De malas aviadas para Washington, onde está a
sede do Fundo Monetário Internacional (FMI), o representante cessante desta
instituição em Moçambique, Alex Segura concedeu uma entrevista ao SAVANA, na
qual deixou claro que pouco foi feito pelas autoridades nacionais para a
realização de uma auditoria forense internacional. Segura, que foi já chefe
adjunto de divisão no departamento Fiscal do FMI, defendeu que os termos de
referência para materialização da auditoria, indispensável para a restauração
da confiança e que pode facilitar a retomada do apoio financeiro externo, ainda
não foram finalizados e não está claro quando é que a mesma será iniciada. As
declarações de Segura foram feitas numa altura em que o presidente Filipe Nyusi
escalará os Estados Unidos, na segunda quinzena de Setembro, em visita de
trabalho, onde deverá manter um encontro com a directora do FMI, Christine
Lagarde. O tema sobre uma auditoria forense internacional às chamadas dívidas
escondidas é incontornável.
O governo moçambicano, através do
primeiro-ministro, disse recentemente que o cumprimento das recomendações do
FMI está num ritmo satisfatório rumo ao relan- çamento da cooperação. Qual é o
real nível do cumprimento do “TPC” que deixaram para as autoridades de Maputo?
Houve algum progresso em termos de implementação das recomenda- ções do FMI
feitas pela missão de Junho. O governo aprovou um Or- çamento revisto em Julho
e o banco central tem vindo a tomar medidas adicionais para apertar a política
monetária. Essas decisões são encorajadoras e estão na direcção certa, mas são
apenas passos iniciais depois de derrapagens muito grandes observadas no
primeiro semestre do ano. A próxima visita da equipa do FMI, tentativamente
agendada para final de Setembro, fará uma nova avaliação da situação e, em
particular, irá avaliar se há necessidade de acções adicionais.
Antes da avançar para as recomendações que
surgiram como consequência da descoberta das dívidas ocultas, o FMI realizou em
Junho a sua última missão de avaliação ao país. Qual foi o resultado da missão?
A missão observou que Moçambique está a enfrentar uma crise económica séria e
que são necessários passos decisivos para estabilizar a economia. Por um lado,
os problemas económicos correntes estão em parte associados a uma conjuntura
económica internacional difícil. Mas, por outro lado, a missão explicou às
autoridades que as derrapagens na implementação de políticas também jogaram um
papel importante para os actuais problemas. Em particular, quase todos os
indicadores que o FMI utilizou para avaliar o desempenho no final de 2015 e
final de Março de 2016 não foram respeitados. Por exemplo, o limite de
endividamento interno foi quebrado por uma grande margem, o que sugere falta de
controlo fiscal.
Uma das recomendações daquela missão foi a
realização de uma auditoria forense internacional. A quantas anda este
processo? Do nosso ponto de vista, houve pouco progresso nessa área. Os termos
de referência para este exercício ainda não foram finalizados e não está claro
quando é que a auditoria forense independente será lançada.
Recentemente o presidente da República disse que
a auditoria internacional forense do FMI só poderia avançar em caso de falha
das investigações das instituições nacionais. Acha que a PGR e a comissão
parlamentar de inquérito vão trazer informação relevante nas investigações que
estão a fazer para o esclarecimento das dívidas? O FMI encoraja o trabalho da
Procuradoria e o papel da Comissão Parlamentar. É um exercício importante de
instituições domésticas que podem ajudar para clarificar o que aconteceu. Mas
nós mantemos a nossa posição de que uma auditoria forense independente e
internacional é necessária. O governo está a avaliar como peritos internacionais
poderiam apoiar as investigações da Procuradoria-Geral da República.
Concordamos com esta abordagem. Mas a função dos peritos internacionais deve
ser definida de forma muito clara. Na nossa visão, os peritos devem produzir um
relatório independente de auditoria forense em linha com os padrões
internacionais de auditoria. Ele deve ocorrer em paralelo e como complemento ao
trabalho da Procuradoria. Essa é uma diferenciação crucial.
O Embaixador cessante alemão disse em entrevista
ao SAVANA que, tanto no governo assim como na Frelimo, não há consenso sobre a
realização ou não de uma auditoria forense internacional. Como FMI encontram
colaboração para o esclarecimento cabal do assunto? Nós não podemos comentar se
existe ou não consenso dentro do partido. Discutimos este assunto aos mais
altos níveis no país e as nossas observações foram bem recebidas. De qualquer
forma, gostaríamos de ver acções mais decisivas.
Quais as consequência da não realização de uma
auditoria internacional? Realizar uma auditoria independente e internacional
vai ajudar a recuperar confiança na economia moçambicana e facilitar a retomada
do apoio financeiro externo. Os empréstimos ocultos que foram descobertos em
Abril representam quase 11 por cento do PIB. A confiança só pode ser restaurada
se existir revela- ção completa de todos os aspectos relacionados com esses
volumosos empréstimos.
Mas, é possível que o FMI retome o apoio sem a
auditoria forense e internacional? A nossa opinião é que a auditoria forense
ainda é necessária para restaurar confiança e criar condições que poderiam
facilitar a retomada do programa com o FMI.
