quarta-feira, setembro 15, 2021

Sobre responsabilidade criminaL

Estes dias tem havido aí muita alusão a uma possibilidade do Presidente da República, Filipe Nyusi, ser chamado a responder, em juízo, por qualquer participação sua no caso das dívidas ilícitas. Até pessoas de fora, como o empresário libanês Jean Boustani, são citadas como tendo feito alusão a essa possibilidade, alegadamente para ajudar a colocar mais luz sobre este escândalo financeiro. E como estamos todos ansiosos em comentar, acusar, condenar, perdoar ou absolver qualquer pessoa mencionada como participante do odioso banquete de Abu Dabhi, talvez ajude a colocar algumas notas sobre o que diz a Constituição da República, a respeito.

 Ora, então o que diz a Constituição da República?

A Constituição trata desta matéria no seu artigo 152. E ela coloca duas situações em que o Presidente da República possa ser chamado a responder criminalmente. A primeira situação é aquela em que o crime por que é acusado ele o tenha praticado no exercício das suas funções, isto é, enquanto, de facto, Presidente da República. A segunda situação é aquela em que o crime por que é acusado ele o praticara fora do exercício das funções de Presidente da República.

Na primeira situação, o Presidente da República praticou o acto nessa sua capacidade, ou seja, exercendo, efectivamente, as funções de Presidente da República: por alguma forma, aprovando, revendo ou violando alguma norma ou conduta devida. Na segunda situação, a expressão “fora do exercício das suas funções” significa qualquer acto, definido na lei como crime, que o Presidente tenha cometido, porém sem qualquer relação com as suas funções de Presidente da República. Por exemplo, um homicídio, praticado numa rixa com amigos numa festa privada!

Como então a Constituição trata uma e outra situação?

No primeiro caso, o Presidente da República poderá ser alvo de acusação pelo Ministério Público, se a Assembleia da República, com uma maioria de dois terços dos deputados, fizer requerimento, nesse sentido, ao Procurador-Geral da República. Em caso de julgamento – que ocorrerá enquanto o Presidente foi já suspenso das suas funções – este ocorre em sede do Tribunal Supremo. Na segunda situação, de crimes que o Presidente da República tenha praticado fora do exercício destas funções, ele responde ao tribunal comum, porém no termo do mandato (cfr.nº2 do art.152). Ora, e salvo melhor entendimento, este último seria o caso do Presidente Filipe Nyusi, visto que, segundo as informações que têm estado a circular por aí, ele terá participado no projecto da segurança costeira enquanto Ministro da Defesa. Portanto, fora do exercício das funções de Presidente da República. Mas há muitos constitucionalistas, nossos amigos no Facebook que nos podem ajudar ou corrigir, se esta nossa interpretação estiver errada. Afinal a lei interpreta-se! 

*Artigo extraído da página do Facebook do jornalista e jurista Tomás Vieira Mário.

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