputo, na Primeira
Conservatória de Registos e Notariado correram 38 requerimentos para a troca de
nomes, sem contar com magotes de outros processos de pedido de mudança de
grafia, porque o nome está mal escrito, a data de nascimento está errada e os
nomes dos pais, não tem nada a ver.Observa-se igualmente que muitos pais
residentes nas zonas urbanas escusam-se de atribuir aos filhos nomes como João,
Filipe, Felisberto, Jorge, José ou Mário, bem como nomes femininos como Luísa,
Maria, Ana, Paula, Francisca, e por aí em diante. Agora sobram Agnes, Milson,
Sholtz, John, Duke, Sunilton, Colin, entre outros do género.Enquanto
produzíamos a presente Reportagem, apurámos que uma família submeteu um pedido
de rectificação de grafia do nome que tinha atribuído ao filho, porque
descobriu que Nicole não é nome masculino, mas, sim, feminino. O rapaz tinha
beneficiado de alguma zombaria na escola.Dados em nosso poder indicam que os
pedidos para a troca de nome não são um fenómeno isolado da Primeira
Conservatória da cidade de Maputo. “Há muitos em curso um pouco por todo o
país”, indica fonte ligada ao Ministério da Justiça, Assuntos Constitucionais e
Religiosos. Os factos remontam ao momento em que os pais se veem confrontados
com a necessidade de dar um nome a um filho já nascido ou a caminho. Por vezes
o evento é pacífico. A família, sem fazer grande esforço, oferece um nome
tranquilo e o beneficiário cresce numa boa, sem fazer nenhuma objecção à designação
que lhe foi oferecida. Porém, casos há, e aos milhares, em que o nome vira
pesadelo para o dono e, o único remédio é trocá-lo mesmo. Por exemplo, Tristeza
e Miséria parecem nomes corriqueiros, mas muitas mulheres começam a rejeitá-los
porque não lhes trazem nenhuma felicidade. Ao contrário de Alegria, Esperança,
Felizarda e Felicidade.Aliás, parte das beneficiárias destes nomes, quando se
encontram perante o infortúnios da vida, de tipo falta de namorado, emprego,
dinheiro e filhos, vão à busca de respostas em igrejas evangélicas ou no
submundo dos curandeiros que, entre outros, questionam “como queres ser feliz e
sortuda com um nome que remete à desgraça”. Para o caso de crianças, o confronto
com o nome começa a ser difícil no contacto com colegas de escola, pois, é
frequente ser vítima de zombaria no seio escolar a ponto do menor desistir por
causa do nome que não ajuda. Exemplo, Mainato Manteiga, Alfinete Canivete,
Sabonete Candeeiro Fogo, entre outros, são nomes susceptíveis de escárnio de
“baliza aberta”. Na pesquisa que desencadeamos, constatamos que alguns pais
optam por oferecer nomes difíceis simplesmente porque pretendem vincar um
determinado episódio, por vezes negativo, que terão enfrentado durante a
gestação ou no namoro.A título de exemplo, Esperança Nhangumbe, conservadora e
directora da Primeira Conservatória da cidade de Maputo, revela que já recebeu
uma mãe solteira que pretendia registar a sua filha, já crescidinha, com o nome
de “Malvinda”, só porque a gravidez não tinha sido boa. Daquelas que fazem a
gestante fazer pensar seriamente em desistir da caminhada.Entretanto, e como
era de esperar, os conservadores rejeitaram com um sonoro “não”, uma vez que o
nome era pejorativo. “Aliás, a própria criança pediu para ser tratada por
Dércia alegando que era vítima de chacota na escola”. Dados em nosso poder indicam que, nos últimos
tempos, progenitores mais jovens atribuem nomes aparentemente modernos aos
filhos e, poucos meses ou anos depois, descobrem que cometeram o erro de dar um
nome que numa outra língua é literalmente um palavrão.Há também situações em
que pais oferecem aos filhos um nome feito de iniciais de ambos. Pai e mãe. O
resultado é um composto bizarro que se torna difícil de pronunciar até para os
próprios progenitores. Para não mencionar os avós. Fala-se de um casal que
levava o nome de Ivan e Sofia. Deram ao filho o nome de Soivan, que lembra a
marca de um tractor.Outros dificultam ainda mais a vida da criança e dos avós e
primos ao rebuscarem o nome de Patrick Cluvert, antigo jogador de futebol
holandês. Os avôs da criança mordem a língua para chamar o neto e acabam
apelidando-o de Papaíto. Assim fica mais fácil. Papaíto. Na senda de oferecer
nomes de fora aos filhos, os serviços de Registo Civil da capital do país já se
depararam com situações fora do comum de um casal que decidiu atribuir ao filho
o sugestivo nome de Heineken. Assim mesmo. Heineken. Segundo o pai do petiz, a
ideia era homenagear o holandês que inventou a cerveja e não a bebida.Na mesma
senda, aqueles serviços receberam uma família que tinha o plano de dar ao seu
recém-nascido o nome completo de Nelson Mandela. Algo como Nelson Rolilhalha
Mandela. Os funcionários daqueles serviços voltaram a torcer o nariz. Depois de
ouvirem Heineken, este segundo caso foi para cair de costas.
