Poeta e político
moçambicano, Marcelino dos Santos, ou Kalungano ou Lilinho Micaia como era
conhecido, nasceu em 1929, no Lumbo ,na província de Nampula.
Desde muito jovem
Marcelino abraça a causa do nacionalismo moçambicano e da Luta contra o
colonialismo e o fascismo: dá provas disso ainda em Moçambique e depois na sua
passagem por Lisboa (1948 – 1951), onde se destaca na Casa dos Estudantes do
Império e no Centro de Estudos Africanos.Perseguido pela PIDE, por causa das
suas actividades políticas e para escapar à prisão, acabou por ter de abandonar
Portugal, por volta de 1951, partindo para França. Aí aprofundou a sua amizade
com Mário Pinto de Andrade e participou com este, em muitas acções contra o
colonialismo.
Em França estabeleceu
relações de amizade e camaradagem com quase todos os dirigentes dos Partidos
das antigas colónias francesas de África que levaram os seus países à
Independência. Participou em várias reuniões internacionais da Juventude onde
denunciou os crimes do colonialismo português e defendeu a causa da
Independência Nacional e da Libertação das colónias. Teve um papel
preponderante na mobilização de muitos intelectuais franceses, que escreveram a
Salazar a exigir-lhe a Independência para as colónias e a libertação imediata
de Agostinho Neto, que estava preso. Esta carta acabou por ter influência, pois
Neto acabou por ser liberto, enquanto os outros coacusados cumpriram longas
penas de prisão.
Juntamente com Mário
Pinto de Andrade, Amílcar Cabral e Aquino de Bragança, teve um papel muito
importante na criação da CONCP (em 20 de Abril de 1961) e em convencer o Rei
Hassan II, de Marrocos, a apoiar a Luta de Libertação das Colónias Portuguesas,
aceitando o estabelecimento da CONCP em Rabat e apoiando-a política,
diplomática, material e financeiramente. Desse modo, foi nomeado Secretário
Geral da CONCP. Nas vésperas da Conferência Constitutiva da CONCP, quando
tomou conhecimento da criação da UDENAMO, através duma conferência de imprensa,
em Dar-es-Salaam, feita por Adelino Guambe, mandou-lhe imediatamente um convite
e este ainda veio a tempo de participar nesta I Conferência da CONCP. A
CONCP teve uma grande importância, porque foi uma maneira de fazer uma frente
única dos oprimidos, contra o colonialismo português. Umas das técnicas do
salazarismo era tentar dividir para reinar e o estado de desenvolvimento das
lutas de libertação nos diversos países era diferente, o que era propício à
divisão. Marcelino dos Santos foi a figura de proa desta frente unida dos
Movimentos de Libertação e dos povos das colónias portuguesas. Sempre que, na
opinião pública internacional, surgiu uma dúvida sobre a unidade dos Movimentos
de Libertação Nacional, a CONCP sempre apareceu, no momento oportuno, a mostrar
que essa unidade era real e efectiva.
Em Marrocos, Guambe
convidou Marcelino para ser o Chefe do Departamento das Relações Exteriores da
UDENAMO e também o convidou para ir visitar a sede da UDENAMO, em
Dar-es-Salaam. Aí, Marcelino constatou que a UDENAMO não tinha estatutos e
escreveu os estatutos da UDENAMO. Em 1962, Marcelino dos Santos voltou a
escrever os Estatutos da FRELIMO, que são uma adaptação e um rearranjo dos da
UDENAMO. Como Chefe do Departamento das Relações Exteriores da UDENAMO, usando
todo o prestígio internacional que já tinha granjeado, colocou a UDENAMO no mapa
político mundial. Juntamente com Aquino de Bragança, Marcelino teve um
papel relevante em convencer o Primeiro-Ministro, da União Indiana, Jawaharlal
Nehru a fazer a ocupação das Possessões Portuguesas na Índia, pelas Forças
Armadas da União Indiana.
Salazar apregoava a
unicidade, indivisibilidade e inviolabilidade do Império Colonial Português,
mais tarde baptizado «Ultramar Português». Os dirigentes da CONCP consideravam
necessário que o Império Colonial Português explodisse num sítio qualquer.
