O município de Quelimane celebrou, recentemente, a
passagem dos 75 anos após a elevação à categoria de cidade. Contudo, nota-se
que o crescimento é mais nos assentamentos informais do que uma urbanização. O
que está a falhar? Este fenómeno não se
regista apenas em Quelimane. É uma realidade de todo o país, incluindo a cidade
de Maputo. Em Moçambique, as cidades registam a ruralização da urbanidade e não
a urbanização das ruralidades. Isso é fruto da falta de planos ao nível de
planeamento urbano resultantes das fraquezas da política nacional da gestão das
cidades. Os planos e políticas de urbanização nacional efectiva, desenhadas
pelo governo central, não passam de simples papéis. O governo não tem meios materiais,
humanos e financeiros para a operacionalização desses planos. Há várias leis e
regulamentos que, em princípio, deviam regular o processo de criação,
construção e crescimento das cidades, mas que, infelizmente, não são postos em
prática. Deixemos Quelimane, que é uma
pequena cidade, e nos focalizemos no município de Maputo, que é a capital do
país e compara como estava a cidade em 1970 e como é que está hoje. Sem esforço
nenhum, conclui que Maputo de hoje é mais rural que de 1970, porque, o que está
a acontecer nas nossas urbes é que hábitos rurais invadiram as cidades.
O edil está a dizer que as pessoas que vivem nas cidades
não estão a conseguir adaptar-se aos hábitos urbanos... É verdade. Há
uma diferença muito grande entre o habitante e o munícipe. O que acontece nas
cidades moçambicanas é que estão povoadas por habitantes e não por
munícipes.
Munícipe
é uma categoria de habitante que possui certos atributos. Um munícipe está
consciente dos seus deveres e direitos, tem princípios e comportamentos
urbanos, está ciente de que viver na cidade tem custos. O mesmo já não acontece
com o habitante. A urbanidade tem custos e poucas pessoas têm capacidade para
custear o preço de viver numa cidade.
A retórica do senhor presidente leva-nos a crer que o
município de Quelimane tem mais habitantes que munícipes...
Quelimane
não podia ser uma ilha. É bom saber que aquele grupo de pessoas que está a
ruralizar as cidades moçambicanas também dominou Quelimane por mais de 40 anos
até à sua libertação em Dezembro de 2011 [vitória de Manuel de Araújo nas
eleições intercalares]. Nós chegámos há seis anos e esse tempo é pouco para
inverter o cenário, mas estamos a virar o barco para o rumo certo.
Portanto, a ruralização que caracteriza Quelimane não
deriva do fraco desempenho da governação local, mas do problema geral do
país...
Claro
que sim. Estes problemas começam com a política das nacionalizações adoptada
pela Frelimo pouco depois da independência. No período colonial, para viver na
cidade, tinha de preencher certos requisitos. Com a independência, aboliram-se
esses impedimentos e não se educou os cidadãos. A consequência foi a invasão
das cidades por pessoas que não sabiam como se vive num meio urbano. Hábitos
rurais foram levados para as cidades e as infra-estruturas urbanas não estavam
adequadas para tal. Por exemplo, a cidade de Quelimane foi concebida para 50
mil pessoas e hoje vivem 400 mil pessoas. A cidade de Maputo foi projectada
para 250 mil habitantes e hoje alberga mais de dois milhões de pessoas. De lá a
esta parte, nenhuma infra-estrutura foi construída para responder a essa
demanda. Agora diga, como é possível gerir uma cidade nestas condições, que
infra-estrutura pode aguentar uma pressão de 400 mil pessoas, enquanto foi
concebida para 50 mil.
Numa das entrevistas ao SAVANA, o edil disse que um dos
seus sonhos era transformar Quelimane numa cidade moderna. Contudo, o cenário
que acima descreveu mostra que esse desejo está prestes a terminar num sonho...
O sonho
continua e estamos no caminho certo. Nos últimos seis anos, a cidade que mais
infra-estruturas ergueu no país foi Quelimane. Depois de 40 anos de destruição,
em seis anos, conseguimos erguer várias estradas, mercados, unidades sanitárias
e outras infra-estruturas de interesse social. Estamos ainda na linha, contudo,
há grandes desafios conjunturais, sobretudo na vertente política. Nos últimos
cinco anos, Moçambique teve duas guerras intercaladas, que tiraram por completo
a confiança dos investidores e Quelimane não podia ser excepção. Depois tivemos
a situação das dívidas ocultas, que levaram o país ao precipício. Estes
factores fizeram com que todo o trabalho que estava a ser feito no sentido de
trazer parceiros que nos possibilitasse dar um passo mais rápido rumo ao
desenvolvimento, acabaram ficando prejudicados. Hoje, todo o investidor, quando
olha para Moçambique, só lhe aparece a imagem de um país inseguro e gerido por
um grupo de mafiosos e corruptos.
