Na
passada quinta-feira, o Primeiro-ministro Carlos Agostinho do Rosário tinha
passagem marcada para Lichinga, no primeiro voo da manha, às 7 horas. Quando
ele chegou a Mavalane foi confrontado com o vexame por que passam habitualmente
clientes da LAM: bilhete na mão, avião em terra. Como governante, ele ficou
estarrecido. Sobretudo quando soube que a transportadora não iria levantar um
único voo naquele dia, porque seus fornecedores de Jet haviam-lhe fechado as
mangueiras. Exigiam dinheiro à vista. Pela primeira vez, o PM sentiu na pele
aquilo que muitos têm sentido nestes últimos de serviço caótico da LAM.
E
depois foi o que se soube. No fim do dia, o Ministro Carlos Mesquita
(Transportes e Comunicações) minimizou o problema: tratava-se de uma questão de
“encontro de contas”. E o insosso comunicado do IGEPE anunciando a partida de
uma Comissão Executiva, liderada por António Pinto, um funcionário de carreira
do Instituto de Aviaçao Civil de Moçambiquue (IACM), a entidade reguladora do
sector. A demissão desta comissão foi suscitada pelo PM. O ministro Mesquita,
da tutela sectorial, que propusera há três anos atrás alguns dos seus nomes,
incluindo o de Pinto, foi ignorado. O Ministro da Economia e Finanças, Adriano
Maleiane, que faz a tutela financeira não se quis envolver directamente. Coube
ao IGEPE, que sob alçada de Maleiane gere as participações do Estado no sector
empresarial, anunciar a derradeira medida.
O
IGEPE tem à cabeça Ana Coanai. Ela indicou que a comissão demitida tinha sido
substituída por uma Comissão de Gestão. Mas quem são os elementos dessa
comissão? Ninguém. A comissão não tem nomes. É um corpo sem alma. Ou seja, foi
feito tudo a correr. E os gestores demitidos continuam a comandar os destinos
empresariais da LAM. A medida tomada foi mais um improviso, resultante do
choque emocional do PM ao ficar por terra num dia em que teve de optar por
viajar para o Niassa num avião da Força Aérea. A medida revela que o Governo
ainda não tem uma estratégia para a LAM. Ninguém está a fazer nada.
O
Presidente Nyusi disse o ano passado depois de uma visita à Holanda que o
Governo procurava um parceiro estratégico para a companhia. O que aconteceu de
la até cá foi quase pouco. Deu para algumas viagens. Ana Coanai foi à Etiópia
tentar namorar a companhia local, em vão. Ela se esqueceu de apresentar aos
etíopes a carteira de dívidas da LAM (cerca de 400 milhões de USD). Também foi
para Angola, na companhia de gestores da LAM, para perceber o que é que a TAAG
fez para despachar para o lixo sua bagagem de ineficiência. Ainda não existe
nada escrito sobre como o Governo pensa resolver o dilema da LAM.
Neste
momento, a LAM não tem, de facto uma equipa de gestão empresarial. Há quem
conjecturou que o regulador, o IACM, devia intervir, para garantir que a
companhia mantenha os padrões de segurança exigidos. Ontem, falei com o
Comandante João Abreu, que dirige o IACM. Ele disse-me que, como a intervenção
do IGEPE afectava apenas a componente empresarial da empresa, o IACM não
se intrometia nessas matérias. O que o IACM está a fazer é monitorar a
componente de linha área, assegurando que as áreas de manutenção, operações de
voo e comercial continuem actuando dentro da normalidade. E, disse ele, neste
momento os responsáveis por qualquer problema na componente de linha área são
os “post holders”, uma giria usada no sector para nomear os directores de cada área.
Como
será o bailout da LAM?
Eis
a grande questão: onde o Governo irá buscar dinheiro para injectar no fluxo de
caixa da chamada companhia de bandeira?
O
Conselho de Administração (CA) foi sacado, curiosamente não por ordens directas
dessa tutela sectorial, como habitualmente, nem por indicação expressa do
Ministro Adriano Maleiane (Economia e Finanças), responsável pela tutela
financeira. O anúncio veio do IGEPE, o Instituto de Gestão de Participações do
Estado, um órgão adstrito à tutela financeira. É óbvio que Maleiane teve mão na
remoção da administração cessante, dando a impressão de que ela fazia uma
gestão deficiente.