Consideravam que isso seria uma ajuda para a luta de todos os povos das
colónias portuguesas. Uma primeira tentativa tinha sido feita, em 1960, para
convencer o governo do Daomé (actual Benim), para expulsarem o administrador
português e seu pessoal, da feitoria de São João Baptista de Ajudá e assim, se
demonstrar, ao mundo, que o Império Colonial Português se começava a
desagregar. Com Mário de Andrade, Marcelino foi o grande protagonista desta
iniciativa.
As autoridades do Daomé
acolheram esta iniciativa e intimaram os ocupantes portugueses do forte, a
abandoná-lo, tendo o administrador e seus colaboradores sido expulsos do Daomé.
A ideia era de fazer uma campanha mediática a mostrar que o Império Colonial
Português, se começava a desagregar, mas isso não foi conseguido, como era
desejado. A Feitoria de São João Baptista de Ajudá era muito pequena, não tinha
qualquer valor económico ou social; unicamente valor histórico para o povo do
Daomé. A ocupação deu-se de forma pacífica. A imprensa internacional não achou
a notícia de interesse.
Mas os dirigentes da
CONCP, não desistiram.
Desde a
Independência da União Indiana, em 1947, que a União Indiana reivindicava a
soberania sobre estes territórios sob administração portuguesa (Goa, Damão e Diu
e os enclaves de Dadrá e Nagar-Aveli) e desde 1954, que o Primeiro-Ministro, da
União Indiana, Jawaharlal Nehru, ameaçou de utilizar as forças armadas para
recuperar a soberania sobre essas possessões. O Representante da Índia nas
Nações Unidas (Krishna Menon) voltou a fazer idênticas ameaças, mas tudo não
passava de ameaças.
Em 1961, quando foi
criada a CONCP, Krishna Menon já era Ministro da Defesa da União Indiana.
A libertação de Goa,
Damão, Diu, Dadrá e Nagar-Aveli pelas forças armadas indianas teve grande
impacto no movimento nacionalista, em Moçambique. Outro aspecto que nunca
podemos esquecer é a colaboração de Marcelino dos Santos, com Mondlane, na
construção e manutenção da Unidade Nacional. Quero deixar aqui bem claro que o
verdadeiro Arquitecto da Unidade Nacional é, de facto, Eduardo Mondlane, mas,
sem dúvida nenhuma, teve em Marcelino dos Santos o mais importante adjunto
nessa tarefa hercúlea..Para que a unidade acontecesse e, mais importante ainda,
para que essa unidade se consolidasse, se mantivesse e não viesse a ser
destruída, foi um trabalho muito difícil. Mondlane encontrou sempre em
Marcelino dos Santos o colaborador muito dedicado, a esse tão importante
objectivo.
10.2. Muitos não sabem e
outros sabem, mas deturpam: a preceder a reunião constitutiva da FRELIMO, em
Junho de 1962, em Dar-es-Salaam, houve uma outra reunião, em Acra, que foi
realizada à margem da «All Freedom Fighters Conference», que se realizou de 31
de Maio a 02 de Junho de 1962. Marcelino dos Santos participou, nessa
Conferência, em tanto que Secretário-Geral da CONCP, mas levava a incumbência
de Mondlane, que não pôde participar nesta reunião, de tudo fazer, para que os
dirigentes da UDENAMO e da MANU cumprissem, o que tinha sido previamente
acordado, isto é, que assinassem um memorando de entendimento de que, aceitavam
o princípio da UNIDADE e que iriam trabalhar para a unidade.
Krumah e Nyerere tinham
muitas divergências, mas é muito menos conhecido que eles tinham alguns pontos
de acordo. Era absolutamente necessário que se lutasse, usando a via
armada, já que Portugal já tinha dado provas cabais de que não queria
negociações, nem queria conceder a Independência.
10.3.2. Os dois percebiam
que aqueles Movimentos de Libertação de Moçambique eram fracos, não tinham uma
rede de militantes no interior do país e as suas lideranças, não tinham a
capacidade política, nem académica, para conduzir a luta. Era preciso uma
reformulação profunda da Luta de Libertação em Moçambique, com a fusão dos
partidos existentes e era preciso fazer surgir uma nova liderança, mais
instruída e com capacidade e visão políticas. Aos olhos de ambos (Krumah e
Nyerere), Eduardo Mondlane e Marcelino dos Santos eram a solução para uma nova
liderança dum partido unificado.
