Quando se
aproxima a data de Outubro de 2019, fica claro que, pela percepção dos dados
de análise disponíveis, o partido Renamo pode ter resultados históricos, e
não seria ter excesso de expectativa acalentar a ideia de conquistar o poder
nestas eleições. Mas o maior inimigo da Renamo é exactamente a última parte
desta frase: o poder. Há uma pergunta simples e séria que deve ser feita:
até que ponto está a Renamo interessada em conquistar e exercer o poder? E,
se calhar, acrescentarmos mais uma pergunta: e como é que pensa tornar
possível esse objectivo?
Já havíamos
referido, aqui, neste mesmo espaço, desde os tempos de Afonso Dhlakama, que
era mais politicamente evoluído, que a Renamo não pode, de ano em ano,
investir contra a expectativa dos seus próprios eleitores, ou seja, é a
própria Rena- mo a ser o empecilho para o seu próprio sucesso. Sempre que
acreditamos que a Re- namo está suficientemente madura, é ela própria que
trata de desmentir essa asserção e prefere continuar como eterno estagiário
da política.Nas eleições
autárquicas mais recentes ficou amplamente provado que a Renamo ganhou na
maioria dos municípios estratégicos. Mesmo com a fraude eleitoral consubs-
tanciada com a falsificação de editais, a Renamo teve um número
significativo de as- sentos nas respectivas Assembleias Municipais, o que, em
teoria, uma coligação com os membros do Movimento Democrático de Moçambique
dava para a Renamo controlar a Assembleia Municipal e infernizar a vida
àqueles que ganharam na secretaria.
Mas vamos por
partes. Como é que ficou o protesto da Renamo em relação à frau- de? Sabido
que, por via das instituições, era impossível obter uma resposta isenta e
íntegra das suas reclamações, colocaram-se possibilidades legais para a
Renamo e o MDM protestarem com vigor e com resultados garantidos contra a
fraude. Haviam sido avançadas duas propostas: a primeira, sendo a mais radical
(em política, o radical é relativo) seria o boicote à tomada de posse e a
não constituição dos órgãos autárquicos, o que forçaria uma nova
eleição. A segunda, a mais leve e a mais demorada, seria tomar posse e
reprovar os documentos considerados essenciais para a viabilização da
governação, o que também levava ao mesmo resultado, o da dissolução da
Assembleia e a marcação de novas eleições.
Estas
hipóteses colocadas assim como foram parte de um pressuposto de que a Re- namo
está interessada em três coisas: (1) contestar com notável vigor os
resultados fraudulentos; (2) conquistar e exercer o poder e (3) impor respeito
e a devida conside- ração como interveniente político relevante e sério
não só aos seus oponentes mas tam- bém e, se calhar o mais importante, aos
que têm depositado o seu voto nas suas ideias. O que acontece
que essas hipóteses ou premissas são apenas dos analistas. A Renamo não
elabora sobre essas premissas. Tem outras premissas que até aqui são desco-
nhecidas do grande público, e vai daí que as suas acções são exactamente
para colocar aquele partido fora da rota da conquista e exercício do poder.
Vejamos por
exemplo nos municípios como Matola, Rubaue, Monapo e Monapo onde a fraude foi
clamorosa, com a famosa falsificação dos editais. Esperava-se uma acção
mais concreta da Renamo e tudo indica que isso não passou das intenções das
pessoas do bem que votaram na Renamo, e a Renamo não tinha qualquer agenda de
protesto.
Veio a tomada
de posse nesses municípios e, na primeira oportunidade, a Renamo demonstrou
que não está minimamente interessada na agenda do poder. Na Matola, dois
membros do MDM concordaram em votar na Renamo para colocar os seus can- didatos
a dirigirem a mesa da Assembleia Municipal, mas foi a própria Renamo que foi
votar na Frelimo. O mesmo sucedeu em Ribaué e Monapo. Foram os membros da
Renamo que votaram naqueles que fizeram a fraude. Ora, prova maior da falta de
seriedade e esquizofrenia política não podia haver.
Os amantes das
teorias de desculpabilização poderão dizer que foram três ou quatro
“gatos-pingados” que, num número de indisciplina e de luta contra a fome,
decidiram vender a causa por um prato de lentilhas. Pois. Pode ser. Mas é
dever da Renamo, en- quanto organização que aspira ser alternativa, ter, a
esse nível, indivíduos que tenham o mínimo de discernimento sobre o que
está em causa. Não estava em causa apenas uns votos banais, mas um manifesto
de protesto contra a fraude que ficou reduzido a
umas
ambições do nível de prato de comida. É responsabilidade da Renamo recrutar
e fazer-se representar por homens e mulheres à altura dos desafios que a ela
se colocam. Ignorar o que aconteceu nas Assembleias Municipais como se nada
fosse é passar um certificado de incompetência não aos vendedores dos votos
mas, acima de tudo, à Direcção da Renamo, pelo erro de escolha dos
candidatos.
