Daniel Macamo dorme hoje no interior do camião da empresa para a
qual trabalha à beira da estrada de Chehaquelane, principal centro de
refugiados no sul de Moçambique, depois de perder a casa com as cheias
que assolam o país. Enquanto não regressa ao trabalho, o camionista de
profissão espera, num pequeno arbusto, pelo abrandamento da água de chuva
que invadiu a sua propriedade na região de Chókwé, para retomar a sua vida
normal. A situação "vai levar, pelo menos, dois meses", diz
convicto, quando questionado sobre o tempo necessário para que o nível da
água baixe na sua zona de origem. Ao lado de uma tenda, onde uma mulher arruma
bacias e roupas que sobraram das enxurradas, Daniel Macamo contempla o
movimento de carros, mas parece estar mais atento aos seus dois veículos
parados no meio da mata, um dos quais já avariado, na sequência da chuva
de 15 de janeiro."Tinha duas carrinhas, mas todas entraram na água. Uma
está a andar, mas outra não", conta Daniel Macamo, sentando numa
cadeira plástica, um dos poucos bens que as cheias não arrastaram. A
eventual queda de chuva também é que mais o preocupa, porque esta pode
estragar tudo resto. "Nem dá para
dormir. Só se dorme no chão. Esteira e cama, tudo está na água. Todas as
coisas que ficaram em casa estão estragadas", diz sobre a situação de
milhares de pessoas que se encontram ao longo da estrada que liga Chókwé
a Lionde. Na região de Chihaquelane está montado o maior centro de
refugiado das cheias, com 140 mil famílias, que diariamente têm de lutar por um novo tipo de
vida que parece não ter fim à vista. E alguns já admitem voltar às suas antigas
residências. "Para apanhar água é difícil. Há tanque de camião que
passa com água para distribuir a população. Quando acaba fica-se dois ou
três dias à espera do novo abastecimento. A água só dá para tomar banho
uma vez por dia", refere Daniel Macamo. De resto, conseguir tendas, água e comida constitui agora
principal luta de milhares de pessoas que estão lá albergadas, tal como
Lázaro Filimão que se queixa de "dormir de qualquer maneira" e
nem sabe quando terá uma tenda. Enquanto isso, vai dependendo da boa vontade
das outras vítimas das cheias para partilhar tenda. "Porque a
relação daqui é feita de conhecidos. Muitas pessoas nesta rua estão à
rasca. Quando chove molham, principalmente as crianças, que também dormem
fora, com mosquito. Dizem que vão dar tenda, mas são muitas pessoas. Durmo
de qualquer maneira", refere Lázaro. O administrador do Chókwé,
Alberto Libombo, afirma à Lusa que as autoridades reconhecem essa
situação, mas, garante, "os responsáveis dos bairros ainda estão a
fazer o levantamento do número de famílias sem tendas". "Hoje
vamos iniciar a distribuição de cinco mil talhões", assegura Alberto Libombo. O
governo de Chókwé iniciou um processo de parcelamento de novos lotes de
terrenos numa zona alta. "Neste momento, o Conselho Municipal foi
orientado no sentido de evitar mais parcelamento de talhões na zona da cidade
baixa, porque não queremos que se repita uma situação destas, para não se criarem mais centros de
acomodação. Não é fácil gerir mais de 70 mil pessoas, que vivem em
condições não muito boas", afirma o dirigente distrital.
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