quinta-feira, fevereiro 21, 2019

Licenciaturas menos determinantes


Steve Jobs, Bill Gates, Michael Dell e o próprio Mark Zuckerberg, fundadores de gigantes tecnológicos como a Apple, Microsoft, Dell e Facebook, não concluíram as suas licenciaturas. Não será por isso de estranhar que as empresas que lideram se destaquem no panorama internacional como precursoras de um modelo de recrutamento que privilegia o potencial de desenvolvimento dos candidatos dentro da empresa, em detrimento do seu grau de formação. Um movimento que está a crescer alicerçado na escassez de talento que tem dificultado a vida às empresas em todo o mundo. Sem profissionais disponíveis no mercado com as qualificações necessárias para suprir as suas necessidades de contratação, as organizações preferem contratar perfis sem formação superior e qualificá-los internamente.
Imagem relacionadaSão já várias a adotar esta prática. A plataforma internacional de recrutamento Glassdoor divulgou recentemente uma lista de 15 empresas de topo onde para entrar o canudo não é determinante. A lista inclui tecnológicas de topo como as já mencionadas, mas também outras como a Google, IBM, Ernst & Young (EY) e o próprio Bank of America. Não, não está em marcha um movimento global de desvalorização da formação superior. As empresas vão continuar a contratar candidatos cuja experiência e competências melhor se adequem à função. Muitos dos que serão contratados terão formação superior, mas os que não a tenham não serão automaticamente excluídos, como sucedeu num elevado número de organizações durante as últimas décadas, desde que a licenciatura foi banalizada como requisito mínimo de acesso a funções qualificadas no mercado de trabalho.
Portugal ainda está a anos-luz das práticas internacionais nesta matéria, mas os especialistas de recrutamento contactados pelo Expresso reconhecem que, também por cá, a aproximação a um cenário de pleno emprego e a escassez de talento persistente em sectores estratégicos, como o tecnológico ou o industrial, está a levar os empregadores a olhar noutras direções. Como consequência, em muitas carreiras onde a formação superior não é determinante, embora sejam necessárias sólidas competências técnicas e profissionalizantes, os salários estão a tornar-se mais competitivos.
Carreiras técnicas a emergir
O Expresso tomou como referência a remuneração média mensal base nacional, €943 (em valores brutos), para identificar no mercado um conjunto de carreiras que, sem exigência de formação superior, praticassem remunerações acima desse valor (ver quadro em baixo). A compilação, realizada com o apoio das consultoras de recrutamento Hays e Michael Page (ambas focadas em perfis técnicos e qualificados), não traduz o levantamento exaustivo das oportunidades disponíveis no mercado para profissionais sem licenciatura, até porque a informação salarial para percursos de formação profissionalizante escasseia, admitem os especialistas. É antes um levantamento de áreas que registam alguma dinâmica de recrutamento ou carência de profissionais.

Mário Rocha, diretor da Hays, fala numa mudança do mercado que é ainda tímida, mas reconhece que as empresas estão a ficar progressivamente menos “apegadas” à formação superior enquanto requisito crítico para o recrutamento. Mas destaca que “isto não acontece em todas as funções”. Sílvia Nunes, diretora da Michael Page, corrobora a afirmação reforçando que “esta não é uma prática generalizada no mercado” mas, acrescenta, “há cada vez mais funções na área tecnológica onde — face a uma enorme escassez de talento e o mercado de alguma forma invertido —, se os profissionais tiverem boas competências na tecnologia que vão trabalhar, as empresas poderão deixar de lado a licenciatura e contratar”.
Sempre e quando exista escassez de recursos humanos, as empresas terão de prescindir de alguns requisitos para conseguirem contratar. E a lista compilada demonstra que são várias as carreiras técnicas que na área da indústria estão hoje mais valorizadas em termos salariais do que foram no passado. “Técnicos de manutenção industrial e eletrónica industrial ou até eletricistas são exemplos de carreiras técnicas onde os salários subiram nos últimos anos”, explica Mário Rocha. O especialista recorda que o sector industrial é, a par com o tecnológico, um dos que mais pode dinamizar esta revolução das qualificações, já que “temos muito mais tecnologia mas continuamos a necessitar de capital humano que a opere e esse capital está a ser difícil de contratar”.
O diretor da Hays reconhece que as empresas estão a voltar a olhar para perfis técnicos mais tradicionais e altamente especializados — costureiras, modistas, eletricistas, carpinteiros, serralheiros, soldadores — e a valorizá-los salarialmente, mas mesmo com esta valorização os jovens continuam a não considerar estas carreiras como opções de futuro. “Este é um dos grandes desafios das empresas do ramo da indústria para os próximos anos, já que a sua população empregada está a envelhecer e não há renovação de quadros.”
Há mais oportunidades e mais aliciantes a nível salarial a surgirem no mercado para profissionais sem licenciatura, mas a qualificação superior ainda é garantia para salários superiores e maior empregabilidade. Num estudo recente, a OCDE revela que 81% dos jovens entre os 25 e os 34 anos que estudaram além do ensino secundário estavam empregados, em comparação com 60% que ficaram por este nível de ensino. Ainda assim, o especialista da Hays acredita que à medida que o país se aproxima dos níveis de desemprego estruturais, as empresas terão de se tornar mais flexíveis nos seus requisitos de contratação.

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