domingo, julho 08, 2018

"O país adiado"


Resultado de imagem para nyuse e ossufo momadeDe como o fracassado encontro entre Nyusi e Ossufo Momad, em Quelimane, coloca o país numa encruzilhada: a tentação para o regresso as matas está no ar.
Há cerca de três semanas, o PR Filipe Nyusi foi de visita à Zambézia no centro de Moçambique. No meio de sua agenda protocolar, Nyusi abrira espaço para um encontro de trabalho com Ossufo Momade, o novo homem forte da de Renamo, que ascendeu à liderança na sequência da morte recente Afonso Dhlakama. O solícito embaixador da Suíça, Mirko Manzoni, descrito como um faxineiro incansável na busca de uma ponte de diálogo entre Nyusi e Dhlakama, tratou de aproximar as partes. Foi ele quem contactou a Renamo para que Ossufo Momad saísse da Gorongosa para o aperto de mãos com Nyusi. Manzoni organizou a logística para tira-lo das matas. Mas o encontro fracassou. Porque?
A Renamo não terá recebido o pedido de encontro com uma antecedência razoável, que permitiria do seu lado a devida preparação. Alegadamente, por razoes de estratégia militar, sair das matas da Gorongosa é um processo intricado. O encontro foi gorado pelo comando castrista da Renamo. Momad não chefia a ala militar, que tem à cabeça o General M., antigo braço direito de Dhlakama. O comando militar da Renamo é composto por cerca de 20 homens, maioritariamente de etnia ndau, a mesma de Dhlakama. Este grupo não depositou toda a confiança em Momad, um macua que nos primórdios da sangrenta guerra civil militava o exército governamental.
Resultado de imagem para nyuse e ossufo momadeMomad teve de obedecer. Nem Manzoni, nem o embaixador dos EUA, Dean Pittman, uma espécie de coadjuvante de suíço no chamado “grupo de contacto”, que substituiu a multifacetada equipa de mediação no Hotel Avenida, conseguiram demover as hostes baseadas na serra. Ao impedir que Momad se deslocasse a Quelimane, a Renamo fez passar uma mensagem: a ala militar continua a determinar as linhas da decisão política do partido – sua capacidade de barganha ainda assenta na ameaça latente de recurso à violência, coisa que Dhlakama fez com mestria. (Enquanto não se consumar o regresso de Raul Domingos – o antigo número dois da ala politica da Renamo – para, de acordo com as negociações em curso, assumir um lugar chave no partido, é provável que a corrente militar continue a controlar o ritmo negocial. Mas terá capacidade para aguentar um eventual pressão militar do Governo).
O falhanço do encontro de Quelimane não foi do agrado da Frelimo, pois ele serviria para se encontrar uma base final para a desmilitarização da Renamo. O Governo entende que esse processo deve acontecer já, fazendo jus aos “acordos” entre Nyusi e Dhlakama, sobre os quais não há registo escrito pois eles optavam por um modelo informal de conversação a dois. Mas para a Renamo, sem actas e com Dhlakama fora de cena, como confiar na palavra de Nyusi, sobretudo quando o Governo condiciona a aprovação dos dois comandos legais que viabilizam a concretização das alterações constitucionais, com relevância para as autarquias locais, à desmilitarização já?
Os entendimentos entre Nyusi e Dhlakama gravitaram em dois pontos: i) o aprofundamento da descentralização, para a qual já se efectuou uma revisão constitucional que alterou o sistema de eleição para as autarquias locais e governos provinciais, abrindo o espaço para uma partilha de poder ao nível local; ii) a desmilitarização efectiva da Renamo. 
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Tendo cedido largamente no primeiro ponto, o Governo pretendia avançar com a desmilitarização antes de concretizar, com legislação específica, os princípios acordados na revisão pontual da constituição. Para a Frelimo, desmilitarizar já é uma condição sine qua non para se avançar com eleições em novo contexto legal. É uma questão de garantia de que a Renamo vai desmilitarizar. Mas a Renamo também exige garantias. Para ela, desmilitarizar não é apenas desarmar. É integrar efectivamente suas unidades no exército. Alias, a Renamo também cedeu nas suas posições, abandonando a exigência de paridade nas Forças Armadas.
Resultado de imagem para mirko manzoni embaixador mocambiqueA Renamo diz que pode desmilitarizar já, desde que haja um claro “road map”, que passaria por três momentos: I) Integração dos militares da Renamo nas estruturas do Comando do Exército. Estes militares foram sendo afastados de suas posições de chefia. Continuam no Comando mas longe dos processos de decisão operacional; II) Integração de oficiais intermédios da Renamo estacionados em Gorongosa nas estruturas do Ministério do Interior, distribuindo-os pelos comandos da Policia de Protecção, da FIR, das Guarda-Fronteira e da Protecção de Altas Individualidades. III) Acantonamento de todos os “foot soldiers” da Renano espalhados pelo país em centros a determinar, organizando para uns sua integração no Exercito e para outros sua reinserção social. Nesse processo, todas as armas em sua posse seriam entregues.
