sexta-feira, setembro 16, 2016

"Azares"

Depois do Presidente da República, Filipe Nyusi, ter apresentado, há duas semanas em Nairobi, o segundo relatório de progresso de Moçambique no âmbito do Mecanismo Africano de Revisão de Pares (MARP), que reporta as boas práticas governativas no período entre 2012-2014, o reitor da Universidade Politécnica e presidente deste fórum a nível nacional, Lourenço do Rosário, abriu as portas ao SAVANA para fazer uma análise ao relatório, projectar novos desafios sem deixar de lado os assuntos candentes da política nacional. Do Rosário, que já chefiou a equipa dos mediadores nacionais nas negociações entre o governo e a Renamo, declinou comentar o actual curso das negociações, mas elogiou a postura de Nyusi como dirigente, e disse que o mesmo teve o azar de ter iniciado o seu ciclo governativo em simultâneo com o arranque da nova onda de violência e crise financeira no país. Considerou estes dois aspectos como os principais obstáculos para implementação do seu programa governativo, isto porque, aquando da tomada de posse, não se vislumbrava nenhum sinal nesse sentido. Condenou de seguida a postura militar da Renamo e diz que, no jogo político, o adversário deve usar a retórica e o trabalho para convencer o seu eleitorado e não a via armada. Para Lourenço do Rosário, as armas da Renamo constituem um meio de chantagem e não se sabe até quando isso vai durar, pois depois do Executivo ter cedido na revisão do pacote eleitoral montado em respeito à lógica da “perdiz”, pouco tempo depois veio apresentar novas exigências.

Resultado de imagem para lourenço do rosárioO chefe de Estado apresentou, há duas semanas, o segundo relatório progresso de Moçambique no MARP, qual é o seu sentimento? Antes de mais, preciso esclarecer em primeiro lugar que este relatório teria sido apresentado em 2014 ou 2015, mas foi adiado por motivos de agenda. Uma vez que já passa muito tempo concluímos que o presidente Nyusi tinha de apresentá-lo e depois a presidência iria se encarregar de produzir uma adenda sobre o novo ciclo de governação. Quanto à questão que me coloca, devo dizer que o segundo relatório mostrava que, em 2014, o país tinha trilhado um percurso satisfatório em função daquilo Lourenço do Rosário ao SAVANA: que eram as sugestões do painel de personalidades eminentes dos grandes desafios. Quer sob ponto de vista da consolidação do pacote legislativo, que era o grande problema, tínhamos alcançado grandes conquistas, bem como nos restantes pontos, tais como a democracia e governação política; governação e gestão económica; governação corporativa e desenvolvimento sócio-económico. Não havia até 2014 qualquer problema com o país.

A instabilidade estava instalada em 2014 e as delegações do governo e da Renamo estavam em negociações, como é que não tínhamos problemas? Esse era um dos desafios que tinha sido posto ao país para resolver. Não se esqueça que as eleições se realizaram em Outubro de 2014. Antes delas, houve revisão do pacote eleitoral, o presidente da Renamo já se havia recenseado e a 5 de Setembro assinou com o presidente Armando Guebuza o acordo de Cessação das Hostilidades tendo depois participado do pleito eleitoral. Tudo estava bem até esse período.

Não vamos dizer tudo, porque nesse período de avaliação o Inquérito de Orçamento Familiar (IOF) mostrava que a pobreza havia aumentado... O país estava a registar um crescimento de 7 % e não havia problemas, todos achávamos que tudo estava bem. Esta contradição entre o IOF e o crescimento económico tem a ver com as diferenças entre a macroeconomia e a microeconomia. Do ponto de vista macroeconómico, o país cresceu, houve estradas, pontes entre outros grandes investimentos, mas tínhamos o desfio da distribuição da riqueza e as assimetrias regionais eram maiores. Este foi um problema constatado entre o que é crescimento e o que é desenvolvimento.

Quais as opções de saída que apresentaram? Os partidos políticos é que devem dar respostas quando elaboram os seus manifestos e não o MARP. O MARP avalia e não executa. Com base no relatório progresso, os partidos políticos devem ler esses instrumentos e elaborar o seu manifesto político. O relatório e a revisão do meio termo da agenda 20/25 são a base fundamental para cada partido político traçar o seu roteiro.

Os partidos políticos fazem o devido uso desses instrumentos? Não. Regra geral limitam-se a citar os documentos e se calhar não os conhecem. O grande problema é que os manifestos dos nossos partidos são muito parecidos. Em princípio se copiam uns aos outros e quando chegam às campanhas deixam de lado os manifestos e partem para ataques mútuos. A Frelimo, que tem uma organização diferente dos restantes, consegue elaborar manifestos bem estruturados e os outros vão copiar. Sinto que ainda nos falta a cultura de ver os instrumentos orientadores que existem no país para traçar um bom roteiro de boa governação. Nos nossos relatórios apontamos as lacunas governamentais, as sugestões para se ultrapassarem e como o governo respondeu às inquietações, mas a nossa oposição nunca tira proveito disso.

