quarta-feira, junho 05, 2019

Acórdão n° 5/CC/2019

 Fiscalização sucessiva abstracta de constitucionalidade


Imagem relacionadaO Fórum de Monitoria do Orçamento (FMO), Plataforma das Organizações da Sociedade Civil (OSC), e outros dois mil cidadãos devidamente identificados nos autos, representados pela advogada Dra. Stela Santos, com escritório na Avenida Eduardo Mondlane, nº 149, 2˚ andar, salas 168 e 169, no Bairro da Ponta-Gêa, Cidade da Beira, e o Digníssimo Provedor de Justiça vêm ao Conselho Constitucional solicitar a apreciação e declaração da inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma contida no artigo 1 da Resolução nº 11/2016, de 22 de Agosto, que aprova a Conta Geral do Estado (CGE), referente ao exercício económico do ano 2014, com força obrigatória geral, ao abrigo do disposto na alínea g) do n° 2, do artigo 2451 da Constituição da República de Moçambique (CRM), conjugado com as alíneas g) e f) do n° 2, do artigo 60 da Lei n° 6/2006, de 2 de Agosto, com a nova redacção introduzida pela Lei n° 5/2008 de 9 de Julho, ambos da Lei Orgânica do Conselho Constitucional (LOCC), aduzindo como fundamentos os seguintes:
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Como é evidente, indiscutivelmente o Governo actuou à margem da Constituição, violando inequivocamente a respectiva alínea p) do n° 2, do artigo 178 da CRM, onde se reserva a exclusividade da competência da Assembleia da República para autorizar (…) a contrair ou conceder empréstimos, a realizar outras operações de crédito, por período superior a um exercício económico e a estabelecer o limite dos avales a conceder ao Estado, isto por um lado e, por outro, infringiu a alínea a) do n° 2 do artigo 129 da Lei n° 14/2011, de 10 de Agosto, pela prática de actos que configuram obviamente a usurpação do poder, conflituando desde logo com o artigo 134, onde se consagra a separação e interdependência de poderes dos órgãos de soberania, subordinando-se à Constituição e às leis, tal como igualmente se estipula no n°3 do artigo 2, ambos da CRM.

Concomitantemente à violação da Constituição, surpreende-se a prática de uma outra ilegalidade de que faz eco a própria Assembleia da República, quando se refere no documento da sua audição que o empréstimo contraído pela EMATUM,SA, não fora inscrito na Lei n° 1/2013, de 7 de Janeiro, contra uma disposição de natureza imperativa, o artigo 15 nºs 2 e 3, da Lei n° 9/2002, de 12 de Fevereiro (E-SISTAFE), que incisivamente dispõe: 

“1. Nenhuma despesa pode ser assumida, ordenada ou realizada sem que, sendo, legal se encontre inscrita devidamente no orçamento do Estado aprovado, tenha cabimento na correspondente verba orçamental e seja justificada quanto à sua economicidade, eficiência e eficácia”.
“2. As despesas só podem ser assumidas durante o ano económico para o qual tiverem sido orçamentadas”. 

Este é o bloco legal que, no caso, se inclui a Constituição e a lei ordinária que foi completamente desrespeitado pelo Governo na contratação da dívida de EMATUM,SA, bem como da garantia soberana conferida, decorrendo daí a sua ilegalidade e com gravosas consequências jurídicas: trata-se de actos inválidos, sob forma de nulidade, por força do disposto na alínea a) do n° 2 do artigo 129, da lei já citada, facto que juridicamente tem reflexo na questionada Resolução n° 11/2016.

Como corolário da detectada ilegalidade, a sua apreciação cabe à jurisdição administrativa, nos termos da alínea b) do artigo 3, da Lei n° 7/2014, de 28 de Fevereiro, que regula os procedimentos atinentes ao Processo Administrativo Contencioso. 

Entretanto, como se trata de acto administrativo nulo, o seu conhecimento é permitido a todo tempo e por qualquer interessado, quando envolva usurpação de poder, conforme dispõe o artigo 35 da Lei n° 7/2014, de 28 de Fevereiro. Todavia, esta competência não se acha furtada junto deste Órgão, por força das disposições conjugadas dos artigos 294°, 286° e 289°, todos do Código Civil, imperativo que reforça a convicção de que este Conselho Constitucional tem competência para declará-lo, dirimindo-se, deste modo, a controvérsia então suscitada pela Assembleia da República.

III
Decisão

Nesta conformidade, o Conselho Constitucional declara a nulidade dos actos inerentes ao empréstimo contraído pela EMATUM,SA, e a respectiva garantia soberana conferida pelo Governo, em 2013, com todas as consequências legais.
Registe, notifique e publique-se.
Maputo, 3 de Junho de 2019

Hermenegildo Maria Cepeda Gamito, Ozias Pondja, Manuel Henrique Franque, Domingos Hermínio Cintura, Mateus da Cecília Feniasse Saize.

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