Fiscalização sucessiva abstracta de
constitucionalidade
O Fórum de Monitoria
do Orçamento (FMO), Plataforma das Organizações da Sociedade Civil (OSC), e
outros dois mil cidadãos devidamente identificados nos autos, representados
pela advogada Dra. Stela Santos, com escritório na Avenida Eduardo Mondlane, nº
149, 2˚ andar, salas 168 e 169, no Bairro da Ponta-Gêa, Cidade da Beira, e o
Digníssimo Provedor de Justiça vêm ao Conselho Constitucional solicitar a
apreciação e declaração da inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma
contida no artigo 1 da Resolução nº 11/2016, de 22 de Agosto, que aprova a
Conta Geral do Estado (CGE), referente ao exercício económico do ano 2014, com
força obrigatória geral, ao abrigo do disposto na alínea g) do n° 2, do artigo
2451 da Constituição da República de Moçambique (CRM), conjugado com as alíneas
g) e f) do n° 2, do artigo 60 da Lei n° 6/2006, de 2 de Agosto, com a nova
redacção introduzida pela Lei n° 5/2008 de 9 de Julho, ambos da Lei Orgânica do
Conselho Constitucional (LOCC), aduzindo como fundamentos os seguintes:
………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………..
Como é evidente, indiscutivelmente o Governo actuou à margem
da Constituição, violando inequivocamente a respectiva alínea p) do n° 2, do
artigo 178 da CRM, onde se reserva a exclusividade da competência da Assembleia
da República para autorizar (…) a contrair ou conceder empréstimos, a
realizar outras operações de crédito, por período superior a um exercício
económico e a estabelecer o limite dos avales a conceder ao Estado, isto
por um lado e, por outro, infringiu a alínea a) do n° 2 do artigo 129 da Lei n°
14/2011, de 10 de Agosto, pela prática de actos que configuram obviamente a
usurpação do poder, conflituando desde logo com o artigo 134, onde se consagra
a separação e interdependência de poderes dos órgãos de soberania,
subordinando-se à Constituição e às leis, tal como igualmente se estipula no
n°3 do artigo 2, ambos da CRM.
Concomitantemente à violação da Constituição, surpreende-se a
prática de uma outra ilegalidade de que faz eco a própria Assembleia da
República, quando se refere no documento da sua audição que o empréstimo
contraído pela EMATUM,SA, não fora inscrito na Lei n° 1/2013, de 7 de Janeiro,
contra uma disposição de natureza imperativa, o artigo 15 nºs 2 e 3, da Lei n°
9/2002, de 12 de Fevereiro (E-SISTAFE), que incisivamente dispõe:
“1. Nenhuma despesa pode ser assumida, ordenada ou realizada
sem que, sendo, legal se encontre inscrita devidamente no orçamento do Estado
aprovado, tenha cabimento na correspondente verba orçamental e seja justificada
quanto à sua economicidade, eficiência e eficácia”.
“2. As despesas só podem ser assumidas durante o ano
económico para o qual tiverem sido orçamentadas”.
Este é o bloco legal que, no caso, se inclui a Constituição e
a lei ordinária que foi completamente desrespeitado pelo Governo na contratação
da dívida de EMATUM,SA, bem como da garantia soberana conferida, decorrendo daí
a sua ilegalidade e com gravosas consequências jurídicas: trata-se de actos
inválidos, sob forma de nulidade, por força do disposto na alínea a) do n° 2 do
artigo 129, da lei já citada, facto que juridicamente tem reflexo na
questionada Resolução n° 11/2016.
Como corolário da detectada ilegalidade, a sua apreciação
cabe à jurisdição administrativa, nos termos da alínea b) do artigo 3, da Lei
n° 7/2014, de 28 de Fevereiro, que regula os procedimentos atinentes ao
Processo Administrativo Contencioso.
Entretanto, como se trata de acto administrativo nulo, o seu
conhecimento é permitido a todo tempo e por qualquer interessado, quando
envolva usurpação de poder, conforme dispõe o artigo 35 da Lei n° 7/2014, de 28
de Fevereiro. Todavia, esta competência não se acha furtada junto deste Órgão,
por força das disposições conjugadas dos artigos 294°, 286° e 289°, todos do
Código Civil, imperativo que reforça a convicção de que este Conselho
Constitucional tem competência para declará-lo, dirimindo-se, deste modo, a
controvérsia então suscitada pela Assembleia da República.
III
Decisão
Nesta conformidade, o Conselho Constitucional declara a
nulidade dos actos inerentes ao empréstimo contraído pela EMATUM,SA, e a
respectiva garantia soberana conferida pelo Governo, em 2013, com todas as
consequências legais.
Registe, notifique e publique-se.
Maputo, 3 de Junho de 2019
Hermenegildo Maria Cepeda Gamito, Ozias Pondja, Manuel
Henrique Franque, Domingos Hermínio Cintura, Mateus da Cecília Feniasse Saize.
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