A sua voz fez-se ouvir durante anos através do
jornalismo e a sua acção enquanto político fizeram com que se tornasse uma
referência na sociedade moçambicana.Em entrevista ao programa MOZEFO,(STV) Manuel Tomé defende não só a criação de mais
espaços de discussão de ideias em Moçambique, como também a sabedoria do povo.
Cristiana Pereira: Que potencial viu no MOZEFO que
o fez tomar a decisão de integrar a Comissão de Honra?
Manuel Tomé: Eu acho que tenho, nalguns momentos,
dificuldade em separar a capa de jornalista, político e cidadão. Para mim, é um
privilégio muito grande fazer parte do MOZEFO e as razões que me fizeram aderir
a este projecto é porque este é um espaço muito privilegiado para a produção de
ideias. Este espaço permite o choque de opiniões, o cruzamento de conhecimentos
através do debate, sendo que é um instrumento muito importante na produção de
ideias, decisões que são importantes e necessárias para o desenvolvimento do país. Aquilo que é a minha experiência
quer como jornalista quer como político quer ainda como cidadão é que está
condenado à estagnação. Tudo isto me fez
pensar que seria uma forma também de contribuir para o desenvolvimento do país
participando no MOZEFO, interagindo com diversos sectores da sociedade e
produzindo ideias que podem ser utilizadas pelas instituições públicas e também
pelo sector privado.
Tomás Vieira Mário: Existe um mosaico partidário
que não se reflecte na sociedade em termos de diversidade de projectos e
diversidade de doutrinas para produzir o tal choque de que fala.
Manuel Tomé: Eu acho que tem razão em determinada
medida mas isso corresponde à nossa fase de crescimento como país, sociedade e
como um regime multipartidário onde há muitos partidos que em princípio
deveriam responder a um quadro de ideias diferenciadas. Se reparar nos
problemas que nós temos, vai depressa concluir que todos nós estamos
interessados em resolver esses mesmos problemas. É, por isso, que não há muita
diferenciação quando nós falamos nos problemas da pobreza, emprego, crescimento
da economia ou dos transportes. Por isso, não há uma grande diferença, haveria
se provavelmente estivéssemos a falar em termos ideológicos mas não se trata do
caso só de Moçambique mas no mundo inteiro, os partidos são cada vez menos
ideológicos e mais pragmáticos. Portanto, eu não vejo que seja um problema
grave. O que eu acho é que os partidos têm que ir ganhando cada vez mais
relevância com experiência que ganham nas eleições com o aperfeiçoamento nas
formas de organização do partido e também com o crescimento do próprio debate
interno. Todos os partidos têm relevância à medida das suas capacidades e da
sua relevância.
Cristiana Pereira: Afirmou que ‘os partidos podem
crescer com o MOZEFO’ e que ‘os partidos devem ganhar mais relevância’. Pode
aprofundar um pouco esse pensamento?
Manuel Tomé:
Estando no MOZEFO, naturalmente os partidos não participam de forma
institucional, mas participam através dos seus membros e no cruzamento de
ideias, ganhando também conhecimento. Um fórum de debate é um fórum que produz
conhecimento e põe ao dispor dos participantes conhecimentos que saem de cada
um. Como é que os partidos ganham maior relevância? Incluindo o meu. Tem que
ganhar cada vez maior relevância. Nós não chegamos a um ponto em que somos
perfeitos, não somos impecáveis. Nós temos sempre fraquezas a corrigir e
virtudes a fortalecer.
Cristiana Pereira: Às vezes, diz-se que os
partidos têm muito peso na sociedade, nas empresas, nas instituições. Haverá
esse risco ou não?
Manuel Tomé:
Eu não acho que isso seja um risco. Os cidadãos podem decidir que têm a
forma de promover as suas ideias em partidos políticos. Não vejo que haja algum
problema. O que acontece muitas vezes é que os partidos políticos assumem com
demasiada força esta ideia de que conquistaram o poder. Quando se conquista o
poder é para servir o cidadão. Portanto, é aquele partido que mostra que tem as
melhores ideias, o melhor projecto, que é o escolhido. Esse projecto é para
servir a sociedade. Aí é que, às vezes, as coisas podem falhar porque em alguns
casos podem cometer -se erros quando um determinado partido ganha as eleições e
começa a servir a si próprio. E isso é que não é correcto. As pessoas que assumem
o poder têm que ter espírito de missão, é uma espécie de sacerdócio para servir
os outros e não para se servir a si próprios.
Tomás Vieira Mário: Falou de inclusividade. Um dos
eixos do MOZEFO é participação e inclusão, e também um dos temas no discurso
presidencial. Qual é a interpretação de inclusão?
