Depois do Presidente da República, Filipe Nyusi, ter apresentado, há duas
semanas em Nairobi, o segundo relatório de progresso de Moçambique no âmbito do
Mecanismo Africano de Revisão de Pares (MARP), que reporta as boas práticas
governativas no período entre 2012-2014, o reitor da Universidade Politécnica e
presidente deste fórum a nível nacional, Lourenço do Rosário, abriu as portas
ao SAVANA para fazer uma análise ao relatório, projectar novos desafios sem
deixar de lado os assuntos candentes da política nacional. Do Rosário, que já
chefiou a equipa dos mediadores nacionais nas negociações entre o governo e a
Renamo, declinou comentar o actual curso das negociações, mas elogiou a postura
de Nyusi como dirigente, e disse que o mesmo teve o azar de ter iniciado o seu
ciclo governativo em simultâneo com o arranque da nova onda de violência e
crise financeira no país. Considerou estes dois aspectos como os principais
obstáculos para implementação do seu programa governativo, isto porque, aquando
da tomada de posse, não se vislumbrava nenhum sinal nesse sentido. Condenou de
seguida a postura militar da Renamo e diz que, no jogo político, o adversário
deve usar a retórica e o trabalho para convencer o seu eleitorado e não a via
armada. Para Lourenço do Rosário, as armas da Renamo constituem um meio de
chantagem e não se sabe até quando isso vai durar, pois depois do Executivo ter
cedido na revisão do pacote eleitoral montado em respeito à lógica da “perdiz”,
pouco tempo depois veio apresentar novas exigências.
O chefe de Estado apresentou, há duas semanas, o segundo relatório
progresso de Moçambique no MARP, qual é o seu sentimento? Antes de mais,
preciso esclarecer em primeiro lugar que este relatório teria sido apresentado
em 2014 ou 2015, mas foi adiado por motivos de agenda. Uma vez que já passa
muito tempo concluímos que o presidente Nyusi tinha de apresentá-lo e depois a
presidência iria se encarregar de produzir uma adenda sobre o novo ciclo de
governação. Quanto à questão que me coloca, devo dizer que o segundo relatório
mostrava que, em 2014, o país tinha trilhado um percurso satisfatório em função
daquilo Lourenço do Rosário ao SAVANA: que eram as sugestões do painel de
personalidades eminentes dos grandes desafios. Quer sob ponto de vista da
consolidação do pacote legislativo, que era o grande problema, tínhamos
alcançado grandes conquistas, bem como nos restantes pontos, tais como a
democracia e governação política; governação e gestão económica; governação
corporativa e desenvolvimento sócio-económico. Não havia até 2014 qualquer
problema com o país.
A instabilidade estava instalada em 2014 e as delegações do governo e da
Renamo estavam em negociações, como é que não tínhamos problemas? Esse era um
dos desafios que tinha sido posto ao país para resolver. Não se esqueça que as
eleições se realizaram em Outubro de 2014. Antes delas, houve revisão do pacote
eleitoral, o presidente da Renamo já se havia recenseado e a 5 de Setembro
assinou com o presidente Armando Guebuza o acordo de Cessação das Hostilidades
tendo depois participado do pleito eleitoral. Tudo estava bem até esse período.
Não vamos dizer tudo, porque nesse período de avaliação o Inquérito de
Orçamento Familiar (IOF) mostrava que a pobreza havia aumentado... O país
estava a registar um crescimento de 7 % e não havia problemas, todos achávamos
que tudo estava bem. Esta contradição entre o IOF e o crescimento económico tem
a ver com as diferenças entre a macroeconomia e a microeconomia. Do ponto de
vista macroeconómico, o país cresceu, houve estradas, pontes entre outros
grandes investimentos, mas tínhamos o desfio da distribuição da riqueza e as
assimetrias regionais eram maiores. Este foi um problema constatado entre o que
é crescimento e o que é desenvolvimento.
Quais as opções de saída que apresentaram? Os partidos políticos é que
devem dar respostas quando elaboram os seus manifestos e não o MARP. O MARP
avalia e não executa. Com base no relatório progresso, os partidos políticos
devem ler esses instrumentos e elaborar o seu manifesto político. O relatório e
a revisão do meio termo da agenda 20/25 são a base fundamental para cada
partido político traçar o seu roteiro.
Os partidos políticos fazem o devido uso desses instrumentos? Não. Regra
geral limitam-se a citar os documentos e se calhar não os conhecem. O grande
problema é que os manifestos dos nossos partidos são muito parecidos. Em
princípio se copiam uns aos outros e quando chegam às campanhas deixam de lado
os manifestos e partem para ataques mútuos. A Frelimo, que tem uma organização
diferente dos restantes, consegue elaborar manifestos bem estruturados e os
outros vão copiar. Sinto que ainda nos falta a cultura de ver os instrumentos
orientadores que existem no país para traçar um bom roteiro de boa governação.
