sábado, junho 19, 2010

Sociedade civil

Este texto pretende reflectir como o debate público, fundamentado e consistente sobre alguns aspectos da economia e da sociedade, têm sido positivos no evoluir de determinados posicionamentos. Têm sido discutidos em diversos momentos e locais, assuntos cujos autores ou promotores são tidos como críticos. Não de críticos no sentido epistemológico e como elemento princípio metodológico mas, infelizmente, como sinónimo de estar politi camente contra. Um problema de défice de cultura democrática e/ou uma acérrima defesa de interesses e do poder. Ou ainda a fácil rotulagem de pessoas no contexto de um doentio controlo ideológico e a reprodução do poder assente, entre outras coisas, no que se designa por medo social. Este texto refere-se somente a três assuntos: os mega projectos, a qualidade do ensino superior e a corrupção. Existem estudos que demonstram o papel dos grandes projectos a nível macro (efeitos sobre as várias macro magnitudes, como por exemplo crescimento económico, orçamento público, balança de pagamentos e emprego) e a nível micro (infra-estruturas, rendimentos das famílias, programas sociais, entre outros). Lamentavelmente não se conhecem com semelhante profundidade as externalidades ambientais e sociais. As análises de logo prazo também ainda não foram abordadas. Em resumo, tem-se referido que os efeitos globais dos mega projectos são muito inferiores aos apercebidos e propagados, apontando-se os benefícios fiscais, a aplicação da legislação laboral e as facilidades processuais. Sugerem os “críticos” a desejabilidade de rever os acordos com alguns investimentos. Em alguns projectos autorizados posteriormente às críticas, tem havido algumas mudanças nas condições contratuais. Já existem vozes oficiais que concordam com a importância de se renegociar alguns dos contratos em vigor. A qualidade do ensino superior tem sido objecto de observações contundentes. Univer sidades nascem como “cogumelos”, sem infra-estruturas, corpo docente não preparado, precárias ou inexistentes condições peda gógicas, baixa exigência lectiva e nas avaliações. Existe uma clara percepção da queda de qualidade na principal universidade pública com algumas medidas demagógicas e abertura de outras sem as condições mínimas para o ensino superior. São detectados casos de corrupção, má gestão e deterioração do funcionamento pedagógico em algumas universidades, incluindo públicas. O debate foi iniciado na sociedade civil, com silêncio das instituições governamentais e dos responsáveis das universidades. Mais de um ano depois, uma das primeiras medidas da nova governação foi, acertadamente, o cancelamento do registo de novas universidades. Existe uma comissão de avaliação de ensino superior mas o que foi feito quase nada representa. É necessário iniciar a avaliação e ter a coragem de encerrar instituições que não reúnam condições para a prática do ensino superior. Ou, no mínimo, darem-se prazos para o cumprimento de requisitos pré-estabelecidos e sancionar-se ou mesmo encerrar os casos de incumprimento. Mas a dificuldade para a tomada de medidas é que a criação destas instituições foi autorizada pelo Ministério que agora tem de tomar essas decisões, para além de alguns interesses envolverem altas personalidades do poder. A sociedade civil tem alertado permanen temente para a galopante corrupção no país. Existiram responsáveis que arrogantemente afirmaram não existirem provas. Outros, duvidaram dos critérios das instituições internacionais especializadas que revelam a perda de posições de Moçambique no ranking do Índice de Percepção da Corrupção. O caso do aeroporto de Moçambique, que resultou de denúncias da sociedade, demonstrou que afinal há corrupção de alto nível. O relatório do PGR revela uma existência de corrupção e roubo em vários órgãos do aparelho de Estado.
Responsáveis ao mais alto nível desprezam e não cumprem consciente e abusivamente a lei 6/2004 que no seu artigo 4 define a declaração de bens e valores que exige às pessoas na posse e exercício de funções públicas com competências decisórias no aparelho de Estado, nas empresas e instituições públicas, assim como a posse dos representantes do Estado nas empresas privadas participadas pelo Estado. A insinuação de que os cidadãos têm um conceito de riqueza que poderia dificultar a explicação do património dos responsáveis púbicos, é ofensiva e sem pudor (nestes casos para quê falar de ética?). Entretanto, para se ganhar tempo face às condicionalidades externas e possivelmente na expectativa do esquecimento do assunto, cria-se uma comissão para a revisão de uma lei que nunca foi consciente e arrogantemente cumprida. Entretanto, o poder judicial também não faz cumprir a lei. E quando alguém, por iniciativa individual declara os seus bens e valores, é criticado. Que arrogância e impunidade que alguns ainda possuem a insensatez de defender a independência dos poderes! O que se tem verificado é que os avanços da sociedade civil são limitados e apenas conseguidos ou por meio da pressão externa, ou por denúncias evidentes e mediatizadas. Ou quando as realidades são excessivamente evidentes e já não há discurso justificativo possível. Estes casos demonstram entre outros aspectos:
• A resistência de ouvir, averiguar e tomar medidas, só o fazendo em caso de insus tentabilidade dos assuntos, procurando-se transmitir que são casos isolados.
• Sinais tímidos de mudança ou de promessas em mudar surgem sempre com a imagem de que partiu de dentro da governação ou do partido no poder, capitalizando politica mente em benefício próprio os posicionamentos de terceiros.
• Por vezes, as partes visadas respondem como se os casos apresentados fossem mentiras forjadas e a com falta de provas.
• Ineficácia ou medo dos agentes que realizam auditorias às instituições. Quando existe coragem e denúncias escritas, tudo indica que os relatórios são sonegados.
• Existe uma clara debilidade da socie dade civil, o que é medido pela (in)capacidade de influência dessas organizações e pelas reacções minimalistas e/ou diversionistas face às questões colocadas.
Apesar do exposto, é importante que a sociedade se estruture em organizações não partidárias nem “infiltradas”, que defendam os interesses dos colectivos que representam e possuam capacidade reivindicativa. A cidadania consciente e generalizada é sem dúvida um caminho de construção de uma nação plural. Enquanto a nhama for dando, é provável “absorver” grande parte de uma elite diminuta, incluindo da sociedade civil. Mas é impossível travar o movimento da cidadania a longo prazo. A economia e o sistema são demasiados débeis para “absorver (ou corromper) milhares de pessoas que cada vez mais se formam, que se informam e que ganham a consciência e exercem uma cidadania activa.(Por João Mosca / economista)


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