Manuel Tomé: O Tomás quando aborda este assunto
faz a interpretação correcta, que foi a expressa pelo Presidente, que é a
participação neste dever de cidadania que todos têm e não necessariamente a
eliminação da oposição pela sua absorção pelo Governo. Se a oposição entra no
Governo, deixa de haver oposição. A menos que à partida haja uma coligação
partidária que, entrando em eleições, ao ganhar, tem um programa comum, não há
problema nenhum já que estarão outros partidos na oposição mas, neste caso, não
há nenhuma plataforma eleitoral ou coligação. Eu penso que não é por ai porque
essa é uma visão demasiado estreita e não contempla a maioria dos cidadãos. Os
cidadãos têm que sentir que participam nos processos. O Governo tem vinte e
poucos ministros, a oposição teria quantas pastas? Quatro, cinco?
Cristiana Pereira: E haveria espaço para um
independente ou para um ‘não alinhado’ dentro desse espírito de inclusão?
Manuel Tomé: O meu ponto continua a ser: a
inclusão não deve ser avaliada por um grupo pequeníssimo no Governo. Quando falamos do aparelho do Estado falamos
em mais de uma centena de milhar de funcionários. Como é que esses funcionários
são integrados? É por via do seu profissionalismo? Da sua competência? Se for
esse o caso, correcto! É assim que deve ser. Então eu não estou muito
preocupado com a catalogação das pessoas, se é de um partido, se é
independente. O Presidente é que tem a prerrogativa de indicar as pessoas e
sabe qual é a pessoa que está em melhores condições para fazer parte de um
todo, tomando em consideração entre outros aspectos a sua competência, o seu
profissionalismo, mas também a capacidade de fazer parte de uma equipa.
Cristiana Pereira: O MOZEFO pretende criar esse
espaço de participação e de debate. O que é que se passa nos bastidores dos
centros de decisão quando surgem propostas. De que forma é que são integradas?
Manuel Tomé: Eu não estou no centro de tomada de
decisão mas posso falar da minha experiência. Os processos no Parlamento têm
procedimentos que incluem processos administrativos, legais para se verificar a
constitucionalidade das leis, o seu enquadramento, sustentabilidade. E ai é um
processo um pouco mais complexo do que por exemplo numa comissão política onde chegam
sensibilidades dos cidadãos, dos militantes na base e aquilo pode ser
rapidamente transformado numa deliberação ou pode levar a uma discussão
aprofundada e pode chegar-se à conclusão de que a complexidade do assunto é tão
grande que terá que ser debatido ao nível de um comité central ou mesmo até de
um congresso. No partido, as coisas são mais fáceis, na assembleia leva-se um
pouco de mais tempo. É só irmos para o código do processo penal que se chegou à
conclusão que se tinha que fazer a revisão e vejam o número de anos que este
processo está a levar. Depende muito dos assuntos e de fóruns.
Cristiana Pereira: Foi durante muitos anos
director da Rádio Moçambique e secretário-geral do Sindicato Nacional dos
Jornalistas. Como homem dos media, que valor é que um grupo de media pode dar a
um fórum como o MOZEFO?
Manuel Tomé: Eu acho que a Cristiana devia fazer
essa pergunta ao Tomás Vieira Mário (risos). Os media têm um papel
insubstituível e os jornalistas agregados nos seus órgãos de comunicação social
ou de maneira independente devem jogar um papel muito importante neste processo
de levar os cidadãos a cumprir o seu dever de cidadania. Este fórum MOZEFO pode
e deve agregar outros meios de comunicação social porque no fim do dia o que
nós queremos é que o fórum seja de facto agregador. Um espaco que demonstre que
a cidadania está acima das rivalidades e o serviço ao povo está acima das
vaidades individuais.
Tomás Vieira Mário: Há um raciocínio muito
presente nos media em como a media moçambicana não está muito atenta a
desenvolvimentos positivos, não está muito atenta a experiências de referência.
Há casos que nos dão orgulho e que devem ser multiplicados, que pelo contrario
a media está concentrada em cobrir pequenos workshops. Como é que acha que
podemos abordar o assunto?