Nos nossos relatórios apontamos as lacunas governamentais, as sugestões para se
ultrapassarem e como o governo respondeu às inquietações, mas a nossa oposição
nunca tira proveito disso.
O relatório do MARP diz que houve melhoria no combate à corrupção e destaca
a aprovação de leis que compõe o pacote de anticorrupção. Mas, olhando para a
realidade do país hoje, constatamos que os grandes escândalos de corrupção e
falta de transparência datam desse período com destaque para a descoberta das
dívidas ocultas. Continua com a mesma visão? Não sei se devo incluir as dívidas
ocultas no âmbito da corrupção, porque ainda não tenho mecanismos para avaliar.
Daquilo que eu sei, as dívidas ocultas, eventualmente, foram feitas em nome de
uma determinada agenda sobre a segurança nacional, que do ponto de vista
estratégico não convinha que fossem feitas de uma maneira aberta e utilizar
canais das instituições. A nível mundial, o processo de compra de armas nunca é
discutido no parlamento.
Até agora esse processo ainda não está claro, porque os barcos da EMATUM
estão a enferrujar no porto e nada se sabe dos ditos estaleiros e embarcações
compradas. Mas qual é o seu entendimento quando se fala das dívidas ocultas? Eu
estou na expectativa de obter esclarecimentos dos que estão a investigar. A
questão da transparência depende do fim para o qual esse dinheiro era destinado
e como foi conduzido. Eu acredito que era para questões de segurança de Estado.
É preciso saber se teria sido feito doutra maneira. Veja que hoje toda a gente
acha que as dificuldades que o país enfrenta derivam desta questão e isso não é
verdade. A questão é mais volumosa porque este crescimento levou o país a
endividar- -se muito. A componente mais evidente é que há empresas que se
beneficiaram dos avales do Estado.
Da forma como foram violados alguns dispositivos legais na contracção das
dívidas, não acha que há algo escondido? Aguardo as conclusões da PGR para
poder ter um juízo final, não me posso apressar. É preciso presumir que quando
as pessoas vão governar um país não se constituem em gangs, porque estaríamos a
trilhar caminhos perigosos ao sermos governados por gangs. Espero pelas
conclusões. O que tenho ouvido é que os empréstimos foram feitos para
segurança.
É ou não favorável a uma auditoria forense internacional? O presidente
Nyusi disse que o FMI somente faria a auditoria em caso de falha das instituições
nacionais. O governo ainda não negou, ainda não ouvi nenhuma recusa. Acredito
que se está a trabalhar para o restabelecimento da confiança não só com os
parceiros externos, mas também internamente. Não se pode fazer como os outros
querem, o país tem de se organizar. É preciso trabalhar para obter essa
confiança para que o país não fique isolado, pois faz parte do concerto das
nações. Temos o exemplo de Zimbabwe que forçou a questão da dívida e acabou
caindo no isolamento, agora está a tentar acertar o passo. Não é possível um
país viver isolado.
Em entrevista ao SAVANA, Jorge Rebelo dizia que uma auditoria forense e
internacional poderia criar fissuras no seio partidário. Comunga da mesma
opinião? A génese da Frelimo é nacionalista com sentido de soberania muito
forte e há naturalmente uma certa reserva face à entrada da mão externa. Isso é
natural e está no DNA da Frelimo que entende que a entrada de estrangeiros para
inspeccionar algumas coisas mexe alguma coisa. Eu entendo que a Frelimo tenha
alguma reserva que isso aconteça e só pode aceitar em última análise, caso não
tenha mais nada a fazer tal como aconteceu quando o presidente Chissano aceitou
negociar em Roma, mas sempre há uma reserva, devido à soberania e orgulho
nacional que estão enraizados.
Disse que não havia nenhuma relação entre o alto custo de vida e a
descoberta das dívidas ocultas? Disse que não é único factor; há vários, como o
enfraquecimento da nossa moeda, a desaceleração da economia, situações
climatéricas e essa falta de confiança dos parceiros. Gostaria de repisar que não
é correcto pensar que o país está a passar por dificuldades econó- micas e
financeiras devido a 1.4 mil milhões de USD de dívidas escondidas. Temos de
analisar toda a conjuntura dos últimos 10 anos de governação de Armando Guebuza
e vamos constatar que houve grandes investimentos que levaram a altos níveis de
endividamento que não se resumem às dívidas ocultas.
Podemos considerá-las a ponta do iceberg? Quando o copo está cheio de água,
uma gotinha é suficiente para transbordar. Somos muito apressados e acho que
não se deve de forma nenhuma construir-se o país sobre percepções. Temos de
analisar os assuntos sob pena de todos estarmos a fazer política. É papel dos
políticos dizer tudo o que lhes vai favorecer, mas os académicos devem usar
métodos de análise.
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