sexta-feira, junho 18, 2010

Póquer e narcotráfico

Estórias de droga todos conhecemos.Não porque sussurradas em intimidades ou medos de represálias. Não. A circulação de haxixe, mandrax e cocaína tem sido largamente reportada na imprensa e pela polícia. A venda e consumo de heroína no bairro que em Maputo ganhou a designação de “Colômbia” foi prémio internacional de jornalismo investigativo em África. Está glossado em livro. O conhecimento público tem sido acompa­nhado por preocupantes relatórios interna­cionais. De polícias e das próprias Nações Unidas. Sugestões e mesmo nomes têm sido passados a entidades moçambicanas. Na opinião destes interlocutores do governo moçambicano, as respostas não são convin­centes, a falta de acção é exasperante. Para consumo público, o que sempre tem faltado, depois de alguns desacertos iniciais nos cartéis locais na década de 90, são os nomes sonantes que alimentam o tráfico da droga. A nomeação de um “barão de droga” moçambicano corresponde a uma progressão natural nas confrontações de bastidores que há anos se vêm travando. Por outras palavras, e num cenário puramente interno, os sectores de Estado ainda não capturados, não têm demonstrado estar em correlação de forças favorável para afastar o cancro da droga que faz do país campo de trânsito entre a Ásia Central, a América Latina, a África do Sul e a Europa. Do ponto de vista externo e das estratégias de segurança, a droga não é apenas um problema de saúde pública. A droga infiltra os sistemas financeiros – argumenta-se que uma parte da artificial opulência de Maputo vem da lavagem de dinheiro dos narcóticos – e serve para financiar redes de outros tráficos como armas, crianças e prostituição. Apesar dos distanciamentos oficiais, o ênfase nos fundamentalismos religiosos, o envio de moçambicanos a escolas corânicas no exterior já passou a estatuto de segurança internacional.

O duro relatório sobre o tráfico humano libertado esta semana completa um triângulo de complicada gestão para as autoridades moçambicanas. Os dramas no seio do executivo não se colocam apenas entre a ala corrompida e os não infectados. As instituições de Estado, nomeadamente as agências que têm que lidar com questões de lei e ordem têm limitações enormes. Passando ao lado da evidente politização do narcotráfico, basta ver como um criminoso de delito comum, Agostinho Chaúque, fez gato sapato da polícia. Apesar das fragilidades, o extremo autismo e soberba de quem deve equilibrar os posso e quero na nervosa balança do jogo das dependências, entornou panela e caldo em Outubro, na miragem de uma maioria absoluta, à semelhança de Angola e África do Sul. A factura aí está. Servida meticulosa e friamente. Um primeiro trimestre a pão e água que deixou o metical a tremer e agora, mais maquiavélico, um punhal lançado à intimidade das sensibilidades cortesãs. Desenganem-se os que pensam que as pressões vão abrandar. As respostas ao tráfico e lavagem de dinheiro da droga não se fazem com arrogância e as cortinas de fumo da propaganda. Se – e é um se muito problemático – se os sectores não capturados puderem e quiserem, a triste estória do “barão de droga” pode ser um começar renovado para o lavar da cara de que o país precisa. Por exemplo, pela cooperação com os que nos podem ajudar a limpar o país. No pano verde da conjuntura actual – que é difícil e complexa – como num jogo de póquer, Moçambique pode pagar para ver. Só assim afasta o bluff. A terminar, e para os que gostam de slogans, ser-se patriota é ser-se orgulhoso de um país limpo de drogas e brasonados de má memória. (texto: Fernando Lima, colunista do jornal SAVANA)

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