O empresário e analista político, Amade Camal, um antigo deputado da Frelimo na primeira legislatura
multipartidária (1994-9), não tem dúvidas que, nos seus pacotes de investimento,
as multinacionais incluem o financiamento a actos terroristas para exigir
aquilo que não conseguem na mesa de negociações.
Como é que encara o
envolvimento da religião muçulmana nas matanças que estão a aterrorizar aprovíncia
de Cabo Delgado?
Ao
contrário do que muitos dizem, vejo a situação noutro ângulo. O islão é uma
religião baseada numa doutrina que significa submissão a Deus. O Alcorão e a
profecia do seu mensageiro defendem a promoção da paz. Não devemos confundir a
doutrina, dos eventuais seguidores. A humanidade nunca confundiu a religião com
aqueles que cometeram a inquisição no século XVI, nem com os que estiveram por
detrás da guerra das cruzadas por três séculos. Também não se confundiu
a religião
com os responsáveis da guerra entre cristãos e os protestantes/ luteranos de
tal forma que, nunca misturou a religião cristã com as incursões das brigadas
vermelhas na Itália, a ETA na Espanha nem da IRA na Irlanda do Norte. Todos
sabemos que os autores dessas atrocidades eram terroristas, mas como não
convinha serem aliados a certa religião, a humanidade evitou confundir. Agora,
quando no meio de milhares de muçulmanos, surge um grupo de criminosos a
aterrorizar pessoas, logo, o islão é responsabilizado. Nunca ouvi o mundo a relacionar
o cristianismo com o terrorismo, em contrapartida, o islão é aliado ao
terrorismo.
Sente que há tendências de
estigmatizar o islão ao relacioná-lo com actos macabros?
Sim. Há
uma estratégia de estigmatizar os muçulmanos associando terroristas ao islão. Infelizmente,
as pessoas ignoram que qualquer falante da língua árabe, seja muçulmano, cristão
ortodoxo ou de outra religião, quando diz que Deus é grande, pronuncia a
palavra Allahu Akbar. Nos Estados Unidos da América existe um grupo que
assassina médicos, enfermeiros e incendia clínicas que fazem abortos. Eles
intitulam- se de exército de Deus. São assassinos, mas nunca são considerados terroristas,
são apelidados de radicais.
Ao contrário dos cristãos.
Os fanáticos do islão evocam o Alcorão para cometer atrocidades. Por quê se o Alcorão é um livro que promove a paz?
O Alcorão
diz que o assassinato de um ser humano é equivalente ao castigo da eliminação
ou do assassinato de toda a humanidade. Portanto, o Alcorão deixa claro que se
há uma coisa proibida é matar alguém. Agora, o Boko Haram, Al Shabab, Estado
Islâmico ou os terroristas de Cabo Delgado não estão a seguir os princípios nem
os ensinamentos do islão. Como muçulmano estou contra
matanças,
destruição ou qualquer maldade ao próximo. Entretanto, a minha inquietação é:
todos esses movimentos que o mundo chama de terroristas islâmicos vieram muito
depois da guerra na Palestina,
das
invasões no Iraque, Líbia, Afeganistão e tantos outros países. Qual foi o
padrão religioso desses invasores? São terroristas ligados a que religião? O que
o mundo diz sobre esse grupo de terroristas que matou milhares de pessoas no
Iraque e no Afeganistão em nome da hipotética democracia? A Líbia era um país próspero.
A qualidade de vida dos líbios superava a de alguns países europeus e foi
destruída. O mundo achou isso normal.
Voltemos ao terror de Cabo
Delgado e o envolvimento do islão...
O
terrorismo de Cabo Delgado não pode ser visto de forma isolada. É necessário
compreender a economia dos hidrocarbonetos, a actuação das grandes potências
nos países onde as suas multinacionais têm interesses. O que está a acontecer
em Cabo Delgado não constitui nenhuma novidade para quem lê a literature que
discute a economia dos hidrocarbonetos. Não é por acaso que Moçambique regista
a eclosão de focos de violência, com certas características, numa altura em que
a exploração do gás de Rovuma está quase a começar. Coincidentemente, estes
recursos estão numa zona de maioria muçulmana.
