Steve Jobs, Bill
Gates, Michael Dell e o próprio Mark Zuckerberg, fundadores de gigantes
tecnológicos como a Apple, Microsoft, Dell e Facebook, não concluíram as suas
licenciaturas. Não será por isso de estranhar que as empresas que lideram se
destaquem no panorama internacional como precursoras de um modelo de
recrutamento que privilegia o potencial de desenvolvimento dos candidatos
dentro da empresa, em detrimento do seu grau de formação. Um movimento que está
a crescer alicerçado na escassez de talento que tem dificultado a vida às
empresas em todo o mundo. Sem profissionais disponíveis no mercado com as
qualificações necessárias para suprir as suas necessidades de contratação, as
organizações preferem contratar perfis sem formação superior e qualificá-los internamente.
São já várias a
adotar esta prática. A plataforma internacional de recrutamento Glassdoor
divulgou recentemente uma lista de 15 empresas de topo onde para entrar o
canudo não é determinante. A lista inclui tecnológicas de topo como as já
mencionadas, mas também outras como a Google, IBM, Ernst & Young (EY) e o
próprio Bank of America. Não, não está em marcha um movimento global de
desvalorização da formação superior. As empresas vão continuar a contratar
candidatos cuja experiência e competências melhor se adequem à função. Muitos
dos que serão contratados terão formação superior, mas os que não a tenham não
serão automaticamente excluídos, como sucedeu num elevado número de
organizações durante as últimas décadas, desde que a licenciatura foi
banalizada como requisito mínimo de acesso a funções qualificadas no mercado de
trabalho.
Portugal ainda está a
anos-luz das práticas internacionais nesta matéria, mas os especialistas de
recrutamento contactados pelo Expresso reconhecem que, também por cá, a
aproximação a um cenário de pleno emprego e a escassez de talento persistente
em sectores estratégicos, como o tecnológico ou o industrial, está a levar os
empregadores a olhar noutras direções. Como consequência, em muitas carreiras
onde a formação superior não é determinante, embora sejam necessárias sólidas
competências técnicas e profissionalizantes, os salários estão a tornar-se mais
competitivos.
Carreiras técnicas a
emergir
O Expresso tomou como
referência a remuneração média mensal base nacional, €943 (em valores brutos),
para identificar no mercado um conjunto de carreiras que, sem exigência de
formação superior, praticassem remunerações acima desse valor (ver quadro em
baixo). A compilação, realizada com o apoio das consultoras de recrutamento
Hays e Michael Page (ambas focadas em perfis técnicos e qualificados), não
traduz o levantamento exaustivo das oportunidades disponíveis no mercado para
profissionais sem licenciatura, até porque a informação salarial para percursos
de formação profissionalizante escasseia, admitem os especialistas. É antes um
levantamento de áreas que registam alguma dinâmica de recrutamento ou carência
de profissionais.
Mário Rocha, diretor
da Hays, fala numa mudança do mercado que é ainda tímida, mas reconhece que as
empresas estão a ficar progressivamente menos “apegadas” à formação superior
enquanto requisito crítico para o recrutamento. Mas destaca que “isto não
acontece em todas as funções”. Sílvia Nunes, diretora da Michael Page,
corrobora a afirmação reforçando que “esta não é uma prática generalizada no
mercado” mas, acrescenta, “há cada vez mais funções na área tecnológica onde —
face a uma enorme escassez de talento e o mercado de alguma forma invertido —,
se os profissionais tiverem boas competências na tecnologia que vão trabalhar,
as empresas poderão deixar de lado a licenciatura e contratar”.
Sempre e quando
exista escassez de recursos humanos, as empresas terão de prescindir de alguns
requisitos para conseguirem contratar. E a lista compilada demonstra que são
várias as carreiras técnicas que na área da indústria estão hoje mais
valorizadas em termos salariais do que foram no passado. “Técnicos de
manutenção industrial e eletrónica industrial ou até eletricistas são exemplos
de carreiras técnicas onde os salários subiram nos últimos anos”, explica Mário
Rocha. O especialista recorda que o sector industrial é, a par com o
tecnológico, um dos que mais pode dinamizar esta revolução das qualificações,
já que “temos muito mais tecnologia mas continuamos a necessitar de capital
humano que a opere e esse capital está a ser difícil de contratar”.
O diretor da Hays reconhece
que as empresas estão a voltar a olhar para perfis técnicos mais tradicionais e
altamente especializados — costureiras, modistas, eletricistas, carpinteiros,
serralheiros, soldadores — e a valorizá-los salarialmente, mas mesmo com esta
valorização os jovens continuam a não considerar estas carreiras como opções de
futuro. “Este é um dos grandes desafios das empresas do ramo da indústria para
os próximos anos, já que a sua população empregada está a envelhecer e não há
renovação de quadros.”
Há mais oportunidades
e mais aliciantes a nível salarial a surgirem no mercado para profissionais sem
licenciatura, mas a qualificação superior ainda é garantia para salários
superiores e maior empregabilidade. Num estudo recente, a OCDE revela que 81%
dos jovens entre os 25 e os 34 anos que estudaram além do ensino secundário
estavam empregados, em comparação com 60% que ficaram por este nível de ensino.
Ainda assim, o especialista da Hays acredita que à medida que o país se
aproxima dos níveis de desemprego estruturais, as empresas terão de se tornar
mais flexíveis nos seus requisitos de contratação.
0 comments:
Enviar um comentário