Oitocentos
mil dólares em subornos pagos a altos quadros do Estado moçambicano na venda de
duas aeronaves pela Embraer à LAM saíram dos cofres do Estado moçambicano,
revelam os termos do acordo a que a fabricante brasileira chegou com o
Departamento de Justiça dos EUA para o encerramento de um processo sobre vários
casos de alegada corrupção. De acordo com o documento, que narra esquemas de
corrupção com tentáculos em vários países e divulgado em finais de Outubro, uma
vez que os gestores da companhia brasileira comunicaram aos intermediários dos
subornos que não tinham como inscrever os pagamentos ilícitos nas contas da
companhia, os altos responsáveis do Estado moçambicano que se digladiavam pelas
“luvas” sugeriram que a Embraer subisse ficticiamente o preço dos dois
aparelhos, ambos E190.
Dito
e feito. De uma proposta inicial de 32 milhões de dólares por cada uma das
aeronaves, a Embraer acabou assinando um contrato de venda de cerca de 32.690
mil dólares por cada uma das aeronaves. Uma entidade, apenas designada no
documento por Agente C, terá recebido os subornos, canalizando-os depois para
os moçambicanos. Para a concretização da manobra,o
Agente C criou uma empresa fantasma com sede em São Tomé e Príncipe, aí
domiciliando a conta usada para a drenagem dos subornos. Um reputado jurista
moçambicano em comentários ao SAVANA
enfatizou que é complexo provar o crime de corrupção, dadas complexas rotas que
segue e que tal apenas é possível quando há um desentendimento entre os
integrantes do grupo. “O Gabinete Central de Combate à Corrupção (GCCC) devia
pegar este caso em concreto, seguir toda esta rota de subornos, identificar o tal
Agente C e verificar para quem foram feitas as transferências para Moçambique.
Mas isso é improvável dado o compadrio e proteccionismo que reinam cá em casa”,
lamentou. Porém, formalmente o GCCC está a investigar a operação de compra,
venda e aluguer dos Q400, num processo que envolve a LAM e uma empresa
estrangeira, que o organismo subordinado à Procuradoria Geral da República (PGR)
não cita o nome. “No decurso da instrução preparatória, o GCCC tomou
conhecimento de alguns factos relacionados com a compra, venda e aluguer de
duas aeronaves Q400, num processo que envolve LAM e uma empresa estrangeira,
cuja análise sumária levantou suspeitas quanto à aplicação do valor proveniente
da venda das aeronaves. Face à suspeita e para apurar os factos, no dia 5 de
Julho de 2016 foi autuado o processo-crime registado sob o número 52/GCCC/16 e
junto da Inspecção-Geral de Finanças foi solicitada a realização de uma auditoria
ao processo de compra, venda e aluguer”.
“No dia 22 de Abril de 2009, sete meses após a
concretização do contrato de venda, mas antes da entrega da primeira aeronave,
a Embraer RL (subsidiária norte- -americana) chegou a um acordo de agenciamento
com a empresa que o Agente C tinha recentemente criado na República Democrática
de São Tomé e Príncipe. Dois directores da Embraer assinaram o acordo de
agenciamento em nome da empresa, que autorizava o Agente C a promover as vendas
dos E 190 especificamente
à LAM”, lê-se no texto do acordo entre o Departamento da Justiça dos EUA e a
companhia brasileira, a que o SAVANA teve
acesso. No documento, enfatiza-se que o acordo entre a Embraer e o Agente C foi
rubricado sete meses depois de a venda das duas aeronaves ter sido concluída. A
empresa do Agente C não tinha sido sequer constituída quando o contrato de compra
e venda entre a Embraer e a LAM foi assinado. “A companha do Agente C não realizou
nenhuma actividade legítima em relação ao acordo de compra. O acordo com o
Agente C declarava falsamente que o esforço de promoção de venda em causa começou
por volta de Março de 2008”, diz o documento. No texto do acordo entre a
Embraer e o Departamento da Justiça
norte-americano,
é referido que os altos quadros do Estado moçambicano que receberam os subornos
deixaram claro que com 400 mil dólares por cada uma das duas aeronaves vendidas
à LAM o assunto não ficava arrumado, depois de terem considerado um insulto uma
proposta da Embraer de pagar apenas 50 mil dólares de subornos, que podiam ser
aumentados para 80 mil, se fosse necessário, por cada um dos dois aparelhos, e
pagar entre 2% e 2.5% do preço de compra das aeronaves. “Os funcionários
moçambicanos indicaram que alguns quadros do Estado consideraram a proposta da
Embraer um insulto e que teria sido menos insultuoso não dar nada, mesmo tendo
em conta que esta opção não era aceitável”, refere o documento, que sustenta as
suas provas em alegados “emails” trocados entre as partes supostamente envolvidas
nos esquemas de corrupção. Na sequência da reacção negativa da parte
moçambicana, continua o documento, o Director da Embraer perguntou o que o
Agente C esperava da companhia brasileira, ao que o mesmo retorquiu que um
milhão em subornos seriam um bom acordo. Contudo, prossegue o documento, nem o
Agente C nem a sua companhia realizaram qualquer serviço legítimo a favor da
Embraer. A fabricante entregou as duas aeronaves à LAM a de 30 de Julho de 2009
e a 02 de Setembro de 2009. Depois da entrega das duas aeronaves, a empresa do
Agente C passou duas facturas no valor de 400 mil dólares, cada, à Embraer, uma
datada de 15 de Agosto de 2009 e outra de 24 de Setembro de 2009. A 31 de
Agosto de 2009, a Embraer RL transferiu 400 mil dólares da sua conta nos EUA
para uma conta em São Tomé e Príncipe, que depois foram transferidos para uma
conta da empresa do Agente C em Portugal.
A
02 de Outubro de 2009, a Embraer RL transferiu mais 400 mil dólares dos EUA
para a conta da empresa do Agente C em Portugal. A Embraer registou estes pagamentos
como comissões de venda e foram inscritos nos livros de contabilidade da
empresa como custos operacionais líquidos, sendo tratados como despesas de venda,
especificamente como “comissões de venda”. O documento indica que tudo começa a
21 de Maio de 2008, quando a Embraer entrega uma proposta formal à LAM para a
venda de dois aviões comerciais por 32 milhões de dólares. A proposta seguiu-se
a quase três anos de tentativas do Director da Embraer de convencer a
transportadora moçambicana a aceitar a aquisição de aparelhos da fabricante
brasileira em detrimento de aeronaves de
companhias concorrentes. Em meados de 2008, durante as negociações entre a Embraer
e LAM, o Agente C, que até então não tinha tido nenhum papel nas negociações,
contactou o Director e disse que iria actuar como consultor no negócio. “O
Agente C é um indivíduo cuja identidade é conhecida dos EUA e na verdade foi
usado para a canalização dos subornos para dirigentes moçambicanos”, diz o
documento. Na nota do acordo entre a Embraer e o Departamento da Justiça norte-americano,
a fabricante brasileira compromete-se a pagar mais de 200 milhões de dólares aos
EUA por práticas de corrupção, assumindo que responsáveis da companhia
envolveram-se no pagamento de subornos em operações de venda de aeronaves a
companhias de vários países, incluindo em Moçambique.
0 comments:
Enviar um comentário