Depoimentos populares
indicam que os insurgentes acreditam têm a missão de restaurar os valores tradicionais
do islão, uma vez que consideram o islão praticado em Moçambique como estando
em decadência e estão a combater os que estão contra as suas pretensões...
Em
Moçambique não há Guerra religiosa e nem há espaço para tal. O colonialismo
tentou dividir moçambicanos recorrendo à religião e não conseguiu. A Frelimo
marxista também tentou dividir o povo moçambicano através da religião, mas também
não conseguiu. Não é verdade que as matanças de Cabo Delgado têm a vertente
religiosa. Há quatro anos escrevi um artigo em que alertei a quem de direito que,
se não conseguirmos gerir as expectativas em torno dos recursos
naturais,
a segurança do país estará em risco. Cheguei a essa conclusão porque a história
universal reza que na estratégia geo-económica dos hidrocarbonetos, nos
territórios onde há recursos em abundância há guerra. Isso não acontece apenas
em países onde há domínio da religião muçulmana. Temos exemplos de Congo, Sudão
do Sul, Nigéria. Estranhamente, nos países donde vêm as multinacionais que
investem nos hidrocarbonetos não há guerra, mesmo com abundância dos recursos como
é o caso da Noruega, Estados Unidos ou Canada. Isto mostra que existe um padrão
de violência de países desenvolvidos para com subdesenvolvidos devido ao
controlo dos recursos. Esta violência é secular e é exercida em várias formas.
Mesmo as dívidas ocultas que estão a ofuscar o país resultam das acrobacias
dessas potências com intenções imperialistas para continuar a condicionar os países
pobres e retirar seus recursos sem contrapartidas. As dívidas ocultas foram contraídas por moçambicanos bem identificados. Onde
é que entram as multinacionais. Não
estou a dizer que não houve ladrões em Moçambique nas dívidas da Ematum e
companhia. Há pessoas que levaram dinheiro para seus bolsos e que devem ser
responsabilizadas. O que estou a dizer é que fomos enganados que nem ingénuos
para nos criar esta situação de ruptura insustentável da nossa economia. Como é
possível países europeus e americanos venderem equipamento de guerra sem saber para
onde vai e como é que será pago? Isso é no mínimo estranho. É óbvio que os
nossos serviços secretos também cometeram falhas. Veja que, aqueles que tinham
a obrigação de identificar o perigoforam eles que levaram o país a uma situação
perigosa devido à ambição de ganhar dinheiro sem sacrifício. Os imperialistas
têm vários truques para fazer vincar suas intenções. Antes procuram identificar
fragilidades de cada
sistema e exploram no máximo. Viram inconsistência ética da parte dos nossos
serviços de segurança de Estado e conseguiram ancorar o país para satisfazer
seus desejos.
Diz que a instabilidade de
Cabo Delgado deriva dos hidrocarbonetos. Porém, as Forças de Defesa e Segurança
olham para os insurgents como um grupo de bandidos armados...
Compreendo
a posição das chefias das FDS. Eles não são estúpidos. Pensam muito bem e sabem
que o que dizem à sociedade sobre ataques não convence a ninguém. Infelizmente o
sistema está condicionado à pressão dos investidores. As FDS receiam que se
fizerem uma abordagem realística pode condicionar os cifrões dos investimentos,
mas a forma irrealista de abordagem das coisas vai fazer com que a finalidade
seja a criação duma vila autónoma na zona de exploração dos hidrocarbonetos. As
FDS dependem da voz do commando nque deve advir do Comandante-em-chefe que
também é chefe dum governo que está ancorado à
vontade
dos investidores. Na realidade, os investidores querem criar um território em
que nem o governo terá acesso sob pretext de proteger seus investimentos.
Os
insurgentes existem, estão profundamente enraizados, organizados com objectivos
concretos. Isto é, criar focos de instabilidade permanente de forma que as
multinacionais consigam tudo o que não conseguiram na mesa das negociações. Para
tal, vão nos entretendo com estes movimentos terroristas para nos desviar o
essencial. Esta é a história da guerra nos hidrocarbonetos.
Cabo
Delgado tem hidrocarbonetos, tem rubis, grafite, esmeraldas, está numa situação
geoestratégia privilegiada. Como moçambicanos devemos olhar para este cenário
com muita seriedade.
O que quer dizer quando
refere que o governo deve ser mais radical?
