A
colunista do Nocaute Aline Piva conversou com Mark Weisbrot, economista
norte-americano e co-diretor do Centro para Pesquisas Econômicas e de Políticas
Públicas em Washington.
Nocaute - Os Estados Unidos estão envolvidos?
Mark Weisbrot - É
interessante como o papel dos Estados Unidos nunca é discutido na mídia
internacional quando eles falam sobre América Latina. Quer dizer, América
Latina está passando por essa enorme transformação, e se tornou, no século XXI,
mais independente dos Estados Unidos do que foi por 500 anos, e agora está
voltando atrás, de volta ao século XX. E falar dessas mudanças sem os Estados
Unidos é como falar da Ucrânia e não mencionar a Rússia. E é claro que eles
estão envolvidos. É interessante, quando perguntaram isso para o Lula no
Democracy Now, a primeira coisa que ele disse foi “bem, nos levou 40 anos para
descobrir o que os Estados Unidos fizeram no golpe de 1964”, então muito disso
não vai vir à tona. Mas você tem muita evidência, você tem a evidência, claro,
do apoio dos Estados Unidos ao impeachment de Dilma, como falamos
anteriormente, onde eles vieram, por exemplo, Aloízio Nunes, que estava à
frente do Comitê de Relações Internacionais do Brasil, veio aqui dois ou três
dias depois do golpe, e se encontrou com Tom Shannon, o número três no
Departamento de Estado. Há esses encontros e outras coisas, como a coletiva de
John Kerry em frente da Embaixada, em 15 de agosto, com José Serra.
Essas
coisas, e as coisas que ele disse sobre o grande futuro que eles teriam… Há
maneiras de fazerem todos saberem que os Estados Unidos apoiaram o golpe.
Agora, o impeachment – e é claro que eu chamo de golpe -; agora, a segunda
fase, a perseguição a Lula, e aí, você vê, os Estados Unidos estão obviamente
envolvidos nas investigações. O Departamento de Justiça, por exemplo, o
procurador-geral, Kenneth Blanco, ele esteve em uma conferência aqui em julho
de 2017, e ele disse que era “difícil imaginar uma relação mais cooperativa na
história recente” do que aquela entre o Departamento de Justiça dos Estados
Unidos e os procuradores brasileiros. E um pouco mais à frente no mesmo
discurso, ele se vangloriou de como os procuradores do Brasil ganharam um
veredito contrário ao presidente Lula. Então ele está muito feliz com isso, e
ele não está tentando esconder isso nem um pouco. Então eu acho que
precisaremos alguma investigação para descobrir exatamente o que eles fizeram,
mas se você olha para a atitude deles em relação ao Brasil – e nós sabemos que
eles nunca quiseram o PT, todas as coisas que eles fizeram no correr dos anos,
as quais eu só arranhei a superfície, quer dizer, você tem tanta história em
todos os 14 anos dos Partidos dos Trabalhadores, e mesmo quando Lula estava
disputando as eleições em 2002. Então você tem muito motivo aqui, e você tem
oportunidade, porque aqui estão eles, envolvidos na investigação com Sérgio Moro,
e o que eles estão fazendo? Eles estão aí para garantir que seja uma
investigação imparcial? Eu não acho. Eu acho que eles são parte do governo dos
Estados Unidos. E eles estão fazendo o que outras partes do aparato de
segurança dos Estados Unidos, como é chamado, eufemisticamente, está fazendo.
Então sim, eu acho que eles estão envolvidos e eu acho que nós vamos ter mais
evidência. Espero que nós consigamos mais investigação aqui sobre o que eles
estão realmente fazendo.
O
que significa a prisão de Lula para, o Brasil, América Latina e o mundo?
