“... a Assembleia da República, no exercício das suas funções constitutionais de mais alto órgão legislativo, representativo do Povo Moçambicano e fiscalizador da acção do Governo, a [sic] sua organização, funcionamento e métodos de trabalho obedecem às formalidades e dinâmicas próprias e distintas no conjunto dos órgãos de soberania”.
Isto é, o estatuto especial justifica-se pelo facto de se tratar do mais alto órgão legislativo. Ponto final. Porque o mais alto órgão legislativo tem de ter um estatuto especial e os seus funcionários e agentes devem ter tratamento diferenciado em relação aos outros membros da função pública, isso não interessa a ninguém saber. É o mais alto órgão legislativo, ponto final!
Achei também curioso que o projecto de lei se tivesse inspirado noutras experiências “... de 6 Países de África, Europa e América com ordenamentos jurídicos semelhantes ao da República de Moçambique...”. São eles: Angola, Brasil, Cabo Verde, França, Portugal (claro!) e São Tomé e Príncipe.
Okay.
Mas como é que esses outros países justificam isso? Que elementos da justificação desses países foram considerados pertinentes para o caso moçambicano e porquê? Que especificidades moçambicanas foram tomadas em consideração? A fundamentação não diz nada. Só dá a entender que foram lá copiar, de certeza, pegando nas coisas que apoiam o que os nossos queriam fazer.
O meu maior problema é esta ausência de justificação. Aqui está mais uma demonstração do que não vai bem com o nosso sistema político. As regalias em si não me parecem o problema, pois tenho a certeza de que elas podem ser justificadas. Tudo é triagem na vida. É claro que há boas e más razões, mas o problema está aí mesmo. Sem conhecimento das razões é difícil discutir. E sem discussão a política não é possível. Ou por outra, o lugar de discussão por excelência, portanto, o parlamento, mata o debate. Há um lado intelectual nisto que vejo, infelizmente, na forma como algumas pessoas lidam com o conhecimento científico. Não há verdadeira apropriação. É só repetição do que aprenderam sem nenhuma reflexão.
Mas o parlamento é sintomático dum problema geral. No nosso País queremos uma democracia sem discussão. Uma vez no poleiro, você ganha o direito de não ser interpelado ou, para colocar as coisas de forma mais positiva, o direito de não dar satisfações a ninguém. Começa do topo. Centenas de jovens mortos em defesa da pátria. Duvido que os seus familiares saibam, mas lá está, no nosso regime espartano, as famílias só se devem interessar por saber se a causa nacional está a ser defendida e não se preocuparem com o que se passa com os filhos.
Há milhares de deslocados por aí. Alguém ouviu o
governo a pedir desculpas ao povo por não ter cumprido o seu dever de proteger
as pessoas? Pois, eu também não. Alguém já ouviu algum membro do governo a
responder perguntas de jornalistas sobre isso? Não falo dele porque ele é sagrado.
Alguém conhece a justificação para a contratação de mercenários para defenderem
a soberania nacional? Pois, comparsas, estamos todos no mesmo barco da
ignorância. Os nossos políticos precisam dum subsídio de justificação, talvez
aí aprendam a fazer aquilo para o qual se fizeram eleger. (Por Elisio Macamo)
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