Se
queremos evitar que Moçambique seja igual aos países que as suas riquezas
tornaram-se motivo de castigo dos seus cidadãos, devemos parar com a exploração
dos hidrocarbonetos. O governo ainda vai a tempo de cancelar os projectos da bacia
de Rovuma e incorrer nas penalizações financeiras. Basta dizer
que
estamos numa situação de insegurança e não queremos prejudicar nossos
investidores.
Há dias, o proprietário da
Blackwater Security, Erik Prince, prontificou-se a eliminar os insurgents de
Cabo Delgado em três meses, mediante uma factura de 800 milhões de dólares. O
que achou?
Tudo tem
preço. Erik Prince, através da sua empresa Blackwater Security, chegou a ter 90
mil homens na guerra do Iraque. Era um contingente altamente equipado. Isto é, a
máquina de guerra usada pelos EUA para destruir Iraque foi da Blackwater. Acha
que é normal empresa de um cidadão ter um exército e um arsenal militar daquela
envergadura?
Ficou
claro que na Guerra do Iraque, o senhor Prince estava a representar interesses
dos EUA. Por falar de Erik Prince é importante lembrar que, na altura de
prospecção
de hidrocarbonetos na bacia de Rovuma, os investidores diziam que gastavam um
milhão de dólares americanos/dia em segurança. Era uma empresa estrangeira que
garantia a segurança das plataformas. Acho que é justo que as FDS olhassem
naquilo como oportunidade para investir na defesa da integridade territorial.
Acredito que se não tivesse havido tantos roubos, o negócio teria sido viável. Porém,
quando os imperialistas se aperceberam que se o esquema da EMATUM,
MAM e ProIndicus desse certo, ninguém daria conta do endividamento e os seus
planos podiam não singrar. Assim, os investidores atrasaram as suas projecções
de início de exploração de gás e daí destaparam os endividamentos e colocaram o
país de cócoras. É estranho que numa situação emque estamos ancorados e
debaixo de terror provocado por um grupo
cujo rosto é
desconhecido, apareça uma empresa de segurança ligada ao país de um dos
investidores nesses recursos, a dizer que acaba com os bandidos em tempo
recorde a troco de mais um endividamento do país. Na realidade, o que os
imperialistas querem é tirar nossos recursos e nos deixar no zero.
Tendo em conta os seus
argumentos, este conflito não tem fim à vista...
Estes
ataques vão continuar e com tendências crescentes. Hoje até podemos pensar que
são casos iso
província de Cabo Delgado. Nãoé verdade,
isto vai alastrar-se por todo o país. Se não pararmos com a exploração dos
hidrocarbonetos, vamos voltar ao caos num future não distante porque isso
interessa os investidores. Um exemplo simples que como país é importante ter em
conta: a proposta de segurança apresentada por Erik Prince não se limita apenas
a Cabo Delgado. Vai até a zona de Limpopo. Prince tem acesso à informação
privilegiada dos investidores e deve saber que o plano de expansão dos
terroristas vai chegar à região sul do país, tomando control de quase toda a
costa moçambicana. Se o nosso governo está comprometido com a segurança
nacional, deve levar a sério o mapeamento de Erik Prince.
Como é que estes
movimentos actuam?
Os modus
operandi são os mesmos. Veja o que está a acontecer no Conclave de Cabinda
em Angola, no Sudão do Sul, na República Democrática do Congo, na Líbia ou no
Iraque. Veja que isto começa na Mocímboa da Praia e logo a população chama
os tais criminosos de Al Shabab. A população
não sabe nada disso. Isso
de Al Shabab
é invenção dos responsáveis desses movimentos para distrair-nos porque sabem
que o Al Shabab actua de forma radical fomentado terror de forma hedionda. Isto
foi maquinado de forma a se consolidar a ligação desses insurgents com os
terroristas de Al Shabab.
Cancelando os contratos de
gás de Rovuma, o Governo não corre o risco de ser empurrado por pôr em causa os interesses dessas multinacionais...
Os investidores
não querem tirar a Frelimo do poder. O que eles querem é condicionar a
governação. Os investidores sabem que com a Frelimo os seus interesses estão
protegidos. A entrada de outro partido pode trazer incertezas e os investidores
não querem instabilidade que não controlam.(SAVANA)
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