MW - Bom,
eu acredito que, de imediato, a prisão do Lula e o uso do sistema judicial para
impedir que ele concorra à presidência, impedir que o Partido dos Trabalhadores
retorne ao poder – é que eles estão tentando fazer. Eu acho que isso obviamente
tem um efeito terrível em qualquer tipo de democracia. E, claro, não é só a
democracia em abstrato, é o que eles querem fazer com esse poder. Nós vemos o
que a direita está fazendo em termos de cortar gastos sociais, a tentativa de
cortar as aposentadorias, educação. É a agenda usual da direita, de
criminalizar o MST, por exemplo.
Então há isso, e há também parte do que está
acontecendo na América Latina. Tem acontecido essa grande virada à direita e,
como eu disse, a perda da soberania nacional e independência. E aqui você vê os
Estados Unidos usando esses novos governos de direita, que eles ajudaram a
chegar lá – e na Argentina, eles intervieram bastante na Argentina para piorar
os problemas do balanço de pagamentos, bloqueando empréstimos no Banco Mundial,
no Banco Interamericano de Desenvolvimento, e os Estados Unidos retiraram o
apoio a isso depois que Macri assumiu o cargo. E aí você tem o sistema judicial
dos Estados Unidos, como no Brasil, onde o sistema judicial dos Estados Unidos
usado internacionalmente; quando o sistema judicial dos Estados Unidos foi
usado para exacerbar o balanço de pagamentos na Argentina também. A Corte de
Nova Iorque decidiu que os credores da Argentina não poderiam ser pagos até que
os fundos abutres fossem pagos. Então eles fizeram todas essas coisas, e aí,
claro, eles removeram todas as coisas que eles fizeram para a Argentina quando
eles já tinham o governo de direita. E nós poderíamos ir país por país.
Obviamente, Venezuela é o exemplo mais proeminente. Lá nós temos Estados Unidos
abertamente fazendo um chamado para um golpe militar e fazendo tudo que eles
podem para garantir que isso efetivamente aconteça. Eles têm sanções
financeiras contra o país, as quais são ilegais sob a Carta da OEA e outras
convenções internacionais que os Estados Unidos são signatários. E eles estão
tentando estrangular o país economicamente. Eles está até ameaçando com ainda
mais sanções.
E nesse momento, ninguém nem sabe sobre isso porque a mídia quase
não está reportando sobre isso. Eu acho que a Reuters está reportando nos
Estados Unidos, e eles são basicamente os únicos que estão prestando atenção a
isso: os Estados Unidos está realmente tentando impedir que uma eleição
presidencial aconteça, porque eles querem um golpe. Mesmo se um candidato da
oposição ganhe, eles não querem nem tentar a sorte nisso, porque eles querem o
candidato deles. Então esse é o estado a que chegamos quando temos governos de
direita, nem tanto de direita, mas realmente pró-Estados Unidos. Quero dizer,
Brasil, Argentina, Colômbia… Santos foi independente por algum tempo; você
tinha outros governos independentes, e agora todos esses governos se tornaram
subservientes à política externa dos Estados Unidos no hemisfério de maneira que
não haviam sido em décadas. E nós nunca tivemos ninguém como Luis Almagro na
Organização dos Estados Americanos por uma década. Ele tem uma cruzada fanática
contra a Venezuela e ele está até apoiando mais sanções petroleiras contra a
Venezuela. Então isso é algo – e você tem México também, que costumava ter uma
política externa independente que data da Revolução Russa. Eles foram
praticamente o único país que se recusou a cooperar com os Estados Unidos sobre
Cuba depois da Revolução Cubana. E eles estão nos bolsos da política externa
dos Estados Unidos também. Então isso é um grande retrocesso, que os Estados
Unidos usem a terminologia dos mineradores de carvão.Isso é o que sempre eles
quiseram, desde 20 anos atrás, simplesmente se livrar de qualquer governo de
esquerda que você possa. E é isso que eles estão tentando fazer agora.
(Por Miguel do Rosário que
é jornalista e editor do blog O Cafezinho)
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