No presente texto defendo a ideia de que faltam na nossa
sociedade espaços de debates públicos abertos e descomplexados, sobre inúmeras
questões-chave que deveriam fertilizar as visões e estratégias dos partidos
políticos e do conjunto da sociedade, na perspectiva de enformar as grandes
opções políticas do novo ciclo de governação2020-2025. Considero que têm
faltado platormas abertas e inclusivas de debate apartidário de ideias,
incluindo através dos meios de comunicação social de um modo geral, e do sector
público, em particular.No melhor dos casos, há pessoas sentadas em salas de
hotéis falando sobre si mesmas ou promovem-se conversas amenas de glamor... nas
televisões!
Mçambique está nas vésperas das suas sextas eleições gerais
multipartidárias: de escolha dos deputados da Assembleia da República, do
Presidente da República e dos membros das Assembleias Provinciais, de cujas
listas vencedoras se vão elegr, e pela primeira vez, os governadores de
provincia. Trata-se, pois, de um processo inédito, na senda do alargamento do
espaço democrático, por via de uma progressiva descentralização administrativa.
Isto é, de devolução gradual de poder aos cidadãos.
Diz-se que cerca de 40 partidos políticos deverão inscrever-se para
concorrer!
Uma breve retrospectiva deste processo, cujo ponto cimeiro foi a
revisão constitucional de 2018, traz-nos à memória, como ponto de partida, a
crise política pós-eleitoral de 2015/2016, marcada, emtre outras, pelos
seguinte exigências sucessivas da Renamo: constituição de um governo de
gestão; decapitação do Estado Unitário, com a desanexação de seis provincias ,a
serem governadas pela Renamo; de permeio com emboscadas contra conversações em
curso, seguindo a digressão nacional paralisante de Afonso Dhlakama,
para tudo culminanar com a “presidencialização” do diálogo
Governo-Renamo, o qual vai ser simbolizado, enfim, pela histórica subida à
serra da Gorongoza, pelo Chefe de Estado, Filipe Jacinto Nyusi!
Entretanto, o principal resultado da presidencialização do dialogo
– que deixou em terra exautos mediadores – vai ser o acordo sobre a
descentralização administrativa do país, consagrado através de uma revisão
constitucional pontual, mas cuja formulação haveria de ser entregue a grupos
tecnicos, e mais tarde imposta ao Parlamento, por acordo entre as cúpulas
partidárias com maioria de assentos na chamada Casa do Povo! Tudo isto ocorrendo
sob a ameaça de armas de guerra de um dos partidos com assentos no Parlamento e
para cuja conformidade constitucional e legal “definitiva” vai ser acordado um
célebre programa DDR : desmobilização, desmilitarzação e reintegração das
forças militares desse partido, que têm continuado a sobrar, desde o Acordo de
Roma de 1992!
Em paralelo, a nação moçambicana vive uma das mais traumáticas
crises de governação alguma vez por si experimentadas: a crise originada pela
revelação internacional de dívidas externas milionárias, contraidas pelo
governo anterior, em arrogante e clamorosa violação da Constituição da
República e da lei orçamental! Pior ainda: para encobrir um odioso esquema de
corrupção de alto nivel, com tentaculares ramificações junto de gestores de
topo da alta finança internacional! A crise, com impactos de longo termo, sobre
a vida dos mocambicanos e a reputação do Estado junto da comunidade
internacional, vai conhecer um momento juridico-constitucional dramático, com
declaração da nulidade dos respectivos instrumentos e correspondentes negócios,
pelo Conselho Constitucional! Consumava-se uma enorme vitória do
constitucionalismo nacional, impulsionado pela Sociedade Civil! E a nação vai
tapar os olhos, envergonhada com a nudez das suas mais nobres
instituições!Seguir-se-ia, haja ou não relação de causa e efeito, a renúncia do
cargo de Presidente deste orgão, por parte do seu titular, o Dr. Hermenegildo
Gamito!
E as catanas de recursos minerais decapitando camponeses inocentes
em Cabo Delgado e provocando insónias às mulheres da Ilha Olinda e de Cassoca?
E como se de caixa de pandora se tratasse, ainda viriam os mais
graves desastres naturais de que o país – que ja sobreviveu a muitos! – tem
memória: os devastadores ciclones Idai e Kenneth, com o seu largo rasto de
mortes e de destruição de infra-estruturas económicas e sociais, no centro e
norte país!
Ora, quer directa, quer indirectamente, é por debaixo deste longo e
sufocante manto de desafios de governação da Nação que estas sextas
eleições se vão realizar!
Qualquer destes assuntos transporta consigo impressionantes debates
, quer eles correspondam a resultados imputáveis a conduta humana, quer
derivem de fenómenos naturais apenas remotamente susceptiveis ao controlo
soberano dos moçambicanos, mas tão complexos como raramente seriam
encontrados em qualquer outro país do mundo!
Como aborda-los, numa perspectiva de debate público que torne as
eleições uma oportunidade de mobilização nacional para a construção de
consensos, o mais amplos possíveis, sobre o que possam ser considerados
designios comuns e unificadores da nação?
O que todos esses partidos políticos pensam destas questões, que
marcam o devir colectivo dos úmoçambicanos? Que sistemas ou modelos de
sufragação dos seus projectos de governação os partidos políticos estão a usar
ou pretendem usar, no quadro destas eleições?
Como podem, os partidos politicos, na senda do periodo eleitoral,
e ao lado de outras forças vivas da sociedade, contribuir para os
estimular a identificar os novos factores de Unidade Nacional?
O que movimentos sociais, representados por grupos organizados de
cidadãos (vulgo organizações da sociedade civil) pensam de tais questões de
fundo, que se referem a instituições, sistemas e modelos e cultura de
governação?
Que modelos ou formatos programáticos podem os orgãos de
comunicação social adoptar, para que sejam, efectivamente, plataformas
privilegiadas de circulação e de confronto aberto de diferentes correntes de
opinião na sociedade?
A nação precisa de se ouvir! A nação precisa de sentar à mesa
e...falar!
Termino com uma proposta de tema geral de debate público nacional,
que pode ser iniciado por qualquer sector da sociedade, incluindo órgãos de
comunicação : Afinal o que mais divide os moçambicanos?
(POR TOMÁS VIEIRA MÁRIO)
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