A Cadeia de Máxima
Segurança abriu os portões para Nini
Satar, colocando em liberdade condicional o mais mediático dos condenados pelo
assassinato do jornalista Carlos Cardoso. É o quinto a beneficiar da medida,
depois de cumprir pouco mais da metade dos 24 anos a que foi sentenciado. Ao
cair da tarde, aceitou uma conversa com o País, numa residência farta de homens
de segurança e vigiada por 20 câmaras. Leia a entrevista na íntegra.
Finalmente saiu da
cadeia. O que fez demorar a sua liberdade condicional, mesmo com o despacho do
juiz?
Quem travou a minha
liberdade foi a procuradora Ana Sheila Marrengula, afecta à décima secção
criminal do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo. Fiquei preocupado porque
sabia que um mandato judicial era para cumprir. E isso vem na Constituição.
O que é que a procuradora
alegou para impedir a sua liberdade condicional?
Ela alegou que a Cadeia
de Máxima Segurança é que tinha que emitir o parecer de comportamento. Mas é
sabido que a Cadeia da B.O já não despacha o atestado de comportamento. A
cadeia da B.O analisa o comportamento do recluso de um regime para outro.
No regime de segurança não há direito a liberdade condicional. Mas quando o
recluso passa para o regime comum, já pode ter liberdade condicional.
E Nini já estava em
regime comum?
No dia 21 de Junho houve
um conselho técnico na B.O onde fui informado que já estava no regime comum. A
mesma direcção dirigiu uma carta ao tribunal a informar ao juiz que eu já
estava em regime comum e que a partir daquele momento tudo que se tratasse da
liberdade condicional seria tratado na Cadeia Central. Dias depois, a Cadeia
Central organiza um conselho onde estiveram presentes sete membros, incluindo o
próprio director da cadeia, o doutor Machaieie. Foi nesse encontro onde
passaram o meu atestado de bom comportamento.
Porquê é que a Cadeia
Central deliberou sobre o seu “bom comportamento” sem uma solicitação nesse
sentido?
Nós solicitamos a
liberdade condicional. O juiz pediu o meu comportamento a B.O. A direcção da
B.O informou ao tribunal que não podia passar o atestado de comportamento. Quem
devia emitir é a Cadeia Central. Esperamos algum tempo e a Cadeia Central tomou
a iniciativa de mandar o atestado de bom comportamento ao tribunal. E o juiz
despachou favoravelmente a meu respeito, que me concedesse a liberdade
condicional. O mais estranho é que a procuradora Ana Sheila sabe disso tudo.
Ela pessoalmente já despachou mais de 150 processos de liberdade condicional
vindos da Cadeia Central, que é o mesmo modelo que usamos nestes últimos anos.
Admira-me porquê é que ela só contestou quando foi da minha vez.
Quando soube que a sua
liberdade condicional estava a ser contestada pelo Ministério Público?
Tive informações na
quarta-feira de que quando ela (procuradora) soube que o juiz tinha despachado
favoravelmente a minha liberdade condicional, informou a cadeia para não me
soltar, porque havia irregularidades processuais. Soube também que ela chamou o
director da Cadeia Central à Procuradoria para procurar saber quais os trâmites
da liberdade condicional. O director da cadeia informou que todo o processo
estava correcto. Mas mesmo assim, ontem, pelas 15 horas, ela (Procuradora)
interpôs um recurso de agravo e pediu efeitos suspensivos da minha liberdade
condicional.
Vicente Ramaya e o seu
irmão tiveram liberdade condicional e acabaram mortos a tiro. Não teme pela sua
segurança?
Eu sou empresário e tenho
a minha segurança. Eu sei como me cuidar. Isso tudo que aconteceu, a
procuradora-geral da República já tem conhecimento dos responsáveis da morte de
Vicente Ramaya. São cidadãos paquistaneses que andam a matar nossos
concidadãos.
Pelo riscos de vida que
pode correr, não pensa em sair do país?
Toda a liberdade
condicional tem uma imposição. Mas eu não estou proibido de nada. Posso
apresentar uma argumentação, posso viajar, dependente do juiz.
Como assim?
Eu não pretendo sair de
Moçambique. Se quisesse sai de Moçambique teria fugido da prisão já há muito
tempo. Fiquei 13 anos e meio na prisão.
Tinha possibilidades de
fuga da B.O?
Possibilidades, digamos
que não havia. Mas um recluso que quer fugir pode encontrar mecanismos. E você
sabe que eu fiquei 13 anos e meio, tenho possibilidades financeiras, podia ter
fugido. Se fugiram muitos, também podia ter fugido. Sou moçambicano, nasci
aqui, este é o meu país.
Falou de seguranças, quer
dizer que de hoje (ontem) em diante os seus movimentos serão permanentemente
vigiados. Não saiu com liberdade total…
Olha, eu sou empresário e
tenho seguros da minha vida em várias seguradoras. As empresas seguradoras,
quando aperceberam-se de que eu submeti um pedido de liberdade condicional,
ficaram preocupadas e organizaram segurança para mim. Temos cerca de 25
seguranças estrangeiros e 20 moçambicanos que estão a trabalhar comigo.
A partir da cadeia da
B.O, expediu várias cartas à Polícia sobre raptos. Como é que conseguia obter
informações do exterior?
Eu fui transferido
injustamente para as celas do Comando da Cidade, alegando-se que eu estava
envolvido nos raptos. Fiquei 18 meses incomunicável, sem saber se era dia ou
noite. Houve 45 raptos nas cidades de Maputo e Matola. Quando tive comecei a
ter chance de ter banho de sol, havia reclusos no Comando. Comecei a investigar
quem estaria por detrás dos raptos. Comprei informações e fui ajudando a
Polícia. E em estreita colaboração com a Polícia, conseguimos prender mais de
30 raptores, foram julgados e estão a cumprir penas.
Consta que mandava raptar
empresários que tinham dívidas consigo e que não mostravam interesse em
liquidar…
Nós fizemos negócios
antes da minha reclusão e as pessoas não pagaram-me. São pessoas que decretaram
falência e eu já perdoei essas pessoas. São coisas muito antigas e que nem
quero lembrar.
No despacho de soltura do
juiz Adérito Malhope, lê-se, entre outras coisas, que Nini Satar arrepende-se
dos factos cometidos. Só arrepende-se quem reconhece que errou…
Isso é uma expressão que
vem lá. Não vou falar muito do processo Carlos Cardoso. Vou deixar ao critério
das pessoas. O processo foi julgado em 2002 e foi o único julgamento que teve a
transmissão em directo na televisão. Tenho a certeza de que todo o Moçambique
estava a assistir. Tenho também a certeza de que dos 22 milhões de habitantes
que tínhamos em Moçambique, pelo menos 50 ou 60% assistiram ao julgamento. E
tiraram as suas conclusões se eu era ou não culpado. E via-se claramente que
aquele julgamento estava a ser orientado politicamente.
Durante o julgamento
chamou a atenção do mundo tratou 10 mil dólares por “quantias irrisórias”. E
ficou conhecido como o “menino das quantias irrisórias”. Sente-se o mesmo Nini
de há 12 anos?
Entrei na cadeia com 25
anos. Muito jovem. Garanto que sou o mesmo Nini dos seus 25 anos. Eu considero
que apanhei uma injecção e a minha vida ficou interrompida. E hoje apareceu um
outro médico, aplicou-me outra injecção e ressuscitou-me. Continuo o jovem dos
25 anos.
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