A acalmia desta terça-feira foi estranha para os
padrões da presidência de Bolsonaro. O dia foi de alto nível institucional, sem
lugar a frases de efeito, polémicas, ou invectivas contra os adversários
políticos. E quase foi fácil esquecer que, dois dias antes, tinham sido
reveladas conversas privadas mantidas entre Moro e
procuradores do Ministério Público responsáveis pela Operação Lava-Jato,
em que o então juiz federal discutia pormenores da investigação, dava
sugestões, fazia reprimendas e até se punha ao lado da acusação contra o
ex-Presidente Lula da Silva, que acabaria por condenar por corrupção e
lavagem de dinheiro. Horas antes da cerimónia, Bolsonaro e Moro
estiveram reunidos a sós para uma conversa “tranquila” sobre o caso, de acordo
com um comunicado do Ministério da Justiça. Moro “rejeitou a divulgação das
possíveis conversas privadas obtidas por meio ilegal e explicou que a Polícia
Federal está a investigar a invasão criminosa”. Apesar da aparente
tranquilidade que o cumprimento do protocolo parece indiciar, Brasília está a
ferver desde que o site The Intercept Brasil publicou
as primeiras mensagens, na noite de domingo. O momento actual é de expectativa,
especialmente perante a certeza de que novos conteúdos sobre a Lava-Jato
serão revelados nos próximos tempos. O jornalista Glenn Greenwald, um dos
autores das reportagens – que se notabilizou por dar a conhecer as revelações do ex-analista da
NSA Edward Snowden – disse que o que foi revelado corresponde a
menos de 1% dos dados de que dispõem. O “Vaza-Jato” promete continuar a fazer
manchetes.
Confrontados com uma crise explosiva, mesmo para
os parâmetros alucinantes do que tem sido a vida política brasileira nos
últimos anos, os diversos actores políticos fazem cálculos aos seus próximos
passos. O silêncio de Jair Bolsonaro é um reflexo dessa cautela. “Ele está a
avaliar”, disse ao PÚBLICO, por telefone, o professor do Departamento de
Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP) Jean Tible. “Bolsonaro é muito
sensível às posições nas redes e o resultado de ontem [segunda-feira] é
bastante desfavorável”, observa o politólogo.
A divulgação das mensagens surge num momento
sensível para o Governo, que enfrenta uma forte contestação nas ruas, baixos
índices de popularidade, e uma relação contenciosa com o Congresso. “A base de
apoio do Governo já estava diminuída e esse episódio diminui ainda mais”,
afirmou Tible.
As vozes a pedir a demissão de Moro fizeram
ouvir-se logo após as notícias serem conhecidas. Na segunda-feira, a Ordem dos
Advogados do Brasil emitiu uma recomendação em que pedia o afastamento de Moro
e do procurador Deltan Dallagnol dos seus cargos públicos.
Para Bolsonaro, é possível que exista a tentação
de demitir Moro, um ministro cuja popularidade é superior à
sua, e que muitos até viam como um forte candidato às eleições
presidenciais de 2022. Na mais recente manifestação de apoio ao Governo, Moro
foi caracterizado como um “super-herói”. Porém, mesmo fragilizado Moro não é um
ministro como os outros e perdê-lo poderia ter custos demasiado altos para
Bolsonaro. “O que vincula muito Bolsonaro e Moro é que o Bolsonaro não
existiria sem a Lava-Jato”, diz Jean Tible. Quando se pronunciar,
afirma, o Presidente “terá que encontrar um equilíbrio para saber como se pode
salvar nisso”.
No Governo, Moro recebeu o apoio sólido dos
líderes da ala militar, incluindo do vice-Presidente Hamilton Mourão, que
garantiu que o ministro da Justiça goza “da mais ilibada confiança do
Presidente”. O general Augusto Heleno, responsável pelo Gabinete de Segurança
Institucional, afirmou que o objectivo da divulgação das mensagens é apenas o
de “manchar a imagem” do ex-juiz, enquanto o ministro da Defesa, Fernando
Azevedo e Silva, reafirmou a “total confiança” em Moro.
Esta terça-feira, o ministro disponibilizou-se a
comparecer no dia 19 perante a Comissão de Constituição e Justiça do Senado
para esclarecer a divulgação das mensagens trocadas com Dallagnol. A imprensa
brasileira dava como certa a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito
para se debruçar sobre o caso. No Congresso, os partidos de esquerda garantem
que vão bloquear todas as iniciativas legislativas provenientes do Governo
enquanto Moro continuar como ministro. O chamado “centrão”, composto pelas
bancadas mais numerosas e cruciais para qualquer maioria, ainda não se
pronunciou e está à espera dos próximos desenvolvimentos. A crise poderá
dificultar ainda mais a relação entre o Governo e o Congresso, onde medidas
fundamentais como a reforma do sistema de pensões (Previdência) continuam a
arrastar-se. Jean Tible lembra que o anterior Presidente, Michel Temer, não
conseguiu aprovar a sua proposta de reforma da Previdência depois de terem sido
divulgadas as escutas de uma conversa em que abordava um suborno com o
empresário Joesley Batista. Porém, “a situação económica é muito grave e, por
isso, alguma reforma da Previdência será aprovada”, afirma o politólogo. Nos
próximos tempos, um dos exercícios mentais favoritos em Brasília será
seguramente o de tentar adivinhar as futuras revelações divulgadas pelo The
Intercept.
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