Julian
Assange concedeu uma de suas entrevistas mais incendiárias, num encontro com
John Pilger (John Pilger Special),(7/11/16) cortesia de Dartmouth Films, na qual resume
o que lhe parece mais crucialmente importante das dezenas de milhares de e-mails distribuídos
por WikiLeaks esse ano. Pilger, australiano como Assange, realizou a
entrevista, de 25 minutos, na Embaixada do Equador em Londres, onde Assange
está confinado desde 2012, por medida de segurança, para evitar ser extraditado
para os EUA. Mês passado, a conexão de internet de Assange foi cortada,
alegadamente por “interferência” na eleição presidencial dos EUA, pelo trabalho
de seu website.
John
Pilger: O que significa a intervenção do FBI nesses últimos dias da
campanha eleitoral dos EUA, desta vez contra Hilary Clinton?
Julian
Assange: O FBI tornou-se efetivamente a polícia política dos
EUA. Demonstrou isso ao provocar a demissão do ex-diretor da CIA[general
David Petraeus] porque passara informação secreta para a amante. Quase ninguém
é intocável. O FBI está sempre tentando demonstrar que ninguém consegue
resistir a ele. Mas Hillary Clinton resistiu muito acintosamente contra a
investigação do FBI, o que gerou muita ira, porque fez com que a
instituição aparecesse em posição de fraqueza aos olhos da opinião pública.
Nós
publicamos cerca de 33 mil emails de Hillary, de quando era secretária de
Estado. São parte de mais de 60 mil emails, [dos quais] Hillary conservou cerca
da metade, 30 mil. E nós publicamos a outra metade. Depois, estamos publicando
os “Podesta emails“. [John] Podesta é principal coordenador de campanha de
Hillary Clinton, portanto há um fio que percorre todos esses emails; há muita
“negociação” do tipo “pague para jogar”, pay-for-play, como eles dizem,
muito acesso liberado a estados, indivíduos e empresas, em troca de dinheiro.
[Esses emails] combinam-se com o encobrimento dos de Hillary Clinton, de quando
foi secretária de Estado, que gerou um ambiente no qual aumenta a pressão sobre
o FBI.
A
campanha de Hillary disse que a Rússia está por trás dos vazamentos, que Moscou
manipulou a campanha e que é fonte de onde WikiLeaks recebe seus emails.
O
campo de Hillary conseguiu projetar esse tipo de histeria neo-macartista: a
Rússia sempre é culpada por tudo. Hilary Clinton disse inúmeras vezes,
mentindo, que 17 agências de inteligência dos EUA teriam concluído que a Rússia
seria a fonte de nossas publicações. É mentira. Posso dizer, porque é absoluta
verdade, que nossa fonte não é o governo russo.WikiLeaks publica já há dez
anos. Ppublicamos 10 milhões de documentos, vários milhares de publicações
individuais, vários milhares de diferentes fontes, e ninguém jamais encontrou
informes falsos no que publicamos.
Os
emails que provam que se vendiam acessos [a autoridades], que se trocava acesso
por dinheiro, e o modo como a própria Hillary Clinton beneficiou-se desse
“mecanismo” e como ainda se beneficia politicamente. São documentos realmente
extraordinários. Penso no representante do Qatar, que comprou e pagou com um
cheque de 1 milhão de dólares, o “direito” de falar diretamente com Bill
Clinton, por cinco minutos.
Do
Marrocos, cobraram 12 milhões…
Exatamente,
12 milhões do Marrocos, é mesmo.
…
para que Hillary Clinton comparecesse a uma festa.
Em
termos da política externa dos EUA, e nesse setor os emails são especialmente
reveladores, porque mostram a conexão direta entre Hillary Clinton e o
surgimento do jihadismo, do Estado Islâmico (ISIS), no Oriente Médio. Você
poderia comentar o modo como os e-mails demonstram essa conexão?
Afinal, os que deveriam estar combatendo contra os jihadistas do ISIS, são, na
verdade, os que ajudaram a criá-lo.
Há
um email do início de 2014, de Hillary Clinton, pouco tempo depois de ela ter
deixado o Departamento de Estado, dirigido ao coordenador geral de sua
campanha, John Podesta. Hillary diz que o ISIS fora criado pelos governos
de Arábia Saudita e Qatar. Esse é o email mais significativo de toda a coleção,
e talvez seja o motivo pelo qual há dinheiro saudita e qatari em todos os
cantos da Fundação Clinton. O governo dos EUA até admite que algumas figuras
sauditas tenham apoiado o ISIS. Mas a fantasia que se criou sempre foi a de que
seria dinheiro de alguns príncipes “do mal”, usando o dinheiro que lhes cabe do
petróleo para fazer o que quisessem, mas que a ação seria desaprovada pelo
governo saudita.O que aquele email diz é que não. Quem pagava naquele momento
para manter o ISIS eram os próprios governos saudita e qatari.