DE VOLTA ÀS RAÍZES
O facto de Moçambique ter estado sob dominação colonial
portuguesa em parte contribuiu para o desaparecimento dos nomes indígenas,
sobretudo na província da Zambézia, onde muitos adultos ainda se apresentam com
nomes de tipo Garfo Tigela, Penteado Azul, João Sabonete, Lurdes Vai Embora,
Maria Faz Bem, Tudo Mal Feito, entre outros.Nos tempos que lá vão, quem
quisesse ser um cidadão com mínimos direitos, de tipo assimilado, era
condicionado a deixar seus hábitos e costumes e, automaticamente, assimilar a
identidade e cultura portuguesas, muitas vezes porque os colonos desprezavam
tudo o que era nosso.Pode se dizer que este acto era compulsivo, pois quem
fosse registar o seu filho nunca lhe era permitido dar nome africano, de tipo
Camizinga, Potesse, Bissopo, Nhantsave, kharige, entre outros. No lugar destes,
muitos cidadãos acabaram recebendo nomes e apelidos como Alves, Pereira,
Araújo, Teixeira, Costa, Silveira, Silva e mais.Com o acesso à informação, que hoje
caracteriza a sociedade, muitos procuram resgatar a identidade perdida. Por
conta disso, está a registar-se uma tendência de se rejeitar nomes de origem
portuguesa e até se buscam os verdadeiros apelidos. Os Costas, Alves e Pereiras
procuram ser Cossa, Mandlate, Nguila, Bambo, Guitsetse, por aí em diante.
De igual modo, e para os descendentes, muitos pais jovens
começam a resgatar nomes feitos em línguas locais. Mas há ainda aqueles que
preferem os brasileiros e americanos.“Há uns 10 anos a tendência era de buscar
nomes de origem brasileira, como Walter, Edmilson, Edson, Emerson, entre
outros. Actualmente, as pessoas buscam nomes tradicionais como forma de
resgatar a identidade moçambicana. A maior parte destes nomes contêm significados
diversos, desde alegria e agradecimentos. A título de exemplo temos Tsaquilke,
Nkensany, Nkensa, Wanga, Mbonguile e mais”, referiu Esperança Nhagumbe.Perante
este novo fenómeno, os serviços de Registo Civil têm sido obrigados a
questionar o significado de alguns nomes que os pais apresentam, para evitar
passar para o Boletim de Nascimento identidades que em outras línguas contêm
significados pejorativos.Neste processo, quando os progenitores mostram sinais
de não conhecerem o significado do nome que pretendem dar ao filho, o Registo
Civil encarrega-se de investigar. “Já recebemos alguém que registou um nome e,
pouco tempo depois, veio trocá-lo alegando que não desejava ver a sua criança
com maus espíritos uma vez que tinha descoberto que o mesmo significava
Satanás”, disse.
Azares por detrás dos nomes
“Os pais deveriam pensar muito bem antes de atribuir
certos nomes aos filhos, pois essa é marca que fica para o resto da vida.
Quando o nome nos desagrada torna-nos pessoas sem autoconfiança”, disse
Esperança Nhangumbe.Por conta deste problema, há muitos casos de adultos
insatisfeitos com os seus nomes e desejam trocar. Geralmente, têm um nome de
registo, mas no seu meio social são conhecidos por outro nome, simplesmente
porque não se identificam com o que consta nos documentos.“É por isso que
apelamos aos pais para pensarem nos nomes antes de os atribuir aos filhos. Que
não sejam egoístas. É sempre conveniente que se pondere no que o nome pode
significar para os filhos que amanhã serão pessoas adultas, e irão carregar
essa denominação pelo resto da vida”.No que se refere a eventuais azares que um
nome pode “ostentar”, a nossa fonte disse acreditar nesta crença e alerta que
“não podemos dar nomes que estão associados à maldade e a energias negativas,
pois, à medida que são pronunciados se está também a invocar tais coisas más”.Mais
adiante questionou “se a criança é um dom divino, então porquê começar a dar
energias negativas cedo através do nome? É certo que o azar pode vir da crença
da pessoa, mas é preciso que os pais evitem esses nomes. É triste quando somos
rejeitados só porque temos um nome “feio”.
Estigmatizados
Para o sociólogo Carlos Bavo, a busca pelos nomes
estrangeiros resulta da vontade humana de se integrar no sistema internacional
através dos nomes. Por outro lado, este fenómeno está associado ao esforço para
a recuperação da tradição perdida por força da actuação colonial.“A busca dos
nomes não termina apenas nos africanos, mas sim nos americanos e brasileiros,
isso porque essa é uma forma que as pessoas encontraram de
internacionalizarem-se, já que estamos num mundo globalizado”, disse.No que
concerne aos nomes estranhos atribuídos pelos pais, o sociólogo Bavo afirma que
“as pessoas tentam fazer com que um determinado evento vivido no passado se
reflicta na criança. Mas, isso pode trazer consequências para quem transporta o
nome. Ela pode sofrer um estigma e até ser desqualificada por causa do nome”,
disse.Avança ainda que é traumático quando ao começarmos a construir a
identidade somos duramente criticados e “agredidos” por causa do nosso nome.
“Quando a pessoa é discriminada pelos colegas ainda em tenra idade, mesmo sem
tanta noção da auto-estima, isso desenvolve em si um sentimento de rejeição
pelos próximos”.Por seu turno, o antropólogo Marílio Wane acredita que o facto
de a colonização ter desprezado a cultura moçambicana faz com que as pessoas
queiram e procurem recuperar a identidade que estava perdida. “Agora já ninguém
pode impedir, por isso as pessoas sentem a necessidade de fechar esse défice.”No
que concerne à adopção de nomes brasileiros ou americanos, Wane explica que isso
se deve à forte influência e interferência cultural que o povo moçambicano
sofre desses países. As novelas, programas brasileiros, futebol internacional e
astros americanos influenciam-nos e é neles que vamos buscar esses nomes”,
concluiu.
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