O Banco de Moçambique está a inundar o mercado cambial e a levar a uma apreciação sem precedentes da moeda nacional. Já são mais de 20% de ganhos em menos de três meses. E ainda vem mais, e os que têm Meticais “debaixo do colchão” para comprar as verdinhas estão a esfregar as mãos de contente. Entretanto as parangonas nacionais e internacionais falam do fortalecimento da moeda nacional apesar da guerra no Norte e a interrupção de actividades de algumas multinacionais, e as pessoas coçam carecas para perceber o que se passa.
Para mim, nada de especial. O Banco de Moçambique esta a fazer o mesmo de sempre: um aperto monetário. e pelo caminho (inadvertidamente ou não) a dar uma bonança a alguns, pela qual imagino que muitos pagarão dentro de alguns meses.
Mas vamos por partes, pois isto aqui não é brincadeira nenhuma. A coisa é séria.
1. Porquê o mesmo de sempre?
Porque trata-se de um equivalente de um aperto das condições monetárias, que lhe é forçado pela crise do negócio de LNG provocada pelos ataques terroristas em Cabo Delgado. Como?
Ok, vou tentar trocar em quinhentas. Mas sem garantias.
O que significa aperto (ou relaxamento) das condições monetárias? Para entender isto é necessário ter em conta o que visa política monetária, e o que se entende por condições monetárias. A política monetária visa duas coisas: 1) controlo da inflação; 2) estabilizar as flutuações da actividade (ou procura). Tudo isto NO CURTO PRAZO. Isso faz-se por via da manipulação de vários instrumentos dos quais os mais relevantes no caso vertente são taxa de juros e taxa de câmbio (sim, a taxa de câmbio do Metical está ser manipulada, a sua livre flutuação é um engano aos incautos...).
Cada um destes instrumentos influencia a inflação e o produto à sua maneira. As taxas de juro influenciam as decisões de poupança e de procura (e custo) do crédito, daí influenciarem a procura de consumo e investimento, e por essa via a actividade.
As taxas de câmbio influenciam os benefícios dos que produzem para a exportação, e os consumidores dos produtos importados, e por essa via também influenciam a procura dos produtos produzidos domesticamente e dos produtos importados. Por exemplo, quem produziu com insumos importados a 75.00 MT por dólar e agora está a exportar a um equivalente de 55.00 MT por dólar está a levar uma grande “porrada” e de certeza está a repensar os planos para os próximos trimestres.
Isto já te diz alguma coisa? Pois então é isso mesmo! A apreciação do metical neste caso é equivalente a um aperto monetário por via das taxas de juros: desencoraja a produção.
Vai ajudar a controlar a inflação? Claro que vai. Fora outros factores, rendimentos (lucros e salários) deprimidos reduzem a procura e aliviam as pressões inflacionárias. E também porque existe o impacto directo através do custo reduzido em metical dos bens de consumo e insumos de produção importados. É por isso que na análise da política monetária se tem aquilo que se chama índice das condições monetárias, que é um indicador que pondera a taxa de câmbio real e a taxa de juros reais par ter o seu impacto combinado.
Pronto. E desaguamos aqui: a apreciação do Metical (de 75.00MT/Dóllar três meses atrás para quase 55.00 NY/Dólar agora), induzida pelas intervenções do Banco Central, efetivamente corresponde a um aperto monetário: vai facilitar atingir o objetivo da baixa inflação, mas ao mesmo tempo vai desestimular a actividade económica e os rendimentos domésticos. É por isso que eu disse no início que o Banco de Moçambique está a fazer o mesmo de sempre, só que com uma combinação diferente de instrumentos.
2. E haverá alguma racionalidade?
Talvez sim, talvez não. Ora vejamos. Os ataques terroristas levaram à interrupção sine-die das actividades da indústria de gás natural liquefeito (LNG) em Cabo Delgado. Isso representa um choque muito grande à actividade e à procura para além desse sector. Em princípio isso implica a redução de pressões inflacionárias na economia. Tanto mais que não há o perigo de esses ataques afectarem a oferta de alimentos na maior parte do país, dado que se localizam mais no extremo Norte sendo que mais baixo existem zonas de produção alimentar mais vastas, e no centro a desestabilização da chamada junta miliar da RENAMO parece ter diminuído, e as chuvas já pararam e começa a haver mais facilidade de circulação, estamos também em meses em que ainda há alimentos nos celeiros, e a entrarmos na época fresca durante a qual vai haver produção nacional de frescos que pode amainar os preços do importado da Africa do Sul.
Portanto, o Banco de Moçambique não deveria ter preocupações de maior com a inflação para justificar a manipulação do valor do Metical no mercado cambial à escala que o faz. Portanto por esta linha de análise, não vejo racionalidade na actuação do Banco de Moçambique.
Mas há uma outra dimensão: risco! Os ataques de Março e a resposta bizarra das autoridades (tipo “não se atrapalhem … não foi o pior que já sofremos”) pode ter aumentado a perceção de risco do país (não só por causa da escala dos ataques, dos alvos atingidos, da destruição e morte causados, mas também pela sensação resultante de que não há comando e controlo sério da situação). E isso foi bem sinalizado pela interrupção das actividades da Total.
Me parece ser esta percepção de risco acrescido e o seu potencial impacto sobre o câmbio do Metical, que levou o Banco de Moçambique a enveredar por intervenção de tão grande escala em defesa do Metical. Pois se o metical continuasse a perder valor por conta dessa perceção acrescida de risco, o objectivo da inflação poderia ser ameaçado. Por esta via da análise, até se poderia dizer que o Banco Central tenha seguido na direção em que devia.
Será?
3. Talvez, mas pela escala da operação, começo a ter dúvidas
Na realidade acho que o Banco Central está a usar da margem que lhe é dada fortuitamente pela interrupção de parte das catividades da indústria LNG para sacar abusivamente das reservas internacionais. Porque é assim: com a interrupção das actividades de partes da indústria LNG e conexa certamente haverá uma diminuição de necessidade de cobertura de importações pelas reservas internacionais, tanto este ano como certamente no próximo. Isso possibilita o Banco Central sacar de reservas sem correr o risco de cair abaixo do rácio habitual de seis meses de cobertura nos próximos 18-24 meses.
Esta pode ser uma oportunidade para o Banco Central provocar una correção de médio prazo da taxa de câmbio nominal e com isso ancorar as expectativas de depreciação e de inflação muito abaixo. O que para o objetivo da inflação não seria mau de todo. Mas então o que é que isso significará para a taxa de câmbio real, e consequentemente para a economia real (em particular os produtores dos exportáveis), e por aí para a balança de pagamentos (e reservas internacionais mais à frente)?
Chegados aqui, estamos de novo no território onde eu acho que o Banco de Moçambique sacrifica demasiado a economia real na prossecução quase paranoica do objectivo da inflação.
E neste caso, acho que existe um perigo adicional: que se esteja a alimentar a riqueza dos que podem ter muitos meticais acumulados “debaixo do colchão” (nos quais se incluem os bancos Comerciais).
A ver vamos!
(RJT/2021/05/03 in facebook)
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