De
como o fracassado encontro entre Nyusi e Ossufo Momad, em Quelimane, coloca o
país numa encruzilhada: a tentação para o regresso as matas está no ar.
Há
cerca de três semanas, o PR Filipe Nyusi foi de visita à Zambézia no centro de
Moçambique. No meio de sua agenda protocolar, Nyusi abrira espaço para um
encontro de trabalho com Ossufo Momade, o novo homem forte da de Renamo, que
ascendeu à liderança na sequência da morte recente Afonso Dhlakama. O solícito
embaixador da Suíça, Mirko Manzoni, descrito como um faxineiro incansável na
busca de uma ponte de diálogo entre Nyusi e Dhlakama, tratou de aproximar as
partes. Foi ele quem contactou a Renamo para que Ossufo Momad saísse da
Gorongosa para o aperto de mãos com Nyusi. Manzoni organizou a logística para
tira-lo das matas. Mas o encontro fracassou. Porque?
A
Renamo não terá recebido o pedido de encontro com uma antecedência razoável,
que permitiria do seu lado a devida preparação. Alegadamente, por razoes de
estratégia militar, sair das matas da Gorongosa é um processo intricado. O
encontro foi gorado pelo comando castrista da Renamo. Momad não chefia a ala
militar, que tem à cabeça o General M., antigo braço direito de Dhlakama. O
comando militar da Renamo é composto por cerca de 20 homens, maioritariamente
de etnia ndau, a mesma de Dhlakama. Este grupo não depositou toda a confiança
em Momad, um macua que nos primórdios da sangrenta guerra civil militava o
exército governamental.
Momad
teve de obedecer. Nem Manzoni, nem o embaixador dos EUA, Dean Pittman, uma
espécie de coadjuvante de suíço no chamado “grupo de contacto”, que substituiu
a multifacetada equipa de mediação no Hotel Avenida, conseguiram demover as
hostes baseadas na serra. Ao impedir que Momad se deslocasse a Quelimane, a
Renamo fez passar uma mensagem: a ala militar continua a determinar as linhas
da decisão política do partido – sua capacidade de barganha ainda assenta na
ameaça latente de recurso à violência, coisa que Dhlakama fez com mestria.
(Enquanto não se consumar o regresso de Raul Domingos – o antigo número dois da
ala politica da Renamo – para, de acordo com as negociações em curso, assumir
um lugar chave no partido, é provável que a corrente militar continue a
controlar o ritmo negocial. Mas terá capacidade para aguentar um eventual
pressão militar do Governo).
O
falhanço do encontro de Quelimane não foi do agrado da Frelimo, pois ele
serviria para se encontrar uma base final para a desmilitarização da Renamo. O
Governo entende que esse processo deve acontecer já, fazendo jus aos “acordos”
entre Nyusi e Dhlakama, sobre os quais não há registo escrito pois eles optavam
por um modelo informal de conversação a dois. Mas para a Renamo, sem actas e
com Dhlakama fora de cena, como confiar na palavra de Nyusi, sobretudo quando o
Governo condiciona a aprovação dos dois comandos legais que viabilizam a
concretização das alterações constitucionais, com relevância para as autarquias
locais, à desmilitarização já?
Os
entendimentos entre Nyusi e Dhlakama gravitaram em dois pontos: i) o
aprofundamento da descentralização, para a qual já se efectuou uma revisão
constitucional que alterou o sistema de eleição para as autarquias locais e
governos provinciais, abrindo o espaço para uma partilha de poder ao nível
local; ii) a desmilitarização efectiva da Renamo.
Tendo
cedido largamente no primeiro ponto, o Governo pretendia avançar com a
desmilitarização antes de concretizar, com legislação específica, os princípios
acordados na revisão pontual da constituição. Para a Frelimo, desmilitarizar já
é uma condição sine qua non para se avançar com eleições em novo contexto
legal. É uma questão de garantia de que a Renamo vai desmilitarizar. Mas a
Renamo também exige garantias. Para ela, desmilitarizar não é apenas desarmar.
É integrar efectivamente suas unidades no exército. Alias, a Renamo também
cedeu nas suas posições, abandonando a exigência de paridade nas Forças
Armadas.
A
Renamo diz que pode desmilitarizar já, desde que haja um claro “road map”, que
passaria por três momentos: I) Integração dos militares da Renamo nas
estruturas do Comando do Exército. Estes militares foram sendo afastados de
suas posições de chefia. Continuam no Comando mas longe dos processos de
decisão operacional; II) Integração de oficiais intermédios da Renamo
estacionados em Gorongosa nas estruturas do Ministério do Interior, distribuindo-os
pelos comandos da Policia de Protecção, da FIR, das Guarda-Fronteira e da
Protecção de Altas Individualidades. III) Acantonamento de todos os “foot
soldiers” da Renano espalhados pelo país em centros a determinar, organizando
para uns sua integração no Exercito e para outros sua reinserção social. Nesse
processo, todas as armas em sua posse seriam entregues.