Marcelino teve um
importante papel na criação do Departamento de Organização Política e
Ideológica da FRELIMO, na sequência das decisões do Comité Central da FRELIMO
de Outubro de 1966, no sentido de que era «necessário intensificar a formação
de quadros para as tarefas de acção política armada, assim como a formação de
quadros necessários para as tarefas de construção nacional, em particular, as
da produção». Marcelino foi designado para chefiar este Departamento. Se
até aí Marcelino tinha sido um elemento chave em todo o processo da Luta de
Libertação de Moçambique e tinha tido um papel extraordinariamente marcante, em
elevar o prestígio exterior da organização e do seu programa de acção para a
libertação total do homem moçambicano, dignificando sempre a nossa Pátria em
todos os «fora» internacionais, a partir daí Marcelino intensificou esse seu
papel de elemento chave e orientador na Direcção da Luta de Libertação
Nacional. A sua transferência da Chefia das Relações Exteriores para a
Chefia do novo Departamento de Orientação Política foi, de facto, a consagração
do reconhecimento da necessidade que a FRELIMO tinha da sua experiência, no
plano interno. Com efeito, nessa altura e, em grande parte graças a Marcelino,
o prestígio externo estava consolidado e era necessário realizar um grande
trabalho de orientação política dos militantes e mesmo dos dirigentes.
Foi essa
pesada tarefa que lhe foi confiada. E ele meteu mãos à obra com sucesso. A
sua posição também se consolidou cada vez mais, pela sua ponderação, pela sua
grande experiência política, pela sua constante defesa das posições justas,
pela sua extraordinária dedicação e engajamento à causa popular. Ele tornou-se,
no plano interno, uma referência, aquele a quem todos nós nos dirigíamos quando
precisávamos de um conselho ou uma orientação e donde sempre saímos, não só
esclarecidos e mais confiantes em nós próprios, mas também confortados com uma
palavra amiga.
15. Em 1 de Julho de
1970, o Papa Paulo VI recebeu em audiência, Agostinho Neto (MPLA), Amílcar
Cabral (PAIGC) e Marcelino dos Santos (FRELIMO), no termo da “Conferência
Internacional de Solidariedade com os Povos das Colónias Portuguesas”,
realizada em Roma. Esta audiência foi um dos momentos mais altos do sucesso da
CONCP. O gesto do Papa Paulo VI teve um enorme clamor mediático. O Papa quis
corrigir a má impressão na opinião pública internacional, incluindo dos
católicos de todo o mundo, da tão estreita associação da Igreja Católica
portuguesa com o colonialismo português, que, em 1970, já estava sobre grande
crítica internacional, nas Nações Unidas.
16. Não poderia terminar
este comentário sobre este grande homem contemporâneo, sem sublinhar a sua
modéstia e sua falta de ambição pessoal. Marcelino sempre foi correcto para os
líderes com quem conviveu de tão perto, sempre os respeitou e sempre pautou
pela honestidade. É de todos os dirigentes políticos que conheci, o que mais
respeito sempre teve pelas estruturas em que se integrou e pelas decisões
colectivamente tomadas..Marcelino foi sempre um individuo de uma afabilidade
extraordinária. Era capaz de se relacionar com toda a gente, desse os
intelectuais, ao povo, aos estrangeiros que se relacionavam com a FRELIMO e,
depois da Independência, com o seu Ministério, que também era responsável da
cooperação internacional e aos empresários e quadros que vinham tratar de
relações económicas.
18. Marcelino sempre foi
e mantêm-se ainda hoje, uma referência ideológica, um indivíduo de um bom senso
ideológico; só falava no fim e falava bem. Porque apreendia tudo aquilo que as
pessoas diziam e foi sempre um homem dedicado ao povo e à causa popular. Mas
sobre o Marcelino dos Santos no pós-Independência muitas outras pessoas podem
testemunhar. Finalmente Marcelino foi poeta. É considerado um dos mais
insignes autores da poesia de combate. Os seus textos, assinados com os
pseudónimos de Lilinho Micaia e Kalungano, inspiraram várias gerações de
escritores. Com estes pseudónimos tem poemas seus publicados no Brado Africano
e em duas antologias publicadas pela Casa dos Estudantes do Império, em Lisboa.
Com o seu verdadeiro nome, tem um único livro publicado pela Associação dos
Escritores Moçambicanos, em 1987, intitulado “Canto do Amor Natural”.
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