segunda-feira, agosto 17, 2020

Cultura de violações

A Associação Moçambicana das Mulheres de Carreira Jurídica (AMMCJ) manifestou “total repúdio à violência sexual” de que terão sido vítimas 15 jovens candidatas a polícias por parte de instrutores da Escola Prática da Polícia de Matalana (EPM).

“A Associação Moçambicana das Mulheres de Carreira Jurídica, no cumprimento do seu dever de defender as mulheres e meninas vítimas de violência e, por meio desta nota oficial, vem a público manifestar, veementemente, a sua indignação e total repúdio a essas práticas criminosas e desrespeitosas dos direitos humanos das mulheres”, refere, em comunicado, a organização. A AMMCJ diz que a conduta dos instrutores é criminosa e constitui violação da legalidade, dos princípios que regem a PRM e da ética e deontologia exigidas aos membros da corporação. A organização exige a intervenção do Ministério Público e a instauração de processos disciplinares, porque considera que há indícios de assédio sexual e de outros crimes de natureza sexual. Os instrutores, continua, devem ser exemplarmente punidos com pena de prisão e expulsão do Aparelho do Estado. A AMMCJ observa que muitas moçambicanas são obrigadas a consentir situações de violência sexual como moeda de troca para o acesso à educação, formação profissional e mercado de trabalho. “A AMMCJ apela às vítimas e a toda a sociedade para que denunciem esses crimes que grassam a sociedade moçambicana e prejudicam as mulheres e as meninas que, de forma digna, procuram lutar contra a pobreza, mas que a barreira da discriminação sexual as tem impedido”, assinala a nota. Aquela organização faz notar que a conduta dos instruendos viola leis moçambicanas e internacionais de defesa dos direitos humanos e das mulheres ratificadas pelo Estado moçambicano.

Josina Machel, filha de Samora Machel, primeiro Presidente de Moçambique independente, defendeu a condenação à prisão e expulsão do Estado dos instrutores da polícia. “É necessário que estes homens não fiquem impunes nem mereçam qualquer tipo de protecção. Para eles, pena de prisão será a punição acertada. A cadeia é o local onde passam a residir”, escreve Josina Machel, numa carta de opinião. Josina Machel considera que os instrutores abusaram sexualmente das 15 jovens e devem ser expulsos do aparelho do Estado. “A verdade dos factos prova que homens adultos, com responsabilidade de Estado, instrutores, e mais grave, chefes de famílias, violaram sexualmente de forma sistemática raparigas instruendas”, refere Machel. A situação a que as 15 jovens foram submetidas, prossegue, é apenas a face visível dos abusos que as raparigas enfrentam nas instituições de ensino em Moçambique.  “Elas são a face visível deste escândalo, porque engravidaram, mas, seguramente, haverá as que não fazem parte das estatísticas de gravidezes e que também foram abusadas e humilhadas”, lê-se no texto. O abuso sexual nas escolas moçambicanas, continua, não é segredo para ninguém, porque já se tornou um comportamento normal e institucionalizado. “Caso o Ministério do Interior leve a cabo um trabalho de investigação sério, corremos o ´risco` de ficar a saber que a violação sexual de instruendas faz parte de um ritual de introdução de novatas a esta instituição”, considera Josina Machel. Para a filha do primeiro chefe de Estado moçambicano, milhares de mulheres que foram formadas na Escola Prática da Polícia de Matalana podem ter sido abusadas, violadas e humilhadas pelos seus instrutores. O Estado deve agir Caso das 15 grávidas de Matalana Josina Machel insta os ministérios do Interior, Justiça, do Gênero e Acção Social e da Administração Estatal, em conjunto com a Procuradoria-Geral da República, a abrir um processo de investigação, cujo desfecho deve ser público. “Esta investigação necessita de envolver mulheres que tenham passado por esta tortuosa experiência para realmente se desvendar a existência ou não de uma tradição institucional de abuso sexual das instruendas”, refere o texto. Por outro lado, avança, o Ministério do Interior deve adoptar uma política clara contra a violência baseada no género e criar mecanismos de denúncia de abusos.

Na terça-feira (11), a procuradora- -chefe da República na Província de Maputo, Evelina Gomane, anunciou a abertura de uma investigação ao caso, admitindo que se pode estar perante assédio sexual ou outro tipo de crime sexual. “Temos que compreender com as próprias (jovens) o que aconteceu, não nos podemos precipitar a tirar conclusões”, afirmou Gomane.

O caso veio a público há uma semana, quando um despacho do comandante-geral da Polícia da PRM, Bernardino Rafael, de instaurar um processo disciplinar contra instruendos da Escola Prática da Polícia de Matalana foi divulgada nas redes sociais. Ao que o SAVANA apurou, o despacho de Bernardino Rafael foi vazado para as redes sociais fontes internas do Comando Geral “cansadas de arbitrariedades” na Escola de Matalana. No despacho, Bernardo Rafael ordena a expulsão dos instruendos e a realização de diligências para levar as raparigas de volta para as suas casas, na condição de que voltem ao curso de polícias, depois do parto. No despacho, fica-se a saber que as alegadas vítimas são das províncias de Tete, Zambézia e Nampula. Orlando Mudumane, o porta-voz do Comando-Geral da PRM, disse que “o assunto é interno”, quando foi confrontado pelo mediaFAX nesta segunda-feira(17).

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