Não há nenhum outro negócio
no mundo sujeito a um sistema tão rigoroso de controlo como a movimentação de armas
de guerra. Nesta era de armas de destruição maciça, agências de espionagem em
todos os cantos do planeta gastam vastas somas de dinheiro e outros recursos,
seguindo a trajectória de equipamentos militares que temem que se caírem em mãos
erradas ou de regimes hostis, podem ser usadas contra os seus países. Deve ter
sido por isso uma grande ingenuidade alguém acreditar que um negócio de armas
pudesse ficar permanentemente encoberto como um investimento para a pesca de
atum. Hoje, quase dois anos depois das primeiras informações terem começado a
circular dando conta de que Moçambique se endividara no mercado europeu em 850
milhões de dólares, ficamos a saber, a partir dos mesmos governantes que
tentaram esconder a informação, que na verdade, somente 40 porcento do volume
de todo o negócio estarão provavelmente ligados à pesca de atum. Os restantes
60 porcento constituem matéria directamente ligada à defesa. E no meio de todo
o manto de mentiras que foram sendo ditas durante este tempo todo, poucos
estarão ainda preparados a acreditar que mesmo na componente respeitante à
defesa, se trate apenas de barcos para patrulhar a longa costa moçambicana. Ninguém
questiona o direito legítimo de Moçambique organizar-se para proteger os seus
recursos naturais e defender-se de qualquer
agressão externa. Até porque pelos padrões de muitos países do seu nível
de desenvolvimento, mesmo que todos os 850 milhões de dólares tivessem sido
aplicados para despesas militares, esse valor dificilmente poderia ser
considerado um escândalo. O que levanta a questão da nebulosidade com que esta
transação foi tratada. Mesmo admitindo que negócios de armas decorrem geralmente
em ambientes de secretismo, o seu impacto sobre as contas públicas, aliado ao
facto de que a defesa nacional é uma acção legítima para a protecção do Estado,
há um nível de transparência que seria necessário imprimir, para que não haja
suspeitas de que indivíduos estejam a enriquecer em nome da segurança do Estado.
De qualquer modo, quando em dias festivos são exibidos materiais de guerra que
se sabe que até há pouco tempo não existiam, os menos distraídos ficarão a
saber o que se passa na verdade. E esta não será a primeira vez que Moçambique
compra armas. Há alguns sectores que defendem a pouca clareza deste negócio com
o argumento de que se tudo tivesse sido feito de forma transparente, isso teria
levantado objecções por parte de parceiros internacionais. Mas estes são os
mesmos parceiros que insistem que Moçambique deve assumir responsabilidades
pela protecção da sua costa, um corredor privilegiado do comércio mundial, para
além dos avultados investimentos que companhias desses mesmos países estão a
realizar nesta costa na área dos hidrocarbonetos. É importante sublinhar também
que este negócio foi feito na França, com o envolvimento de bancos franceses e
suíços. Pelas leis dos seus países, estes bancos devem prestar contas aos seus respectivos
governos. Estes, que por sua vez obteriam, dessa forma, a mesma informação que
a sua contraparte moçambicana entende que deve ser ocultada. Na ausência de uma
defesa mais consentânea, surgiu também nos últimos tempos o argumento de que o
questionamento a toda esta operação estará a ser feito por interesses
(estrangeiros, entenda-se), que gostariam de continuar a beneficiar da
incapacidade de Moçambique de controlar a sua longa costa. O facto, porém, é
que não é isso que preocupa os moçambicanos. Para uma operação desta magnitude,
com todos os seus efeitos sobre a economia do país no futuro, é importante que
os cidadãos deste país tenham o entendimento comum de que estão a sacrificar os
seus recursos para investir para um bem que é também comum. Para isso existe o
parlamento. Porque quando em negóciosdo Estado se tenta sacrificar a
transparência em nome de uma suposta segurança do Estado, corre-se o risco de
se perder ambos.
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