A geografia de Quelimane faz com que alguns bairros se
separem através de riachos. Porém, com as cheias de 2015, muitas das “pontecas”
que estabeleciam a ligação desabaram e a comunicação entre os bairros virou um
martírio. Como é que o município está a atenuar esse sofrimento?. Há planos de
reposição das “pontecas”?
Temos
quatro “pontecas” fundamentais na ligação entre bairros e todos desabaram nas
cheias de 2015. Não temos uma solução definitiva, porque os custos de reposição
estão muito acima das nossas capacidades. Contudo, não estamos de braços
cruzados, enquanto o governo central não se pronuncia, estamos à busca de
financiamentos.
Qual é orçamento anual do município e quanto é que seria
necessário para uma gestão ideal?
Temos um
orçamento de cerca de 300 milhões de meticais, mas para o nosso pleno
funcionamento, precisaríamos de cerca de 1.500 milhões de meticais, cinco vezes
mais do que o nosso actual orçamento.
Cerca de 35% vem de receitas próprias e o
resto vem de fontes externas.
Os 35%
significam crescimento ou queda em relação à gestão anterior? Estamos a
subir. Quando chegamos, as receitas internas cobriam apenas 20% do nosso
orçamento.
As bicicletas são a espinha dorsal do sector de
transportes em Quelimane e várias correntes entendem que se perdeu durante o
seu mandato a oportunidade de disciplinar esta actividade e torná-la mais
eficiente economicamente. Que resposta dá a esse entendimento?
Isso não
é verdade. Juntamente com os taxistas, estamos a mudar o cenário, temos
campanhas de educação e sensibilização sobre normas de trânsito, com o nosso
apoio, os taxistas criaram uma associação. Neste momento, estamos no processo
de registos e oficialização das actividades.
Quantos “táxis-bicicleta” operam na cidade de Quelimane?
Os
números variam entre 1.000 a 1.500. Agora, o grande problema é dos compatriotas
que vêm de fora da cidade de Quelimane. Temos taxistas que vêm dos distritos de
Quelimane, Inhassunge e Nicoadala, mas que exercem a sua actividade dentro do
município. Esses estão fora do nosso controlo, mas não podemos impedi-los de
exercer a actividade, porque também estão à busca de sobrevivência.
Outro
problema que aflige a cidade de Quelimane e que foi motivo de reparo por parte
do chefe de Estado tem a ver com a gestão de resíduos sólidos. O município de
Quelimane não consegue recolher lixo? A nossa capacidade de recolha de lixo
melhorou muito. Nos últimos meses, investiu-se muito em meios materiais. O
problema está na mentalidade das pessoas (voltando ao debate de munícipe e
habitante). Os munícipes teimam em não acatar os nossos apelos. Outra questão
tem a ver com um depósito municipal de resíduos sólidos que não temos. Ao nível
da cidade de Quelimane, não temos espaço. Pedimos espaço ao governo provincial
para a construção do nosso aterro sanitário. O próprio governador, Abdul Razak,
prometeu, mas, até hoje, a promessa ainda não foi materializada. Tivemos um
financiamento dos países nórdicos para a construção de uma lixeira municipal e
acabamos perdendo essa oportunidade, porque o governo provincial está a recusar
ceder o espaço.
Quelimane celebrou 75 anos, dos quais seis sob
administração do MDM. Quando olha para a cidade o que lhe magoa?
Fico
triste cada vez que olho para a cidade e lembro que ficou 40 anos abandonada,
viveu 40 anos de destruição contínua. Fico triste quando me recordo que a
cidade foi saqueada durante 40 anos. Triste quando me lembro que a única
estrada pavimentada em 40 anos é a que dava acesso ao local do congresso da
Frelimo, realizado em 2006. Fico triste quando me recordo que essa estrada só
resistiu apenas dois anos e nós tivemos de reconstruir.
A imagem que se tem do edil é de uma pessoa ausente e que
está sempre no avião? Porém, justifica-se dizendo que está à busca de
parceiros. Em termos concretos, pode nos resumir os ganhos do município nessas
viagens?
Muita coisa. O problema de vocês, jornalistas,
é que não lêem o meu manifesto. O meu programa centra-se em muita coisa, mas o
meu foco é tirar Quelimane do buraco. Veja que o edil de Quelimane é dos
poucos, se não o único, que movimentou vários embaixadores para a sua
autarquia, homens de negócios de vários quadrantes do mundo escalaram
Quelimane, firmámos parcerias com várias entidades internacionais. Hoje,
Quelimane está no mapa do mundo. Isso é resultado dessas viagens.
Fale-nos em termos materiais
Os ganhos não são imediatos. Antes, tínhamos
de colocar Quelimane nas montras internacionais. Ninguém conhecia Quelimane e
um dia teremos ganhos. Roma não foi construído num dia. Portanto, peço que me
exijam as omeletes no fim do meu mandato. Agora estou à procura de ovos.
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