A
situação laboral do jornalista moçambicano, sobretudo, dos órgãos privados e
das Rádios Comunitárias, voltou a ser tema de debate, desta vez num encontro
organizado pelo Sindicato Nacional de Jornalistas (SNJ), em parceria com o
Instituto de Comunicação Social da África Austral, capítulo de Moçambique (MISA-Moçambique),
ainda no âmbito da comemoração dos 40 anos da organização.
Tal
como no dia 11 de Abril, Dia do Jornalista Moçambicano, em que apontou a falta
de contratos de trabalho e os despedimentos arbitrários como alguns dos
problemas que enfermam esta classe profissional, o Secretário-Geral do SNJ,
Eduardo Constantino, retomou o assunto, para criticar, agora, severamente os proprietários
das empresas privadas deste ramo, que os considera de “exploradores”. Numa
comunicação de cerca de 16 minutos, proferida, esta quarta-feira, em Maputo,
num debate sobre a “Situação Laboral e Violações Éticas do Jornalismo”, Eduardo
Constantino recuou no tempo para traçar, de forma detalhada, o quadro negro da profissão,
tendo lamentado também a inércia da Inspecção Geral do Trabalho, a quem acusou
de pouco estar a fazer para resolver o problema, que se arrasta há décadas.
Dirigindo-se
a uma plateia composta por jornalistas, de quase todas as gerações, o
Secretário-Geral do SNJ lembrou que, com o advento da Lei de Imprensa, muitos
profissionais da comunicação social criaram órgãos de informação, num gesto de
louvar e
encorajar, porém, sem se saber que representava uma mudança de paradigma. Constantino
recorda que a maior parte dos proprietários dos órgãos privados de comunicação
social fizeram a sua carreira nos órgãos públicos, onde “tinham uma condição laboral
estável”. “Tinham mínimas condições de trabalho, contratos e salários
condignos, apesar de não serem compatíveis ao tipo de trabalho que envolve o
esforço intelectual. Nos seus anteriores locais de trabalho, sempre se bateram
pelas melhores condições e trabalho e progressão nas suas carreiras profissionais
como uma forma de aumentarem a sua renda”, afirma. Entretanto, afirma
Constantino, quando tudo indicava que seriam bons patrões, a situação tornou-se
pior. “Exploram os seus colegas, particularmente, os jovens jornalistas. Não
criam condições dignas de trabalho”, defende, acrescentando:
“Os chamados
correspondentes dos órgãos, baseados nas províncias, elaboram os seus trabalhos
em bares, restaurantes ou bancos de jardins porque não têm instalações
apropriadas para poderem trabalhar. Passam a vida em boleias para se deslocar
de uma cobertura para a outra. Não celebram contratos de trabalho como o
pessoal que está nas redacções, que é para facilmente correrem com eles.Os que
têm contratos, os mesmos são precários. Contratos que poem o indivíduo numa
situação eterna de estagiário, em flagrante violação da legislação laboral.
Pagam salários de miséria. Muitas vezes abaixo do salário mínimo nacional”. Segundo
aquele jornalista, agora reformado na Rádio Moçambique, aquando da
transformação da Organização Nacional de Jornalistas (ONJ), em Sindicato, em
1996, ficou assente que o salário mínimo seria de três mil meticais (três
milhões, na altura), mas, 22 anos depois, há pessoas que recebem abaixo desse
valor.
“Outros
recebem, de acordo com o número de peças que o órgão publica ao longo do mês,
para não falar dos eternos voluntários que, apesar de cumprirem o seu horário
de trabalho, não recebem nada, como é o caso das Rádios Comunitárias”,
sublinha, antes de revelar a existência de empresas que proíbem os seus jornalistas
de se sindicalizar, como forma de perpetuar esta situação. “É preciso que os
colegas se sindicalizem para combatermos este mal. O jornalismo não se
compadece com o voluntariado”, esclarece. Referir que o pagamento por peça é a
modalidade mais usada por maior parte dos órgãos privados, em particular jornais.
Segundo
Eduardo Constantino, a situação laboral do jornalista moçambicano não se resume
apenas à falta de contratos de trabalho e/ou baixos salários. A fonte diz
também que a maior parte dos profissionais trabalha sem seguro de vida, de
trabalho e de viagem, assim como carecem de assistência médica e medicamentosa.
“Já testemunhamos situações de jornalistas que, quando morrem, mesmo estando em
missão de serviço, a entidade empregadora lhes vira as costas e os familiares
se vêem na situação de mendigar para enterrar o seu ente-querido. Colegas que, em
serviço, quando se envolvem em acidentes de viação, os órgãos pelos quais
trabalham lhes abandonam, em leito hospitalar”, denuncia, para depois destacar
que “estes indivíduos são pessoas que dão o máximo de si para que o órgão, pelo
qual trabalham, conquiste espaço e audiência.Para Constantino, se celebrar um contrato
de trabalho é algo extraordinário, mais impensável será ainda a progressão na
carreira, que não se fala nesta área.“Nunca ouviram falar de carreiras. Não há
carreiras profissionais. Nos órgãos, onde a carreira professional existe, está
praticamente em desuso. Não são observados os critérios (tempo definido para
permanecer numa categoria)”, destaca, questionando “até quando vamos andar nisto?”.
“Se
o órgão tem lucros é graças a esses profissionais, que estão a dar o máximo de
si para que as coisas andem na melhor perfeição. Então, porquê este
tratamento?”, ressalvou. No debate presenciado pelo Director Provincial do
Trabalho, ao nível a Cidade de Maputo, Jafar Buana, o Secretário-Geral do SNJ
criticou também a actuação da Inspecção Geral do Trabalho que nunca puniu nenhuma
empresa, mesmo perante os factos relatados. “A Inspecção age de uma forma educative
e não punitiva, o que faz comque os problemas se arrastem há mais de 15 anos.
Temos um caso, em que um Director foi notificado três vezes a comparecer na
Inspecção-Geral do Trabalho e não o fez e a Inspecção também não fez nada”, sublinha.Por
sua vez, o Director do Trabalho, Emprego e Segurança Social, Jabar Buana,
comparou as empresas jornalísticas
às
de segurança privada, sublinhando que em ambos os casos elas são muitas vezes
dirigidas por profissionais das respectivas áreas.As empresas privadas de
segurança, disse, são dirigidas por antigos militares superiores, que recrutam
antigos subalternos, mas a quem oferecem condições de trabalho precárias.
Para
além da discussão sobre a situação laboral do jornalista, o encontro serviu
também para a apresentação do terceiro Relatório Anual sobre as Violações à
Ética Jornalística, uma iniciativa do MISA-Moçambique. Analisando nove jornais
e uma Rádio, o Relatório, que denuncia os atropelos cometidos entre 1 de
Dezembro de 2016 a 30 de Novembro de 2017, aponta o plágio e a deturpação, assim
como a emissão de juízos de valor, como as transgressões mais frequentes. Nos
três jornais diários analisados (Notícias, O País e Diário de Moçambique), o
Relatório refere que o Plágio ocupa 61,2%, enquanto a ausência do contraditório
segue, em segundo lugar, com 14,8%. A falta de fontes de informação representa 10,8%
e a falta de protecção de fontes de informação reflecte 6,1%. Entretanto, nos
jornais semanários, a deturpação e emissão de juízos de valor representa 48%, a
frente do plágio que ocupa 13,1%. A falta de fontes de informação reflecte
8,5%, enquanto a falta de contraditório representa 7,3%. Referir que, para além
destas categorias, a pesquisa analisou também textos que incitam à violência,
com mentira deliberada e imagens manipuladas.
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