Uma
fonte da Renamo diz que basta haver vontade politica para se avançar; que foi
este o entendimento que Afonso Dhlakama disse nas suas hostes ter alcançado com
Nyusi antes de morrer. E que essa era a única garantia de que o exercito
governamental não vai atacar seus elementos militares, pois eles estarão
integrados.
O
fracasso da reunião de Quelimane radicalizou a posição do Governo. Semanas
antes, o executivo submetera à Assembleia da República (a AR) duas propostas de
lei (sobre a eleição dos titulares de cargos autárquicos, nomeadamente
alterando o modelo das candidaturas uninominais para candidaturas de lista; e
transitando a tutela das autarquias locais do Ministério da Administração
Pública para o Conselho de Ministros). A AR havia agendado a discussão dessas
mas ela foi adiada sine die na sequência deu uma proposta da Frelimo, liderada
por Margarida Talapa. A questão da desmilitarização foi colocada nalguns
corredores como razão central para o adiamento.
Sem
aqueles dois comandos, as eleições marcadas para 10 de Outubro podem ser
canceladas. Ontem, a Comissão Nacional de Eleições (CNE) devia iniciar a
recepção das listas de candidatura dos partidos políticos. Mas o órgão teve de
cancelar esse processo, instalando-se um clima de incerteza. A realização
destas eleições em Outubro deste ano é um imperativo constitucional, de acordo
com a recente revisão. O pleito pode ser adiado, mas não por muito tempo. Por
razoes climatéricas, não é recomendável que processos eleitorais à escala
nacional tomem lugar entre fins de Novembro e Fevereiro, época de chuvas, um
empecilho à logística.
O
impasse está instalado. As eleições adiadas. O adiamento parece interessar
tanto a Frelimo e a Renamo assim como ao MDM. Ninguém está preparado para as
eleições a 10 de Outubro. Até ontem ninguém tinha candidatos definidos até
ontem. O nível de desorganização interna é caótico nalguns partidos, sem logística
para enfrentarem a poderosa máquina da Frelimo inclinada para a manipulação. A
questão que se coloca é até onde este adiamento é sustentável, sobretudo porque
tem implicações práticas para a governação local em Moçambique. Os mandatos dos
actuais governos municipais terminam agora em Outubro. Depois de lá, todos os
dirigentes estarão governando fora de seus mandatos, sem legitimidade. E a
Renamo estará também adiando as possibilidades de controlar algumas autarquias,
golpeando as aspirações de suas clientelas locais.
Nas
próximas semanas, Moçambique voltará a viver sob forte tensão politica. Esta é
uma batata na mesa do Presidente Nyusi. Ele tem de mostrar seu interesse em
encontrar uma solução pacífica, evitando renovar a saga da violência armada com
a Renamo, cujo impacto na economia e sociedade é profundo. Moçambique vive numa
encruzilhada. Uma zona norte com focos intensos de grupos armados disputando o
monopólio estatal da violência, espalhando terror em zonas próximas da
exploração de gás em Palma, o que levou esta semana Dean Pittman a exigir uma
acção enérgica do Governo, sob pena de adiamento dalguns investimentos na área;
uma crise económica de grande proporções e um governo altamente incompetente
que, ao invés de atrair e manter a confiança dos investidores em tempo de
crise, faz tudo para que eles desanimem e desistam, como aconteceu com a
Delonex Energy Mozambique, que esta semana entregou uma carta ao executivo
formalizando que não quer mais negociar seu contrato de concessão de pesquisa de
petróleo na zona das Palmeiras (bloco 5-A) depois de 3 anos de negociações que
nunca avançam por alegada falta de capacidade técnica.
A
solução do impasse é uma urgência se nossa classe política quiser quebrar o
ciclo tenebroso de um país adiado. A morte de Dhlakama parece ter alimentando a
falsa percepção na Frelimo de que a Renamo acabou, incluindo sua barganha
bélica; que perdeu seu poder negocial e se estrebucha na trajectória fatal de
um Titanic. Isso parece ser apenas uma hipótese, que teria de ser testada. Será
que Nyusi (ou a Frelimo) quer regressar ao teste da violência armada,
aumentando as incertezas de um país que só vai retomar algum alento na economia
depois das eleições de 2019? Porque ninguém investe grosso no auge de um
processo eleitoral. Todos querem saber para onde balançará o poder. Será que
Mirko Manzoni e Dean Pittman vao conseguir aproximar as partes como fizeram
quando estenderam uma ponte entre a Ponta Vermelha e a Gorongosa? (Marcelo Mosse)
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