Com a oferta do governo moçambicano, a fronteira agrícola brasileira tem a perspectiva de atravessar o oceano Atlântico rumo à savana africana. Para o geógrafo Eli Alves Penha, autor do livro “Relações Brasil-África e Geopolítica do Atlântico”, as “similaridades ecológicas e culturais” levam a um “encaixe ecológico” entre Brasil e o continente. Em entrevista para a Editora da Universidade Federal da Bahia, Penha comenta, entre outros assuntos, a afirmação do especialista em agricultura do Quénia, Calistou Juma, que “para cada problema africano existe uma solução brasileira. “Eu diria que a recíproca também é verdadeira”, completa Penha. O agronegócio brasileiro, baseado no esgotamento dos recursos naturais, agora vislumbra exportar o modelo insustentável de sementes geneticamente modificadas, manejo degradante do solo e latifúndios explorados às custas de um modelo falido de reforma agrária. Ainda em 2006, o site Repórter Brasil já apontava um novo caminho para a fronteira agrícola brasileira: a rápida degradação do solo é um exemplo (de perdas irreversíveis à região). De acordo relatório da Conservação Internacional, o plantio tradicional da soja, como é feito no Cerrado, causa a perda de cerca de 25 toneladas de solo por hectare ao ano. Caso fossem aplicadas técnicas de conservação, como a aragem mínima, o número poderia ser reduzido a 3 toneladas por ano. Para Rosane Bastos (bióloga integrante da Rede Cerrado), a improdutividade pode impulsionar a destruição de outros ecossistemas: “se os grandes produtores ficarem sem solo, vão subir para a Amazónia”, prevê. Não é de hoje que o governo do Moçambique espreita acordos para aumentar a produtividade agrícola, como reportou o “Global Voices” nos meses de janeiro e julho de 2010. Na ocasião, o site Repórter Brasil já anunciava a preocupação com as comunidades tradicionais de Moçambique: um dos requisitos do governo de Moçambique para a concessão das terras é o emprego de 90% de mão-de-obra nacional nas lavouras. Em pelo menos metade da área ofertada pelo governo aos brasileiros vivem camponeses em pequenas propriedades. Moçambique é um dos 49 países mais empobrecidos do mundo, com 70% da população abaixo da linha da pobreza, e onde os agricultores têm grande dificuldade em aceder a crédito para a produção de comida. A estrutura fundiária e as aquisições de terras por corporações estrangeiras em países africanos foi alvo de estudo da Organização das Nações Unidas, de acordo com texto da Fundação Verde. O documento pontualiza que as aquisições (de modo geral feitas na África mediante contratos de aluguer de meio século ou um século inteiro pelo que nada se paga) podem constituir um benefício ao supor investimentos estrangeiros. Também pode acarrear atracção tecnológica, incremento da produtividade agrária e criação de emprego e de infra-estrutura. Mas, assim como estão sendo levados a cabo, com precárias consultas à população local, falta de transparência e sem garantir nos contratos os compromissos de investimento, emprego ou desenvolvimento de infra-estruturas, supõe colocar em risco o modo de vida de milhares de pequenos agricultores ou pastores, cuja existência depende da terra.
O neocolonialismo brasileiro em Moçambique certamente não contribuirá com o desenvolvimento socialmente justo deste país. Se, por um lado, o Brasil pode oferecer conhecimento técnico para o cultivo de sementes na savana africana, por outro o país tem a oferecer um modelo insustentável de agronegócio, baseado na monocultura, na degradação ambiental e na concentração de terras nas mãos de poucos.
O governo de Moçambique está oferecendo grandes extensões de terras baratas a agricultores brasileiros para o plantio de soja, milho e algodão, informou neste domingo uma fonte oficial do país africano citada pelo jornal “Folha de S.Paulo”.
“Os agricultores brasileiros têm experiência acumulada que é muito bem-vinda. Queremos repetir em Moçambique o que fizeram no cerrado há 30 anos”, disse o ministro da Agricultura moçambicano, José Pacheco, em declarações ao jornal paulista.
Moçambique colocou à disposição do Brasil 6 milhões de hectares em quatro províncias do país, para explorá-las em regime de concessão por 50 anos, mediante o pagamento de imposto de R$ 21 ao ano por hectare, detalhou Pacheco. As terras, cuja dimensão o jornal compara a “três estados do Sergipe” e afirma ser “a nova fronteira agrícola do Brasil”, situam-se nas províncias do Niassa, Cabo Delgado, Nampula (no norte) e da Zambézia (no centro) e destinam-se à produção de soja, milho e algodão.
Como contrapartida para uma concessão de 50 anos, renovável por igual período de tempo, os agricultores pagarão um imposto anual de cerca de 9,00 euros por hectare e deverão beneficiar de isenções de taxas na importação de maquinaria agrícola.
A condição imposta pelo governo moçambicano para oferecer as terras baratas é que seja contratada no país africano ao menos 90% da mão-de-obra. Moçambique também vai dar outras facilidades aos brasileiros, como isenção de impostos para a importação de máquinas e equipamentos agrícolas. O presidente da Associação Mato-grossense dos Produtores de Algodão, Carlos Ernesto Augustin, explicou à “Folha” que as terras moçambicanas são muito semelhantes às do interior do Brasil, com a vantagem do preço e da facilidade de obter licenças ambientais. “Moçambique é um Mato Grosso no meio da África, com terras de graça, sem tantos impedimentos ambientais, com o (custo) do frete à China muito mais barato (...) Hoje, além de terra estar caríssima no Mato Grosso, é impossível obter licença de desmatamento e limpeza de área”, declarou Augustin ao jornal. A China é o principal cliente mundial da soja procedente do Brasil e um importante comprador de outros produtos agrícolas do país sul-americano. Segundo a “Folha”, a primeira leva de 40 agricultores brasileiros vai viajar em setembro a Moçambique para implantar em terras das províncias de Niassa, Cabo Delgado, Nampula e Zambézia. (Adelson Rafael) Leia aqui e aqui
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