O partido no poder
lançou as comemorações dos 50 anos do II Congresso, cujo ponto mais alto será a
25 de Junho próximo, na localidade de Matchedje, distrito de Sanga, no Niassa, e foi entrevistado o
docente de ciência política, João Pereira, para uma leitura pontual sobre a
Frelimo de hoje. Para Pereira, 50 anos depois do II Congresso da Frelimo, a
única memória positiva é o facto de ser o movimento que libertou o país. É que,
disse, a Frelimo tem sido, sobretudo nos últimos 25 anos, um desejo menos uma
posssibilidade.
“Decepção porque grande parte da elite política da Frelimo
perdeu os seus valores como ética, integridade e solidariedade com o povo.
Hoje, a Frelimo e os seus dirigentes parecem mais máquinas de acumulação primitive
de capital do que servidores dos interesses mais nobres do povo moçambicano”,
precisou o académico, para quem “a Frelimo moralista, galvanizadora ou agente
transformador da sociedade, deixou de existir”. Entende que, como partido, a
Frelimo está num estado de degradação e a seguir um caminho que não representa
aqueles que foram os seus grandes e nobres valores, e diz que é muito triste
ver um partido desta dimensão neste estado por causa da ganância. “Deve ser
muito penoso para aqueles que são saudosistas da era da purificação das fileiras na Frelimo.
Deve ser doloroso para um Jorge Rebelo, para certas figuras da Frelimo, para
milhares de antigos combatentes sem benefícios, quando 10 ou 15 famílias da
Frelimo é que têm força suficiente para beneficiar de tudo; deve ser muito
penoso para eles porque não foi isso que lhes levou a lutar”, comentou. Afirma
que os moralistas de ontem são os grandes lobistas de hoje. “Nacionalizaram
grande parte do que era propriedade privada dos colonos para eles se tornarem
os novos proprietários. Nacionalizaram grande parte das fábricas para hoje se
tornarem os grandes proprietários das fábricas, mas com a única característica
de que as fábricas deles já não produzem nem criam riqueza para o país. Grande
parte deles, aquela elite que tanto defendia o campo, a zona rural, a transformação
do campo, hoje simplesmente são lobistas e vivem do lobby”, sublinha,
repudiando que “não é essa a Frelimo que nós os moçambicanos sonhávamos”. Diz
que o partido perdeu os princípios no processo da liberalização da economia, em
finais da década de 80 e início da década de 90. “A morte do presidente Samora,
a saída dentro da esfera do poder de algumas figuras emblemáticas que deixaram de
ter o seu peso na estrutura do partido, a entrada duma geração mais virada à
ganância, ao control do poder, ao controlo económico, ao roubo, ao saque, a
fragilidade das instituições de justiça, que foi feita de propósito para
facilitar essa ganância toda, então, chegou a uma altura em que elas próprias,
as lideranças, perderam o controlo”, disse.
Para ele, as ligações
com o grande lobby internacional de tráfico de influências, das negociatas, do
enriquecimento ilícito, tudo isso fez com que grande parte das elites da
Frelimo perdesse o seu norte. “A partir da década de 90 começámos a ver a
degradação da propria Frelimo. Até certos sectores da liderança da Frelimo
diziam até que o cabrito come onde está amarrado, só faltou dizer que quanto maior for a corda, melhor e
porque o raio de acção e da comida é maior quer dizer quando você chega a este
extremo, mostra claramente que já não havia outra saída a não ser cabrito e
esperar que em volta houvesse mais capim para comer”, comenta. Questionado se a
Frelimo vai ou não a tempo de recuperar os seus princípios, foi peremptório em
afirmar que não acredita, porquanto grande parte das pessoas honestas, que têm valores
e que podiam ser elementos transformadores dentro da estrutura do partido, ou
estão marginalizadas ou desligaram-se do partido para evitar chatices. Anotou
também que, ao nível da Frelimo, não existe uma predisposição de ir buscar
esses elementos e trazê-los dentro do partido ou se existe, é simplesmente para
acomodá-los, mas não lhes dar espaço de transformação. “Mesmo se existir esse
indivíduo vai ser um pastor sem seguidor porque grande parte da actual elite
política da Frelimo sobrevive a partir de redes clientelistas, do roubo, da
reprodução de influências, do gangsterismo, de tudo o que é mais nefasto hoje
na sociedade, é encontrado dentro do partido Frelimo também”, remata. Vinca que
a situação é tão grave que, se alguém aparecer no partido a pregar valores, não
terá seguidores. “Até vai ser zombado, dizendo que ‘esse velhote está caduco’, como
o fazem com Jorge Rebelo, que dizem que ‘está cansado o velho’. É como você
criar uma igreja e você sozinho
entrar com a bíblia querer pregar evangelho, mas ninguém está para lhe seguir,
nem para aplaudir, então, você vai ficar isolado”, metaforizou. Lembra que
antes havia um mecanismo de casting para a entrada nas fileiras da Frelimo e lamenta
que hoje qualquer indivíduo, seja ele ladrão ou não, ingressa no partido sem
passar por nenhum crivo. Pereira não tem esperança de que o partido recupere os
seus valores nobres, pelo menos, nos próximos anos.
“Os valores da
ganância estão sendo transmitidos dos antigos fundadores que se tornaram em grandes
burgueses a partir da captura do Estado e da sua própria reprodução e desenvolvimento
da rede clientelista, estão a ensinar até aos seus próprios filhos que aquele é
que é o caminho e não estão a resgatar os valores da Frelimo”, lamenta Pereira,
que vê uma Frelimo moribunda e sem coragem de se tornar naquela força
aglutinadora que já foi. Diz que o mais grave é que esse é o legado que a
Frelimo vai deixar, o facto de ser o partido que espalhou corrupção na
sociedade inteira
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