Os
sauditas, qataris, marroquinos, bahrainis, particularmente os sauditas e os
qataris, estão enchendo de dinheiro a Fundação Clinton, no exato momento em que
Hilary Clinton é secretária de Estado, e o Departamento de Estado aprova
negócios maciços de venda de armas, particularmente para a Arábia Saudita.
Aconteceu
durante o mandato de Hillary Clinton o maior negócio de armas de toda a
História, com a Arábia Saudita, [num total de] mais de 80 bilhões de dólares.
De fato, durante o mandato dela como secretária de Estado, o valor total em
dólares, das exportações de armas dos EUA, dobrou.
Claro,
o outro lado dessa moeda é que o grupo terrorista conhecido como ISIS foi
criado, em grande medida, com o dinheiro do mesmo pessoal que sustenta também a
Fundação Clinton.
É.
É
espantoso.
É
verdade é que, no plano pessoal, Hillary Clinton me inspira muita pena, porque
vejo uma pessoa que está sendo devorada ao longo da vida pelas próprias
ambições, literalmente tão atormentada a ponto de adoecer. Ela desmaia, como
resultado doentio das próprias ambições. Ela representa toda uma rede de
pessoas e uma rele de relacionamentos com Estados determinados. A questão é
determinar o modo como Hilary Clinton está encaixada nessa rede mais ampla. Ela
é como um eixo de articulação que centraliza e distribui as “energias”. Há
várias alavancas distintas em operação, desde os grandes bancos como Goldman
Sachs e elementos importantes de Wall Street, e da inteligência, e pessoal no
Departamento de Estado e os sauditas. Ela é o eixo de articulação-distribuição
que interconecta todos esses diferentes braços. É como a representação central
de tudo isso; e “tudo isso” é mais ou menos o que se vê hoje na posição de mais
poder nos EUA. É o que chamamos de establishment ou de “o consenso da
capital” [ing. DC consensus]. Outro importante email de Podesta, que já
distribuímos, foi sobre como se formou o gabinete de Obama; como mais da metade
dos nomes que constituíram o gabinete Obama foram basicamente nomeados pelo
CityBank. É impressionante.
CityBank
é aquele que mandou uma lista…
Esse
mesmo.
…
com praticamente todo o gabinete Obama.
É.
Quer
dizer que Wall Street decide quem fica e quem sai do gabinete do presidente dos
EUA?
Se
você acompanhava de perto a campanha de Obama naquela época, percebeu o quanto
a campanha rapidamente se aproximou dos interesses dos bancos. Da mesma forma,
ninguém pode compreender adequadamente a política externa de Hillary sem
compreender a Arábia Saudita. As conexões com a Arábia Saudita são tão íntimas!
Por que Hillary manifestou-se tão entusiasticamente deliciada com a destruição da Líbia? Você pode por favor falar um pouco sobre o que os emails informam – sobre o que dizem a vocês –, do que realmente aconteceu na Líbia? Porque a Líbia é quase diretamente a fonte de muito do que hoje se vê acontecer na Síria: o ISIS, o jihadismo e tudo mais. E foi praticamente a invasão construída por Hillary Clinton. O que os emails nos contam sobre isso?
Por que Hillary manifestou-se tão entusiasticamente deliciada com a destruição da Líbia? Você pode por favor falar um pouco sobre o que os emails informam – sobre o que dizem a vocês –, do que realmente aconteceu na Líbia? Porque a Líbia é quase diretamente a fonte de muito do que hoje se vê acontecer na Síria: o ISIS, o jihadismo e tudo mais. E foi praticamente a invasão construída por Hillary Clinton. O que os emails nos contam sobre isso?
A
Líbia é a guerra de Hillary Clinton, sim, mais do que de qualquer outra pessoa.
