A resistência ao Prosavana, o controverso
programa de desenvolvimento agrícola no corredor de Nacala, norte de Moçambique, não
acontece de uma forma isolada. Ela está inserida dentro de um contexto em que várias
outras formas de resistência vem ocorrendo. Nos últimos tempos, revoltas
populares e manifestações de repúdio aconteceram em Moçambique, desde campanhas
organizadas por grupos da sociedade civil até demostrações espontâneas nas cidades moçambicanas. Se fossem
persistentes, tais manifestações poderiam resultar na queda ou desestabilização
do sistema. Alguns defendem que os recentes motins nalgumas cidades em
Moçambique advêm da insatisfação popular pelo bloqueio, ineficiência ou descrédito dos
mecanismos formais de comunicação com o estado1. É provável que isso contribua
consideravelmente, porém, é preciso compreender que os moçambicanos poderão estar a contestar a
ditadura do modelo. Esse modelo de desenvolvimento que, por um lado coloca o país
nos melhores rankings de crescimento económico do continente- resultado de um modelo
baseado no extrativismo e no destrutivismo, engrandecendo apenas os números do
PIB - e por outro não reduz a pobreza e não proporciona, de forma mais ampla,
desenvolvimento social e económico para as pessoas2. O ministro moçambicano da
Agricultura e Segurança Alimentar, José
Pacheco, voltou a defender o Prosavana, com
unhas e dentes, desta vez no parlamento (22 de Julho), como sendo a
salvação para a nossa situação de insegurança alimentar. O ministro disse aos
parlamentares que, contrariamente ao que pensam os movimentos sociais, grupos da sociedade
civil e a oposição política, o Prosavana visa transformar os camponeses em
produtores intensivosorientados para o mercado.É verdade que as condições em
que trabalham os camponeses moçambicanos precisam ser melhorados, mas será verdade que eles precisam, necessariamente,
ser transformados em agricultores de larga escala e entrar no circuito do
agronegócio?
Para os opositores ao Prosavana isso não só é
desnecessário como nunca será possível. É que o Prosavana está inserido num
modelo de desenvolvimento de orientação capitalista: destruição do meio
ambiente, exploração de homens e mulheres e acumulação para poucos. No
entendimento dos grupos que se opõem, serão companhias agroindustriais, e não
camponeses, os que se vão, efectivamente, beneficiar. Forçar produtores de
escala familiar, que geralmente usam técnicas
agroecológicas e sementes locais, a se tornarem “competitivos”pode ser considerado,
não só como uma falácia, como também um exercício de violência. Movimento de
camponeses, vários grupos da sociedade civil e alguns académicos progressistas
– incluído gente ligada ao governo - aperceberam-se disso desde o início, em 2012. Por essa razão a
resistência ao Prosavana é de uma magnitude incomodativa. É provável que, na
história pós-colonial de Moçambique, nunca tenha havido uma resistência tão
corpulenta e persistente a um modelo de desenvolvimento como está a acontecer
com o Prosavana. Mesmo assim, o governo e seus aliados insistem em avançar. O director provincial da
Agricultura e Segurança Alimentar em Nampula – uma das províncias abrangidas
pelo Prosavana –, Pedro Dzucula, provavelmente o defensor mais tenaz do
Prosavana dentro do governo, depois do ministro Pacheco, foi citado pelo jornal notícias, em Agosto de 2014, a garantir que o
Prosavana vai inevitavelmente avançar. Dzucula acredita que a oposição ao
Prosavana, que ele considera de subversão, é “induzida de fora do país, usando
alguns segmentos da sociedade civil”, sem nunca ter apresentado provas que sustentam
essas acusações. Essa abordagem amaneirada do governo,no lugar de intimidar,
pode estar a atiçar a resistência ao Prosavana.
Vários activistas acusam tanto a Pedro Dzucula, como ao ministro Pacheco
de terem uma abordagem ameaçadora. No dia 12 de Junho, durante uma auscultação
pública
sobre o Prosavana, o ministro Pacheco não podia
ter sido mais claro: “qualquer obstáculo vamos atropelar e avançar”, depois de ordenar
aos participantes a terem intervenções patrióticas numa consulta pública, confundindo
o seu papel de “auscultador” com o de quem dita regras. Mas o governo de
Moçambique e os promotores do Prosavana também se apercebem da expansão da resistência, que se
tornou internacional, e mudaram gradualmente o discurso. A linguagem usada na
primeira versão do Plano Director do Prosavana, vazada para a sociedade civil em
2013 – o qual, segundo a sociedade civil, confirmava o pior é totalmente diferente
da que se usou na última versão, apresentada em Junho de 2015. A última versão pode enganar
se o leitor não prestar atenção nos detalhes. O diabo, dizem, está nos
detalhes. A linguagem mudou, mas a essência da coisa continua. Há quem defenda que, a oposição ao
Prosavana é infundada, visto que os seus “adversários” se opõem a algo que não
conhecem. Na óptica dos menos sépticos, é preciso deixar o Prosavana avançar
para ver, na prática, seus resultados. O risco que secorre ao deixar a “caravana passar” é que os
danos ambientais que poderá causar (com o uso de agrotóxicos, contaminação
das águas, destruição de florestas nativas) não se reparam e a desintegração
social advinda do deslocamento de comunidade custa repor. Mas talvez isso possa ser um mal
“necessário”, se no futuro as comunidades negativamente afectadas vierem a insurgir-se.
Quando milhares de camponeses tenham perdido o único que lhes garante sustento,
eventualmente formarão movimentos radicais de luta pela terra e dignidade, e
estaremos vendo o gigante adormecido despertar. O governo precisa dialogar, e
não apenas informar, com o povo. O governo, mesmo que constitucionalmente eleito,
é representante do povo, e não seu dono. É problemático que, em pleno século 21 os governantes insistam
em implementar programas incongruentes, agindo como se fossem eles os pastores e
o povo o rebanho. Ou seja, não importa a opinião das massas, das organizações.
Eles são clarividentes,visionários e sabem para onde conduzir o rebanho. São as mesmas tendências
vanguardistas, características dos regimes comunistas, mas implementadas num
contexto de neoliberalismo de direita. É uma enorme contradição. Esta contradição se
evidencia quando, um governante acredita, sinceramente, que vai trabalhar com
“pequenos e médios produtores, avicultores e criadores de gado, que num processo de
transformação gradual (...) evoluirão de uma agricultura predominantemente de
subsistência para uma agricultura intensiva, orientada para o mercado6”, sem explicar como será
possível esse milagre de transformar milhões de pessoas em agroempresários.
* Boaventura Monjane/Jornalista e activista social.
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