Manuel Tomé: Isto tem a ver com a credibilidade
dos meios de comunicação social. Eles
têm que conquistar a credibilidade através de um reforço da responsabilidade,
da ética e da observância dos princípios de deontologia profissional. Acho que
de alguma maneira às vezes, a concorrência é vista de uma maneira muito
estreita e leva a que o sensacionalismo ocupe muito espaço nalguns meios de
comunicação social e perde-se o foco. Esta valorização dos exemplos a que o
Tomás fez referência, nós temos falta disso e provavelmente uma das razões
deve-se ao seguinte facto: se nós
verificarmos os meios de comunicação social, em geral, é que quem sai à rua é o
repórter júnior. Quem vai fazer reportagem é o repórter júnior. Os seniores já
não saem à rua. Aqueles que vão
estudando e concluem a licenciatura já não vão à rua, estes ficam nas redacções
e são promovidos a editores ou a chefes
de redacção. Eu penso que temos que fazer um grande esforço para que aqueles
que assumem a senioridade devem ir à rua fazer reportagens e o trabalho de
investigação, já que é esse que credibiliza a comunicação social e, portanto,
para a sociedade. Portanto, isto é um
apelo que eu faço. Na altura em que eu era jornalista em exercício, isso
acontecia. O jornalismo é fazer a ligação entre os acontecimentos que têm
autores na sociedade e de novo o público.
Os jornalistas não inventam os acontecimentos, eles captam a realidade,
processam e passam-na ao público. Se eu posso fazer um apelo, é que os meios de
comunicação social devem fazer este esforço para não retirarem de maneira
descriteriosa os jornalistas seniores da reportagem.
Cristiana Pereira: Se fosse repórter hoje, qual é
que seria o tema que escolheria para investigar?
Manuel Tomé: Eu hoje escolheria o desenvolvimento
rural porque a maioria do nosso povo vive nas zonas rurais e o desenvolvimento
aos poucos vai chegando e é preciso ter uma sensibilidade profunda sobre a
diversidade do nosso país. Eu posso estar num lugar onde o mais importante é
uma escola e ir para outro e ser água potável. Nós temos um país muito complexo,
muito diverso e onde os problemas são também diversificados. É preciso ter esta visão de maneira
sistematizada e organizada para sabermos os recursos de que dispomos e para
onde devem ir de facto. Este fórum MOZEFO é muito importante porque pode permitir
que académicos e decisores estejam em debate com os destinatários das decisões,
os camponeses, que são a maioria do nosso povo. Eu penso que temos que fazer
este cruzamento entre o conhecimento científico e a sabedoria do povo. A
ciência é conhecimento organizado e a sabedoria, a experiência acumulada, então
essa gente que está no campo, que tem um conhecimento indígena, que nem sempre
é aproveitada ao participarem num debate ao lado de um académico, de um
político ou de um deputado. Penso que ele traria uma sensibilidade nova.
Cristiana Pereira: Fala-se muito dos recursos
naturais e nos recursos energéticos. De que forma é que acha que esses recursos
devem ser potenciados para o desenvolvimento rural?
Manuel Tomé: Em primeiro lugar, eu penso que os
recursos de que nós dispomos, particularmente os recursos energéticos, vão
esgotar-se. Daqui a quarenta, cinquenta, sessenta ou setenta vão esgotar-se e
este país não pode dar-se ao luxo de pensar que só esta geração tem direito a
coisas. É esta geração e todas as outras que lhe seguirão. Esses recursos vão
terminar e depois o que é que fica? Quando se esgotarem, a única coisa que vai
fazer avançar o país é o conhecimento e ai nós temos que investir muito. E
estes conhecimentos devem ser usados para gerimos de forma correcta esta
questão dos recursos energéticos. Como é que nós fazemos para que a exploração
seja sustentável e beneficie, em primeiro lugar, os cidadãos, e neste benefício
aos cidadãos há sectores que deviam ser privilegiados, sendo o primeiro o da
educação. Se nós investirmos como devemos na educação não vamos correr o risco
de cada a cinquenta anos após o esgotamento dos recursos não termos como
continuar a fazer crescer o pais. Nós conhecemos países que não têm recursos
naturais. O Japão não tem recursos, Singapura não tem recursos e entretanto são
países com economias muito fortes porque investiram muito no conhecimento.
Cristiana Pereira: Como já é tradição do MOZEFO,
pode partilhar connosco qual é a sua visão do futuro de Moçambique.
Manuel Tomé: Não sei se é defeito de educação, eu
faço parte de um conjunto de pessoas que criou projectos comuns, defendeu
ideais que foram produzidos por muita gente que reflectiam os anseios do povo.
E, portanto, aquilo que eu posso ver como futuro de Moçambique é um futuro de
facto, brilhante. E eu acho que nós começámos um ciclo político que nos abre
perspectivas muito fortes de num espaço relativamente curto Moçambique
tornar-se um país onde os cidadãos se sintam felizes por nele viver. Acho que
num futuro relativamente próximo, Moçambique será um país de prosperidade e
felicidade para todos.
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