Mas
os problemas da LAM parecem mais profundos, nomeadamente a empresa está
altamente endividada. Contas do Tribunal Administrativo relativas a 2016
colocavam a divida da LAM nos 4.1 de biliões de Meticais (1 UDS equivalem a 60
Mts), resultante empréstimos contraídos na banca comercial local e a
fornecedores nacionais e estrangeiros. Entre os fornecedores locais, contam-se
gasolineiras, os Aeroportos de Moçambique e a SMS (catering), uma sociedade
anónima onde a LAM detém 50% das acções (a SMS cortou drasticamente seu serviço
à LAM; Na semana passada, quando os voos foram reestabelecidos, passageiros
partilharam fotos do serviço de catering a bordo: uma embalagem de batatas
fritas e um copinho de água).
A
LAM, dizem fontes do sector, precisa de uma injecção massiva de capital para
reduzir sua divida com fornecedores, minorando suas relações. Onde ir buscar
esse dinheiro? E quanto na verdade precisa? Ir buscar lá fora parece ser uma
miragem. Desde que no início do ano passado que, após Governo optou por falhar
pagamentos das obrigações emitidas no quadro do vasto procurement ilícito que
originou as chamadas dívidas ocultas, nossos ratings de crédito estão abaixo de
lixo nos mercados externos.
A
saída é o Governo tentar buscar dinheiro cá dentro. Mas onde? Através da
emissão de mais obrigações de Tesouro? Do recurso à banca comercial? Afinal
qual é exactamente o estado da saúde financeira da LAM? A situação é altamente
delicada. Os sucessivos governos foram protelando uma solução radical, optando
por tapar buracos pontualmente. Hoje, com a actual crise, encontrar uma saída
será mais complicado. Precisará de um golpe de mestre.
E
de o Governo assumir que a LAM não pode fechar porque tem um papel fulcral na
economia e sua manutenção é também um objectivo politico. Por isso, precisa de
um bailout. Mas para isso, o Governo terá de passar cima dos preceitos do Banco
de Moçambique na gestão da estabilidade da economia. Nos finais do ano passado,
o Governador do Banco de Moçambique, Rogério Zandamela, dava conta, em tom
alarmante, de uma divida pública doméstica na ordem dos 100,5 biliões de MTs,
originada pelo crescente recurso do Governo a fontes internas para financiar as
contas do Tesouro, donde saem injecções de dinheiro em empresas como a LAM. É
provável que a banca comercial local rejeite quaisquer possibilidades de
refinanciar a LAM. O único recurso será mesmo passar por cima de Zandamela e
dos limites prudenciais de endividamento interno. O que causará uma profunda
mossa na reaproximação do Governo ao FMI.
O
problema da LAM é estrutural. Mas a LAM precisa de um gestor do perfil de
Mateus Magala, que está gerindo a EDM duma forma que não há memória no sector
empresarial do Estado. Alguém com autoridade e competência para identificar os
buracos na gestão, nomeadamente custos inflacionados, eliminando-os.
Contudo,
sem dinheiro nada feito. A LAM também precisa urgentemente de mais de 200
milhões de USD para se desfazer desta violenta turbulência. E negociar uma das
dívidas que parece ser seu pecado original. Aquela que contraiu junto ao BCI
entre 2008/2009, para ir buscar os três Embraers, cerca de 200 milhões de USD.
A invés de se endividar lá fora a juros reduzidos, a LAM se endividou cá dentro
num banco que recorreu a financiamento externo para estruturar esse negócio, Na
altura, o BCI tinha a Insitec na sua estrutura accionista.
Este
é um dos grandes calcanhares de aquiles. Os Embraers só dão prejuízo pois não
produzem o suficiente para justificar o valor mensal de capital e juro que a
LAM deve pagar para amortização da divida. Os únicos aparelhos rentáveis são os
dois Boiengs 737, trazidos em 2014 dos EUA pela mão de João Pó, um moçambicano
que a LAM foi buscar Etiopia, onde ele estava altamente instalado na indústria.
Pó, Engenheiro Mecânico e com um MBA, tem experiencia internacional de gestão
de linha área, mas foi descartado quando o Governo demitiu a gestão de Marlene
Manave. É um nome incontornável se o Governo quiser aconselhamento competente
sobre como curar a LAM.
0 comments:
Enviar um comentário