Uma fonte da Renamo diz que basta haver vontade politica para se avançar; que foi este o entendimento que Afonso Dhlakama disse nas suas hostes ter alcançado com Nyusi antes de morrer. E que essa era a única garantia de que o exercito governamental não vai atacar seus elementos militares, pois eles estarão integrados.
O fracasso da reunião de Quelimane radicalizou a posição do Governo. Semanas antes, o executivo submetera à Assembleia da República (a AR) duas propostas de lei (sobre a eleição dos titulares de cargos autárquicos, nomeadamente alterando o modelo das candidaturas uninominais para candidaturas de lista; e transitando a tutela das autarquias locais do Ministério da Administração Pública para o Conselho de Ministros). A AR havia agendado a discussão dessas mas ela foi adiada sine die na sequência deu uma proposta da Frelimo, liderada por Margarida Talapa. A questão da desmilitarização foi colocada nalguns corredores como razão central para o adiamento.
Sem aqueles dois comandos, as eleições marcadas para 10 de Outubro podem ser canceladas. Ontem, a Comissão Nacional de Eleições (CNE) devia iniciar a recepção das listas de candidatura dos partidos políticos. Mas o órgão teve de cancelar esse processo, instalando-se um clima de incerteza. A realização destas eleições em Outubro deste ano é um imperativo constitucional, de acordo com a recente revisão. O pleito pode ser adiado, mas não por muito tempo. Por razoes climatéricas, não é recomendável que processos eleitorais à escala nacional tomem lugar entre fins de Novembro e Fevereiro, época de chuvas, um empecilho à logística.
O impasse está instalado. As eleições adiadas. O adiamento parece interessar tanto a Frelimo e a Renamo assim como ao MDM. Ninguém está preparado para as eleições a 10 de Outubro. Até ontem ninguém tinha candidatos definidos até ontem. O nível de desorganização interna é caótico nalguns partidos, sem logística para enfrentarem a poderosa máquina da Frelimo inclinada para a manipulação. A questão que se coloca é até onde este adiamento é sustentável, sobretudo porque tem implicações práticas para a governação local em Moçambique. Os mandatos dos actuais governos municipais terminam agora em Outubro. Depois de lá, todos os dirigentes estarão governando fora de seus mandatos, sem legitimidade. E a Renamo estará também adiando as possibilidades de controlar algumas autarquias, golpeando as aspirações de suas clientelas locais.
Imagem relacionadaNas próximas semanas, Moçambique voltará a viver sob forte tensão politica. Esta é uma batata na mesa do Presidente Nyusi. Ele tem de mostrar seu interesse em encontrar uma solução pacífica, evitando renovar a saga da violência armada com a Renamo, cujo impacto na economia e sociedade é profundo. Moçambique vive numa encruzilhada. Uma zona norte com focos intensos de grupos armados disputando o monopólio estatal da violência, espalhando terror em zonas próximas da exploração de gás em Palma, o que levou esta semana Dean Pittman a exigir uma acção enérgica do Governo, sob pena de adiamento dalguns investimentos na área; uma crise económica de grande proporções e um governo altamente incompetente que, ao invés de atrair e manter a confiança dos investidores em tempo de crise, faz tudo para que eles desanimem e desistam, como aconteceu com a Delonex Energy Mozambique, que esta semana entregou uma carta ao executivo formalizando que não quer mais negociar seu contrato de concessão de pesquisa de petróleo na zona das Palmeiras (bloco 5-A) depois de 3 anos de negociações que nunca avançam por alegada falta de capacidade técnica.
A solução do impasse é uma urgência se nossa classe política quiser quebrar o ciclo tenebroso de um país adiado. A morte de Dhlakama parece ter alimentando a falsa percepção na Frelimo de que a Renamo acabou, incluindo sua barganha bélica; que perdeu seu poder negocial e se estrebucha na trajectória fatal de um Titanic. Isso parece ser apenas uma hipótese, que teria de ser testada. Será que Nyusi (ou a Frelimo) quer regressar ao teste da violência armada, aumentando as incertezas de um país que só vai retomar algum alento na economia depois das eleições de 2019? Porque ninguém investe grosso no auge de um processo eleitoral. Todos querem saber para onde balançará o poder. Será que Mirko Manzoni e Dean Pittman vao conseguir aproximar as partes como fizeram quando estenderam uma ponte entre a Ponta Vermelha e a Gorongosa? (Marcelo Mosse)

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