A par das ameaças veladas que proeminentes
figuras do regime proferiram antes das duas últimas tentativas de assassinato
do líder da oposição, observa-se um esforço nítido de explicar o eventual
desaparecimento físico de Dhlakama como algo inevitável, fatalista, corolário
das leis da natureza, a confirmação do que vem enunciado em textos litúrgicos.
O recurso à Bíblia é feito amiúde em textos publicados na comunicação social do
regime, em género de preâmbulo de homicídio anunciado. O facto terá passado despercebido
ao Conselho Superior da Comunicação Social.
Na última edição do semanário DOMINGO,
Kandiyane Wa Matuva Kandiya, pseudónimo de um G40 vindo do reinado anterior e
que, tal como os demais do grupo, mantém a mesma prosa verrinosa, racista e
xenófoba – o que implicitamente traduz consentimento ao mais alto nível,
expirado que está o período reservado ao arrumar da casa – assinou um artigo de
opinião com sugestivo título, sacado do Livro do Génesis, 3:9: “Somos pó e ao
pó voltaremos”. Diz o autor que “o dia chegará em que simplesmente seremos um
cadáver, depois esqueleto e finalmente Pó, até cairmos no esquecimento de todos
incluindo daqueles que nos foram muito queridos nos nossos dias áureos.” E
acrescenta: “Então, seria bom, enquanto estivermos conscientes, prepararmos um
final condigno para nós próprios do que acabarmos desaparecidos numa mata
desconhecida ou devorados por um incêndio.“ Depois de levantar dúvidas quanto
ao que considera ser “as chamadas ‘Tentativas de Assassínio do Líder’”,
Kandiyane Wa Matuva Kandiya afirma “não entender o que é que um velho
caquéctico e pobre de espírito, com os dias bem contadinhos pode deseja (sic)
senão ficar rodeado da sua família (mulher, filhos netos, noras e amigos) e
gozar os últimos dias na terra que o Senhor seu Deus o deu!”. E remata: “Que o
Diabo se encarregue de cuidar dele!”. Um encontro a dois, portanto, se se
considerar os recentes pronunciamentos do porta-voz oficial da formação
política que tutela o pasquim.
A contrastar, não obstante o cinismo patente
em cada palavra escolhida, no matutino NOTÍCIAS, edição de 28 de Setembro, o
pastor Marcos Efraim Macamo publicou um ”Ensaio para uma carta pastoral
dirigida a Dhlakama”. O Pastor adverte o líder da oposição que tem pela frente
três proféticas saídas: “Nós, os dirigentes religiosos e políticos, muitas vezes
pensamos que somos eternos e que a nossa existência na terra é soberana. Não!
Morreremos, cedo ou tarde vai chegar o dia. Seja por morte natural ou
“artificial” ou mesmo numa emboscada!” E assevera o Pastor: ”Chegará o dia.”
A morte por emboscada e a morte “artificial”
são duas coisas distintas, depreende-se do ensaio do Pastor Macamo que relega
para o leitor a árdua tarefa do enquadramento desse tipo de morte. Será casual,
tomando em consideração a douta tese do pneu que estoira e estilhaça chaparias
de viaturas? Talvez um dia venhamos a saber ao certo, o que à partida se
afigura um caso bicudo quando considerada a tese da penetração
horizontal-vertical de estilhaços, defendida por afamado perito em balística e
que já antes deixara nome na praça como especialista em aeronáutica. Mas a
ciência dos empiristas dá azo a surpresas, podendo muito bem surgir outro
perito, do mesmo calibre, a defender a tese da emboscada por penetração à
missionário. Alertados, os leitores facilmente concluíram que morte “natural”
sugerida pelo prelado insere-se no pagamento de tributo à natureza, como de
forma críptica Chipande e M’tumuke haviam antes anunciado.
E prossegue o Pastor, advertindo o líder da
oposição de que deve abandonar e esquecer a política. Esta, deduz-se, continua
a estar reservada aos melhores filhos do povo: ou eles ou nós. Mas diz Macamo,
num mal disfarçado cinismo, dirigindo-se ao “Amado e prezado irmão no Senhor”:
“Vi-lhe (sic) discursando numa das
universidades do nosso belo país na capital de Sofala e pude “descobrir” outros
dotes naturais de que vós fostes enriquecido a saber: o domínio de conteúdos
académicos, o comando gramatical impressionante, a capacidade de gerir o
pensamento filosófico e disse eu para comigo: que bênção!” Do simulacro, passa
célere o Pastor à normal prática colonial do arranjismo que era – e hoje
persiste, e com a bênção de um auto-proclamado representante do Senhor na terra
– a de se escolherem lugares para as pessoas ao invés de pessoas para os
lugares: “Deus pode usá-lo afinal noutros domínios da existência mais
significativos e dignificantes tal como na academia.” Trocando por miúdos: o
tachismo do púlpito advogado; entre outros ismos, como o bilinguismo a ilustrar
a versatilidade do pastor: “Vós já dissestes tudo quanto lhe corria na alma, já
o fez à força e também duma forma intelectual. ‘Now relax! Please do relax’!”
Refira-se que o Pastor Marcos Efraim Macamo é
secretário-geral do Conselho Cristão de Moçambique, versão eclesiástica de
organização democrática de massas, bastante próximo do poder já desde os tempos
de Isaac Mahlalela. Fazendo tábua rasa das perseguições movidas contra igrejas
e crentes, do confisco de bens de ambos, do devassar e da profanação de templos
e locais de culto, da "solução final" advogada pelo regime para com
conhecida confissão religiosa durante a etapa stalinista do «processo», o
Pastor Macamo revela algo, até agora desconhecido de todos: “Depois da
Independência Nacional, a Igreja continuou oferecendo os seus filhos para
assumirem os papéis de grupos de vigilância; de grupos dinamizadores e ofereceu
quadros da OMM.” E explica: “Sim, falo daquelas carismáticas senhoras da OMM,
oriundas das diversas denominações como sendo católicas e protestantes, as
quais tomaram conta do recado e organizaram o povo. Aquelas carismáticas
senhoras que asseguraram a revolução foram formadas, forjadas e moldadas pela
igreja.” Plagiando o dirigente máximo, o Pastor, agora envergando o hábito de
comissário político, conclui: “Compatriotas! ‘A FRELIMO Ė O POVO – É OU NÃO Ė?’
Somos nós! Ė a própria IGREJA: Falo da Frente de Libertação de Moçambique.”
Escutando-o, um Estêvão Paulo Mirasse ou um
Padre Mateus, arredado do púlpito, um, eliminado sumariamente, outro, mas ambos
pela mesma revolução, certamente que se revolveriam de espanto e indignação nas
campas rasas para onde foram atirados algures nas matas do remoto Niassa.
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