segunda-feira, outubro 10, 2011

Angola sem José Eduardo dos Santos?

Nos países democráticos não há seguros de vida para os políticos. Todos eles, por mais brilhantes, vivem um ciclo: depois do apogeu vem a queda. No regime de Angola, José Eduardo dos Santos tenta escapar a essa inevitabilidade, depois de 32 anos no poder. No quadro das eleições legislativas naquele país que vão ter lugar em 2012, e das manifestações recentes em Luanda tem-se discutido a saída de um dos ditadores mais longevos de África. Que hipóteses existem de isso vir a acontecer?

A evolução política do país tem sido de tal forma "um sucesso" para este ditador, que na Angola de hoje, José Eduardo dos Santos pode dizer: "L'Etat c'est moi". Ele é o MPLA e o MPLA é o Estado.

Há dias percebi como se fazem debates políticos em Angola. Perante uma minha crítica da falta de evolução pluralista de Angola, um funcionário da Nações Unidas angolano explicou-me: houve uma guerra civil em Angola onde morreram muitos angolanos, logo e acima de tudo, é importante preservar a paz.

É verdade que o país viveu uma guerra civil dilacerante que só terminou em 2002 e onde terão perdido a vida cerca de um milhão de pessoas. Desde então o MPLA tem conseguido assegurar a paz e a estabilidade política. Mas colocar a questão da liberalização política nestes termos é falacioso: para o meu interlocutor defender o fim da era Eduardo dos Santos equivale a ser a favor do retomar da guerra civil.
A partir daqui, todo o autoritarismo e monopolização do poder em Angola se justifica, bem como a inevitabilidade da manutenção do Presidente no poder.

Do ponto de vista constitucional, as coisas também sorriem para o Presidente angolano: uma revisão constitucional em 2010 acabou com a eleição directa do chefe de Estado, passando o Presidente a ser o chefe do partido mais votado nas legislativas. Tendo em conta que nas últimas eleições o MPLA venceu mais de 80% dos assentos parlamentares, o predomínio do partido é total e assegura a quem quer que seja o seu líder a Presidência do país.

Finalmente, a internacionalização da economia de Angola desde o fim da guerra não tem servido para pressionar o poder político no sentido da liberalização. Os rendimentos do petróleo angolano têm ditado um relacionamento de petro-arrogância por parte do poder político. Depois, a estratégia de internacionalização da economia Angolana tem sido centralizada, fazendo com que todos, ou quase todos os agentes económicos estrangeiros em Angola precisem de parceiros angolanos com ligações estreitas ao Presidente, o que o torna ainda mais resiliente no poder.

Além disso, a entrada em cena de países não-membros da OCDE como fortíssimos parceiros económicos que não têm qualquer agenda política liberal, desvaloriza a importância dessa agenda para o "status quo" angolano. O caso da China é o mais falado, mas o Brasil também tem sido adepto de não tentar avançar com uma agenda liberalizadora nas suas relações externas.

Já vemos que todos os factores políticos, constitucionais e económicos favorecem a manutenção de José Eduardo dos Santos no poder. Se decidir sair antes das eleições de 2012, será menos por pressão interna do que por decisão própria. Mas, talvez mais importante do que isso é perguntar - fará alguma diferença para a vida em Angola? Alguns activistas, como por exemplo Rafael Marques, consideram que "José Eduardo dos Santos é hoje o problema principal de Angola" (Público 25 Setembro 2011).

Concordo que a substituição pacífica de José Eduardo dos Santos seria certamente um bom começo para a vida política daquele país. Mas a experiência da democratização africana, nomeadamente a da África do Sul ou de Moçambique mostra que os sistemas partidários únicos tendem naturalmente a preservar-se, para lá deste ou daquele líder. A centralização do poder em Angola é personalizada e arbitrária, sim. Mas também está institucionalizada de um ponto de vista económico, constitucional e partidário criando legados institucionais difíceis de ultrapassar.

Por Marina Costa Lobo / Politóloga
Jornal de Negócios

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