Jorge Rebelo, um dos fundadores da Frelimo, onde foi o temido secretário do
Trabalho Ideológico nos tempos de Samora Machel, lamenta o facto de o país ter
sido levado para a sarjeta por um líder consagrado como visionário.
Após
vários anos consecutivos de crescimento forte, o desempenho económico de
Moçambique está a registar sinais de queda nos últimos tempos. Como é
que encara
esta triste realidade?
É o
resultado de uma sucessão de vicissitudes.
Crise na produção de alimentos.
O próprio governo queixa-se de
que estamos a consumir muito
mais do que produzimos. Importamos
quase tudo o que comemos. Mesmo
produtos alimentares básicos
como batata, cebola,
tomate, apesar de termos tanta terra fértil. Isto é resultado de políticas
erradas que não priorizavam a agricultura e a indústria ao longo de décadas.
Hoje assistimos a uma espécie de acto de contrição de ex-dirigentes. Mas na
prática ainda não se nota um esforço para mudar, para restituir agricultura e à indústria o devido lugar.
E, assim, a tão proclamada luta contra a pobreza regrediu, a
pobreza aumentou e o povo sofre as consequências das nossas falhas na
governação. Mas muitos outros factores contribuíram e contribuem para a queda da nossa economia. Podemos falar
da seca e das inundações que constantemente nos atingem, sem que se tomem as medidas
possíveis para pelo menos mitigar estas calamidades previsíveis. Embora seja justo dizer
que quando o El Nino se zanga não é possível aplacá-lo.
Há quem diga que a actual crise resulta,
em parte, da actuação pouco criteriosa do governo cessante...
Tal como disse antes, estamos a passar
por uma sucessão de crises. Estamos a assistir uma
situação em que o nosso metical está em
derrapagem face ao dólar, os preços de carvão e gás baixaram muito no mercado
internacional, vivemos uma situação de instabilidade e insegurança (conflito armado).
Porém, de outro lado verificamos um cenário de ganância da classe política que
conduz à corrupção (alguém definiu a corrupção como um imposto pago pelos pobres).
A criminalidade galopante que faz fugir os investidores e agrava a instabilidade,
a diminuição drástica da ajuda externa como sanção contra o endividamento ilícito
do país.
E como sair desta...
São tantos factores. Mas porque são
muitos, é necessário definir quais os prioritários e sobre os quais o governo
deve fazer incidir a sua acção. Penso que neste momento são o conflito armado e
a instabilidade que ele gera; e a dívida oculta não transparente que, além do
mais, nos privou do apoio dos doadores e organismos internacionais, com
consequências que já estamos a sentir. E que vão agravar-se muito nos próximos tempos.
Ainda na linha dos endividamentos. Uma
das coisas que está a agitar o país nos últimos anos são os créditos contraídos
por “empresas privadas”, mas com garantias do Estado. Como vê esse fardo que o
Estado está a ser obrigado a suportar?
Vejo como uma maldição, mas não
castigo de Deus. É um mal que alguém de entre nós criou.
Pode dizer-se: justifica-se esta dívida
astronómica porque esperávamos colher os frutos do carvão, do gás e do
petróleo, o que não aconteceu. Mas um dirigente tem de saber fazer previsões e avaliações
correctas da realidade. Além disso, há uma forte suspeita de que grande parte
desses valores foram parar nos bolsos de alguém. É necessário uma investigação.
Diz parte dos valores que endividaram o
país foram parar no bolso de alguém. Quem é?
Todos o conhecem.
O jornal Canal de Moçambique Moçambique noticiou,
recentemente, que uma empresa ligada ao filho do presidente Guebuza intermediou
a compra de armas para o Estado. O que acha disso?
Também li essa notícia, que acrescenta
que as comissões deste jovem empresário foram de 11 milhões de dólares. Pode
ser uma fabricação, por isso só me posso pronunciar quando estiver provado. De
qualquer forma, a notícia não me surpreendeu. Os filhos dos Presidentes (e de
grande parte da nomenklatura, e não só aqui) têm uma aptidão especial para
enriquecerem sem trabalhar, graças à influência dos pais. É a aplicação de uma
antiga teoria: vale mais o dinheiro ficar connosco, em família, do que ir para
os bolsos dos outros. Como dizem os músicos: “é assim na terra do pandza”.
Na contracção das dívidas há quem
diga que se violou a Constituição e que há espaço para a responsabilização
criminal. Comunga o mesmo espírito?
Claro que sim. Não pela
pressão da comunidade internacional, que é grande, mas para fazemos valer o
princípio de que ninguém está acima da lei.
Será que a justiça moçambicana tem capacidade e/ou coragem para
investigar e tomar medidas sobre a situação das dívidas?
Se não tem, os que dirigem as instituições
da justiça deverão demitir-se e dar lugar a outros menos comprometidos com o
poder, menos medrosos e mais íntegros, como o juiz que ilibou o Dr Castelo Branco,
apesar da pressão em contrário da Procuradoria Geral da República. Temos
quadros válidos neste sector.
Algumas figuras históricas da Frelimo
defendem uma espécie de Lava Jato à moçambicana. Qual é a opinião do Jorge
Rebelo?
Isso equivaleria a uma verdadeira
revolução. Estamos preparados para a desencadear? Neste momento crítico não
iria agravar a instabilidade? No Brasil essa operação levou à prisão de muitos altos
dirigentes, alguns deles condenados a 15 ou mais anos de cadeia. Aqui iria
acontecer o mesmo, se a operação fosse levada a sério. Bastava uma investigação
sobre a origem da riqueza dos chefes. Pessoalmente, acho que se justifica,
porque a dita estabilidade que vivemos é falsa, é aparente. Se a medida da
estabilidade é o grau de satisfação da população, podemos dizer que ela é
praticamente inexistente.
Tendo em conta a situação de
insustentabilidade económica em que o país se encontra, que futuro vaticina?
Não é preciso ser um vidente para
prever um futuro muito sombrio para os moçambicanos, principalmente os mais
pobres. Mesmo os pequenos e grandes empresários estão já a ressentir-se da
queda nos negócios e redução dos investimentos. Mas nós já passámos por crises
graves na história recente de Moçambique. E conseguimos superar. Embora nenhuma
com a dimensão que esta tem.
(SAVANA
por Raul Senda)
0 comments:
Enviar um comentário