A
quantidade de VIH “adormecidos” — mas em perfeito estado de funcionamento se
forem “acordados” — que se esconde no organismo de uma pessoa infectada pelo
vírus do Sida é muitíssimo maior do que os peritos imaginavam até aqui, revela
um estudo experimental que durou três anos e cujos resultados são publicados
esta quinta-feira, na revista Cell, por uma equipa de cientistas
norte-americanos. As actuais terapias antirretrovirais conseguem travar a
replicação do VIH, reduzindo a chamada quantidade de vírus em circulação para
níveis quase indetectáveis. Mas sabe-se que subsistem sempre redutos de vírus
latentes, inactivos, dentro das células imunitárias humanas, inacessíveis ao
tratamento e que é por isso que a infecção pode reacender-se se o tratamento
for interrompido. Esses vírus latentes são essencialmente genomas do VIH
inseridos dentro do ADN dos linfócitos T, as células imunitárias que constituem
o alvo preferencial do vírus do sida, diz o estudo citado pelo diário 'Público'.
Até aqui, os especialistas pensavam, por um lado, que a maioria desses vírus
inactivos tinha mutações genéticas que os tornavam incapazes de formar vírus
infectantes; e, por outro, que seria possível obrigar esses vírus inactivos,
através de uma espécie de “tratamento de choque”, a sair dos seus
“esconderijos” para serem por sua vez eliminados até ao último.Porém,
resultados recentes já sugeriam que, quando este tipo de tratamento de choque
experimental é aplicado a células imunitárias humanas in vitro, menos de 1% dos
vírus inactivos são de facto induzidos a abandonar o seu esconderijo.Foram
estas dúvidas quanto à eficácia desta potencial abordagem terapêutica, considerada
promissora para extirpar definitivamente o VIH do organismo humano, que levou a
equipa de Robert Siliciano, da Universidade Johns Hopkins, a analisar mais
finamente as características dessa esmagadora maioria de vírus dormentes.
Diga-se de passagem que Siliciano foi o primeiro a demonstrar, em 1995, a
existência de reservatórios virais latentes nas células do sistema imunitário
humano.Para realizar o estudo, os cientistas sequenciaram na íntegra os genomas
de 213 vírus inactivos provenientes de oito pessoas infectadas pelo VIH. E
descobriram que 25 desses genomas (ou seja, 12% do total) ainda eram
perfeitamente funcionais — ou seja, capazes de replicar o seu material genético
e de formar novas partículas virais susceptíveis de atacar outras células
imunitárias, perpetuando a infecção.
“Os nossos resultados sugerem que há uma quantidade muito maior de vírus
inactivos que merecem a nossa preocupação do que pensávamos”, diz Siliciano em
comunicado. “E é claro que mostram que encontrar uma cura do VIH vai ser muito
mais difícil do que pensávamos e esperávamos. Mas isso não significa que não
exista uma solução; significa que precisamos de ter uma ideia ainda mais
precisa da dimensão do problema.” E a dimensão do problema é grande: os autores
pensam que o reservatório viral “escondido” poderá ser até 60 vezes maior do
que anteriormente estimado. Ainda não sabem o que poderá levar à reactivacção
dos vírus dormentes, mas essa será, afirmam, uma das próximas etapas do seu
trabalho.Embora esta notícia seja desalentadora, pode ter um lado positivo,
dizem os autores, porque vai obrigar os especialistas a melhorar os seus
métodos de detecção dos vírus inactivos — um dos aspectos mais problemáticos de
qualquer ensaio clínico destinado a testar a eficácia de uma estratégia de
erradicação do VIH.
“Gostaríamos de utilizar estes resultados para desenvolver maneiras mais
precisas de medir o reservatório de vírus latentes nos participantes em futuros
ensaios clínicos de potenciais estratégias curativas”, frisa Siliciano.
“Pensamos que a nossa análise pode contribuir para os esforços de erradicação
do VIH.”E não apenas para estimular o desenvolvimento de uma nova geração de
medicamentos anti-HIV realmente capazes de erradicar o vírus, mas também para
relançar a procura de abordagens de erradicação alternativas, tais como vacinas
terapêuticas, capazes de fazer com que o próprio sistema imunitário das pessoas
infectadas consiga atacar e eliminar definitivamente o vírus.
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