Qual é o entendimento do FMI quando se fala das
dívidas ocultas. Há de reparar que depois da descoberta da dívida da Proíndicus
e MAM não se fala muito da EMATUM e muito menos da dívida do ministério do
Interior? O empréstimo da EMATUM tinha sido ocultado inicialmente, mas foi
descoberto em Setembro de 2013. Posteriormente, um pacote de medidas e reformas
foi discutido e implementado nos últimos anos. Quando falamos recentemente de
dívida oculta referimo-nos principalmente a mais de 1.4 biliões de dólares de
empréstimos que não haviam sido declarados para as instituições moçambicanas e
parceiros internacionais, incluindo o FMI. Estes empréstimos incluem a
ProIndicus, MAM e alguns empréstimos menores ao Ministério do Interior. Mas
EMATUM, ProIndicus e MAM aparentemente são parte de um mesmo projecto. Por
isso, na nossa visão estes projectos devem ser auditados como um único grande
projecto que foi fragmentado em vários sub-projectos.
Terá o FMI autorizado a dívida da EMATUM? Não é
papel do FMI autorizar ou não projectos específicos. Portanto, o Fundo não
examinou o projecto específico do ponto de vista de autorização. Se tivéssemos
tomado conhecimento desse projecto antes da sua implementação, o teríamos
questionado. Em particular, chamaríamos a atenção para o facto de que o
projecto não tinha sido transparentemente incluído no orçamento de 2013.
O ministro das Finanças, Adriano Maleiane,
insiste na ideia de que, caso a MAM e a Proíndicus não tenham verbas para pagar
as dívidas, pode-se vender os activos de ambas as instituições. O FMI acha que
o custo dos mesmos pode cobrir o pagamento das dívidas em causa? Nós não vimos
o património dessas empresas e não estamos em posição para comentar sobre esta
questão. Uma auditoria internacional e independente terá de estabelecer o valor
de mercado dos activos das empresas. O stock da dívida poderia ser reduzido
através da venda de alguns desses activos, mas é pouco provável que eles sejam
suficientes para pagar a dívida na totalidade. No caso de venda, seria crucial
que este processo fosse conduzido com transparência total.
Uma vez retirado o apoio financeiro, que análise
o FMI faz na economia nacional? A curto prazo, a situação económica vai
continuar com muitos desafios. Moçambique está a enfrentar uma desaceleração
notável no crescimento, inflação cada vez mais alta e pressões externas que
estão a reduzir o valor do metical. Mas o país ainda possui um alto potencial a
mé- dio prazo: recursos naturais vastos, especialmente carvão e gás, e uma
localização geográfica favorável para se tornar um hub de transportes na África
Austral.
Quais as possíveis saídas imediatas da crise? Do
ponto de vista do FMI, a chave é gerir os desafios de curto prazo através de
políticas que irão contribuir para estabilizar a economia. Vemos necessidade de
acção em três áreas. Primeiro, a restrição fiscal parece inevitável. Isso
requer limitar o ní- vel da despesa total para controlar a expansão do défice
orçamental e da dívida pública que cresceu demasiadamente rápido nos últimos
anos. Esse ajustamento deve ter lugar através de uma revisão dos gastos
supérfluos e protecção dos programas sociais críticos. Segundo, o Banco de
Moçambique terá que tomar novas medidas para reduzir a inflação que está a
prejudicar os segmentos mais vulneráveis da popula- ção. Deve também criar
incentivos para que os agentes económicos optem por deter a moeda nacional, em
vez do dólar. As medidas recentes tomadas pelo banco central vão na direcção
certa. Por último, parece impossível recuperar a confiança sem uma maior ênfase
na boa governação e transparência.
A Assembleia da República aprovou recentemente o
Orçamento rectificativo como clara consequência da suspensão do apoio dos
parceiros. O novo orçamento responde aànecessidade de política de austeridade
que se espera do governo? Pensamos que o orçamento revisto está de uma maneira
geral em linha com as discussões que mantivemos com o governo em Junho, mas
ainda não tivemos oportunidade de discuti-lo ao detalhe com o governo.No debate do orçamento retificativo, as bancadas
da oposição (Renamo e MDM) e o Fórum de Monitoria do Orçamento) manifestaram
elevada preocupação com o incremento das verbas da rubrica de outras despesas
que passaram dos 1.2 mil milhões para 10,5 mil milhões. A Oposição e o Fórum
consideram que este incremento visa acobertar o pagamento das dí- vidas
ocultas. Qual é a análise do FMI. Nós entendemos que esta linha de 10.5 biliões
de meticais é uma contingência que foi introduzida pelo governo para ter
flexibilidade nos casos em que venha a ser necessário efectuar pagamentos
inesperados.
O Antigo ministro das Finanças, Magid Osman,
acusou o FMI de ter colaborado com o Banco de Moçambique para acobertar as
fraquezas da moeda nacional. Referiu que num período em que o dólar estava a 30
meticais a unidade, já deveria ser transacionado a 40 ou 45 meticais. Qual é o
seu comentário? Isso não é verdade. No passado nós sistematicamente
recomendamos que o Banco de Moçambique deveria permitir maior flexibilidade à
taxa de câmbio e evitar quaisquer intervenções no mercado cambial com o
objectivo de controlar a taxa de câmbio. Esta recomendação consta dos nossos
relatórios perió- dicos, que são públicos.
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