A fúria de Jorge Rebelo na Conferencia da ONJ não
teve nenhum impacto perceptível nas relações de Carlos Cardoso com o Presidente
Samora Machel. Em 1986, Cardoso foi chamado varias vezes ao palácio
presidencial para briefings off the recorde com Machel. Durante estas
conversas, ele ficou com a nítida impressão de que o Presidente era cada vez
mais uma figura solitária. Anos mais tarde Cardoso recordou uma ocasião, quando
Machel o chamou a ele e a Alves Gomes ao palácio. Os pormenores desvaneceram-se
com o tempo mas Cardoso recordou duas frases espantosas usadas pelo Presidente.
“Não tenho estratégia” e “estou perdido”. Mais tarde, Cardoso chegaria a
conclusão de que esta conversa era “mais uma indicação de que, por detrás da
encenação de unidade na direcção da Frelimo, Samora Machel estava completamente
isolado no topo”.
(…)
Machel também perguntou aos jornalistas o que achavam
da situação corrente. “(…) Eu disse ao Presidente que a conclusão que eu tinha
tirado era a de que eles vão mata-lo”. Machel sorriu. Cardoso mal tinha acabado
de falar e ele dizia:” já tentaram. Em Novembro do ano passado (1985), meterem
bazucas em Moçambique para me assassinar. Eu sou o obstáculo. Não tenho
compromisso. Estou limpo”.
(…)
A 15 de Outubro, Carlos Cardoso escreveu o artigo
“Samora: um alvo possível”, no qual ele defendia que, se os militares
sul-africanos levassem a cabo as investidas que ameaçavam, então o próprio
Presidente podia ser um dos alvos”. O artigo foi submetido a revista Tempo para
publicação na edição que sairia justamente a 19 de Outubro. A Tempo amenizou:
não eh especulativo, aterrorizador, alarmista? E não publicou.
(…) Uma das primeiras coisas escritas por Cardoso,
depois da tragédia de Mbuzine, foi uma homenagem a Aquino de Bragança.”O seu
cabelo grisalho contrastava com a juventude das suas ideias e com a permanente
inquietude do seu intelecto. Aquino era um anti-conservador por excelência, não
cabia sequer nas dicotomias fáceis, esquerda-direita,
radical-conservador".
In E Proibido Por Algemas na Palavras. Uma biografia
de Carlos Cardoso| por Paul Fauvet e Marcelo Mosse
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