Ex-ministro
alemão dos Negócios Estrangeiros Markus Meckel pensa que há muitas questões
abertas em relação às transferências dos salários dos trabalhadores
moçambicanos, que há 40 anos começaram a migrar de Moçambique para a República
Democrática da Alemanha.
"Acho
que é importante analisarmos os contratos! Acho que vale a pena reavaliar este
trabalho contratual, em que uma boa parte dos salários e das contribuições
sociais foi retida e nunca entregue aos trabalhadores",
afirma Markus Meckel, que no ano de 1990 foi ministro dos Negócios Estrangeiros
da República Democrática da Alemanha (RDA), portanto no tempo de transição
entre a revolução pacífica e a reunificação com a República Federal da Alemanha
(RFA). "Devíamos reavaliar se não existem reclamações legítimas por parte
dos trabalhadores!", diz Meckel que acredita que vale a pena pedir
uma análise jurídica. Ele participou numa conferência sobre os
madgermanes organizada pela igreja evangélica luterana na cidade alemã de
Magdeburg.
De
12 de abril a 20 de agosto de 1990, Markus Meckel foi ministro dos Negócios
Estrangeiros do Governo de grande coligação da RDA: foi neste período que a RDA
renegociou os acordos do envio dos trabalhadores contratuais. No ano de 1990, a
maior parte dos cerca de 15.000 trabalhadores moçambicanos que estiveram na RDA
no momento da queda do Muro de Berlim regressou à sua pátria. Desde então,
muitos dos chamados madgermanes queixam-se da falta do pagamento de
salários e contribuições sociais que foram transferidos da RDA para Moçambique
no âmbito do Acordo de Cooperação e Amizade, assinado há 40 anos, no dia 24 de
fevereiro de 1979. Segundo o acordo, a estadia dos moçambicanos na RDA tinha
dois fins: Por um lado, visava a formação de quadros que o jovem país africano
tanto necessitava. Por outro, a ideia também era pagar a dívida que Moçambique
tinha com a RDA devido a compra de bens. Por isso, uma parte dos salários dos
trabalhadores – no início 20% do salário total, a partir de 1987 60% do salário
acima de 350 marcos – e metade das contribuições sociais foram descontadas. Havia
contas para cada trabalhador no banco de comércio exterior da RDA, Deutsche
Außenhandelsbank, e contas correspondentes no Banco de Moçambique, como
confirma Ralf Straßburg, na altura responsável pelos trabalhadores moçambicanos
no Secretariado de Trabalho e Salários da RDA: "Já não existe o Banco
do Comércio Exterior da RDA, mas ainda devem existir os arquivos nos quais está
detalhadamente registado quanto que foi transferido no caso de cada trabalhador
moçambicano, quer em termos de salários, quer em termos de contribuições
sociais."
Apesar
da existência de contas, de facto não aconteceram transferências reais de
dinheiro, pois Moçambique optou por usar o dinheiro para saldar diretamente a
sua dívida com a RDA.No regresso a Moçambique, muitos trabalhadores viram os
seus pedidos de pagamento recusados pelo Ministério do Trabalho, Emprego e
Segurança Social. Por isso, até hoje, alguns madgermanes fazem
manifestações semanais. Os que receberam algo, viram as suas somas reduzidas
pela alta inflação dos anos 80, já que o Governo de Moçambique usou a taxa de
câmbio do momento da transferência e não do momento do novo pagamento, o que
podia desvalorizar as somas por mais de metade.Por sua vez, o Governo alemão
nega qualquer responsabilidade. Diz que a RDA e depois a RFA cumpriram com
todas as obrigações contratuais creditando os montantes a favor das contas do
Estado moçambicano, como afirma Nina Lutter, responsável por Moçambique no
Ministério de Cooperação: „Isto significa para o Governo da Alemanha que a
responsabilidade do pagamento de salários e contribuições sociais era e
continua a ser do Governo de Moçambique, se ainda houver reclamações a título
individual.” Lutter calcula que no total foram descontados cerca de 93 milhões
de dólares americanos, segundo a taxa de câmbio usada pelos países do bloco
comunista (74 milhões de salários e 19 milhões de contribuições sociais). Isto
corresponde a uma média de cerca de 4.500 dólares por cada um dos cerca de
20.000 moçambicanos que chegaram a trabalhar na RDA.
O
anexo do acordo de amizade entre a RDA e Moçambique que regulamentava o
trabalho dos moçambicanos não foi publicado nos primeiros anos da sua vigência.
Por isso, muitos moçambicanos não sabiam que os seus descontos serviam na
realidade para pagar a dívida de Moçambique. Mas nos acordos individuais que os
trabalhadores assinaram com as respetivas empresas estatais na RDA, constava
claramente que os descontos seriam transferidos a favor dos trabalhadores
("zu ihren Gunsten”).Uma série destes acordos individuais ainda se
encontra no arquivo federal da Alemanha (Bundesarchiv) como também as listas
mensais dos salários e dos descontos do Secretariado de Trabalho e Salários da
RDA. "Reavaliar estas coisas sempre vale a pena. Pode ser que como Governo
da RDA fizemos coisas erradas", é a conclusão do ex-ministro dos Negócios
Estrangeiros da RDA, Markus Meckel. Na entrevista exclusiva que concedeu
à DW África, ele considera que o Governo da Alemanha tem o dever
moral de analisar novamente o dossier: "Pode ser que no âmbito do Tratado
da Unificação houve cláusulas que talvez possam estar em conformidade com o
direito internacional, mas que não venham ao encontro dos direitos humanos e da
honra e dignidade dos trabalhadores. Se for assim, é preciso melhorar as
coisas.”
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