Barak Obama inicialmente se opôs. Quem promoveu, sempre incansavelmente, aquela
guerra? Hillary Clinton. Está claramente documentado nos emails dela. Ela pôs
seu agente preferido, Sidney Blumenthal, nessa tarefa. São mais de 1.700 emails
dos 33 mil emails de Hillary Clinton que publicamos até agora, só sobre a
Líbia. Não porque a Líbia significasse petróleo barato. Mas porque ela viu a
importância de derrubar Gaddafi e destruir o Estado líbio –, importante para
ela mesma, porque viria a servir-se desse “feito” para concorrer à eleição
geral para presidente. No final de 2011 apareceu um documento interno chamado Tick Tock On Libya que foi produzido para Hillary Clinton, e é a descrição cronológica
do que ela fez como figura central na destruição do Estado líbio, que resultou
em cerca de 40 mil mortos na Líbia; então os jihadistas mudaram-se para lá, o
ISIS instalou-se lá, as populações residentes foram expulsas, o que gerou o
fluxo de refugiados e a crise dos migrantes para a Europa.
Não
apenas gerou-se ali um fluxo de pessoas obrigadas a deixar a Líbia, a deixar a
Síria, e a desestabilização de outros países africanos, por efeito direto do
fluxo de armas para a região, mas o próprio Estado líbio foi desmontado e
perdeu a capacidade de controlar os fluxos de migrantes que passaram a cruzar o
país. A Líbia está diante do Mediterrâneo e sempre funcionou como a rolha que
continha a pressão do resto da África.
Por isso, pode-se dizer que [a
destruição do Estado líbio é a origem de] todos os problemas, problemas
econômicos e a guerra civil na África. Porque antes, os problemas não eram
canalizados diretamente para a Europa: a Líbia operava como guardiã do
Mediterrâneo.Exatamente
o que, naquela época, início de 2011, dizia o coronel Gaddafi: “O que esses
europeus pensam que estão fazendo, tentando bombardear e destruir o Estado
líbio? Haverá inundação de migrantes e jihadistas saídos da África, que
entrarão diretamente na Europa.” Foi precisamente o que aconteceu, efeito
direto da guerra de Hillary Clinton.
Você
ouve reclamações de pessoas que dizem “O que é isso que WikiLeaks está fazendo?
Estarão tentando pôr Trump na Casa Branca?”
Minha
resposta é que Trump não será “autorizado” a vencer. Não lhe permitirão vencer.
Por que digo isso? Porque Trump tem contra ele todo establishment, todos
os vários campos do establishment. Não há uma única área ou setor do establishment a
favor de Trump. Talvez só, no máximo, os evangélicos, se se pode dizer que
sejam um establishment. Bancos, inteligência, empresas fabricantes de
armas, dinheiro de fora etc. todos esses apoiam Hillary Clinton. E a
mídia-empresa comercial, claro. Os proprietários das empresas comerciais de
mídia e, também, os próprios jornalistas seus empregados.
Há
também a acusação de que WikiLeaks estaria associado com os russos. Há quem
diga “Ora, por que WikiLeaks não investiga nem publica emails sobre a Rússia?”
Publicamos
cerca de 800 mil documentos de vários tipos, relacionados à Rússia. Muitos
deles são criticamente importantes; e a partir do que publicamos surgiram
vários livros sobre a Rússia, muitos deles de crítica à Rússia. Nossos
documentos [sobre a Rússia] já foram usados em inúmeros processos judiciais,
dentre outros de refugiados, de pessoas que fogem de algum tipo de declarada
perseguição política de que seriam vítimas na Rússia. Em vários desses casos,
nossos documentos foram citados em tribunais, como prova.
Como
você, pessoalmente, vê as eleições nos EUA? Tem alguma preferência? Clinton ou
Trump?
[Falemos
para começar, de] Donald Trump. O que ele representa na mente dos
norte-americanos e europeus? Representa o lixo norte-americano branco [que
Hillary Clinton chamou de] ‘deplorável e imperdoável’. De um ponto de vista de
um establishment letrado cosmopolita urbano, são gente que eles
classificam como “lixo norte-americano branco”; são intratáveis, é impossível
confiar neles. Porque Trump representa muito claramente – por suas ações e
palavras, e pelo tipo de gente que participa dos comícios dele – gente que não
está “no meio”, que claramente não é a classe média alta educada. Por isso, há
esse medo de se aproximarem daquelas pessoas, um medo social que degrada o
status de classe de quem quer que seja “acusado”, seja como for, de ajudar
Trump — inclusive criticando Hillary Clinton. Se você analisa o modo como a
classe média obtém o poder econômico e social que tem, aquele medo que afasta
de Trump faz absoluto sentido.
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