E se olharmos
para as recentes eleições dentro da própria Renamo (temos o dever de saudar,
aqui, o exemplo de democracia e transparência), há muitas questões que se
podem levantar sobre com que argumentos a própria Renamo quer fazer face aos
desa- fios que à frente se colocam. Sem querer retirar mérito aos novos
eleitos para os órgãos sociais, é preciso questionar o que a Renamo pretende
alcançar com as personalidades que colocou na linha da frente. Estrelismos à
parte: preterir Ivone Soares, Venâncio Mondlane, Eduardo Namburete e o
próprio Manuel de Araújo, entre outros quadros de inquestionável valia, é
estranho. Como é que uma Comissão Política quer funcionar sem a líder
parlamentar desse mesmo partido. E não é só o cargo que deve ser cha- mado
como argumento. Mas as capacidades da própria líder parlamentar que são por
demais notórias. Uma estratégia política que ignora Ivone Soares e outros
quadros do seu quilate é questionável. Insistimos que não se trata aqui de
retirar mérito aos novos eleitos, mas tão simplesmente um exercício de
lógica parenta dos dados existentes. Não deixa de ser também notória a
ostracização dos que apoiaram Elias Dhlakama nas eleições internas. Isso
denota que o espírito democrático não reside na Renamo. Elias Dhlakama
perdeu. Ossufo ganhou. Isso não quer dizer que Elias Dhlakama e seus apoiantes
assinaram sua própria sentença de morte política, muito pelo contrário. É
indicador de que há uma parte da Renamo que acredita nas ideias de Elias
Dhlaka- ma e essas ideias e pessoas não podem ser ignoradas, porque perderam,
sob o risco de criar duas Renamos, o que seria desastroso. Este é o momento de
os vencedores e os vencidos juntarem-se numa única frente e trazer novas
ideias e nova forma de fazer política. Não se pode perder tempo a gerir
zangas de quem apoiou quem e quem votou em quem? Caça às bruxas é sinal de
fraqueza. A não ser que a Renamo tenha uma outra estratégia oculta do
público em que esses quadros que foram varridos são manifestamente inaptos.
É
sintomático que sempre que o ecossistema político cria condições para a
Renamo dar um salto qualitativo, é a própria a Renamo que investe tudo contra
si mesma. Os eleitores da Matola, de Marromeu, de Monapo, de Moatize, de Tete,
querem saber da Renamo o que é que se segue como acção política depois da
fraude? A resposta que a Renamo tem é aliar-se à Frelimo e entregar de
bandeja as mesas das Assembleias. Isso não cabe na cabeça de ninguém.Com um Filipe
Nyusi completamente à deriva a fazer contas à vida, se renova, ou não, a sua
candidatura, e com os seus próprios correligionários a contestarem-no e ele
próprio a ter que jogar a sua própria sobrevivência, a Renamo não consegue
capitalizar isso a seu favor. Com o povo com ânsia de mudança a aceitar
qualquer coisa que não seja o partido Frelimo, temos uma Renamo completamente
alheia aos acontecimentos e a cometer os seculares erros. Não deixou de
ser patético e denotador de uma gritante falta de agenda, o facto de todo um
porta-voz do partido Renamo ter convocado uma conferência de imprensa, para se
distanciar de um deputado seu que foi à África do Sul assistir ao julgamento
de um ex-ministro do actual Governo que é um dos responsáveis da actual
miséria imposta aos moçambicanos. Qualquer partido sério devia ter um
emissário para acompanhar esse julgamento ademais é necessário que esse
partido participe no debate político de forma informada. Mas viu-se a Renamo a
distanciar-se do tal deputado. Mesmo que tenha ido a título individual, não
cabe à Renamo vir distanciar-se ou apoiar pela irrelevância da matéria neste
momento do campeonato.
Em
uma única palavra. Torna-se urgente que a Renamo faça uma introspecção
séria sobre os ideais que defende e como pretende os defendê-los. Já não
dá continuar a fingir e a empurrar as coisas com a barriga acreditando que
tudo se resolve sozinho. A Renamo precisa de ter uma agenda em concreta para
apresentar. De uma Frelimo esgotada já não se espera mais do que se vê. Mas parece
catastrófico que a Renamo também esteja esgotada e sem ideias concretas.
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