O relatório do MARP diz que houve melhoria no combate à corrupção e destaca a aprovação de leis que compõe o pacote de anticorrupção. Mas, olhando para a realidade do país hoje, constatamos que os grandes escândalos de corrupção e falta de transparência datam desse período com destaque para a descoberta das dívidas ocultas. Continua com a mesma visão? Não sei se devo incluir as dívidas ocultas no âmbito da corrupção, porque ainda não tenho mecanismos para avaliar. Daquilo que eu sei, as dívidas ocultas, eventualmente, foram feitas em nome de uma determinada agenda sobre a segurança nacional, que do ponto de vista estratégico não convinha que fossem feitas de uma maneira aberta e utilizar canais das instituições. A nível mundial, o processo de compra de armas nunca é discutido no parlamento.

Até agora esse processo ainda não está claro, porque os barcos da EMATUM estão a enferrujar no porto e nada se sabe dos ditos estaleiros e embarcações compradas. Mas qual é o seu entendimento quando se fala das dívidas ocultas? Eu estou na expectativa de obter esclarecimentos dos que estão a investigar. A questão da transparência depende do fim para o qual esse dinheiro era destinado e como foi conduzido. Eu acredito que era para questões de segurança de Estado. É preciso saber se teria sido feito doutra maneira. Veja que hoje toda a gente acha que as dificuldades que o país enfrenta derivam desta questão e isso não é verdade. A questão é mais volumosa porque este crescimento levou o país a endividar- -se muito. A componente mais evidente é que há empresas que se beneficiaram dos avales do Estado.

Da forma como foram violados alguns dispositivos legais na contracção das dívidas, não acha que há algo escondido? Aguardo as conclusões da PGR para poder ter um juízo final, não me posso apressar. É preciso presumir que quando as pessoas vão governar um país não se constituem em gangs, porque estaríamos a trilhar caminhos perigosos ao sermos governados por gangs. Espero pelas conclusões. O que tenho ouvido é que os empréstimos foram feitos para segurança.

É ou não favorável a uma auditoria forense internacional? O presidente Nyusi disse que o FMI somente faria a auditoria em caso de falha das instituições nacionais. O governo ainda não negou, ainda não ouvi nenhuma recusa. Acredito que se está a trabalhar para o restabelecimento da confiança não só com os parceiros externos, mas também internamente. Não se pode fazer como os outros querem, o país tem de se organizar. É preciso trabalhar para obter essa confiança para que o país não fique isolado, pois faz parte do concerto das nações. Temos o exemplo de Zimbabwe que forçou a questão da dívida e acabou caindo no isolamento, agora está a tentar acertar o passo. Não é possível um país viver isolado.

Resultado de imagem para lourenço do rosárioEm entrevista ao SAVANA, Jorge Rebelo dizia que uma auditoria forense e internacional poderia criar fissuras no seio partidário. Comunga da mesma opinião? A génese da Frelimo é nacionalista com sentido de soberania muito forte e há naturalmente uma certa reserva face à entrada da mão externa. Isso é natural e está no DNA da Frelimo que entende que a entrada de estrangeiros para inspeccionar algumas coisas mexe alguma coisa. Eu entendo que a Frelimo tenha alguma reserva que isso aconteça e só pode aceitar em última análise, caso não tenha mais nada a fazer tal como aconteceu quando o presidente Chissano aceitou negociar em Roma, mas sempre há uma reserva, devido à soberania e orgulho nacional que estão enraizados.

Disse que não havia nenhuma relação entre o alto custo de vida e a descoberta das dívidas ocultas? Disse que não é único factor; há vários, como o enfraquecimento da nossa moeda, a desaceleração da economia, situações climatéricas e essa falta de confiança dos parceiros. Gostaria de repisar que não é correcto pensar que o país está a passar por dificuldades econó- micas e financeiras devido a 1.4 mil milhões de USD de dívidas escondidas. Temos de analisar toda a conjuntura dos últimos 10 anos de governação de Armando Guebuza e vamos constatar que houve grandes investimentos que levaram a altos níveis de endividamento que não se resumem às dívidas ocultas.

Podemos considerá-las a ponta do iceberg? Quando o copo está cheio de água, uma gotinha é suficiente para transbordar. Somos muito apressados e acho que não se deve de forma nenhuma construir-se o país sobre percepções. Temos de analisar os assuntos sob pena de todos estarmos a fazer política. É papel dos políticos dizer tudo o que lhes vai favorecer, mas os académicos devem usar métodos de análise.

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